Um morador de Guarapari (ES) acionou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por causa do badalar do sino da paróquia Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade. No domingo, 14 de novembro, o pároco, padre Diego Carvalho, havia afirmado ao final da missa que estava sendo processado por um vizinho. A arquidiocese de Vitória (ES) informou que o MP está coletando informações sobre o caso e ainda não foi aberto processo.

“Agora uma coisa desagradável, mas que o padre tem que falar. Eu estou sendo processado por uma coisa que para mim não precisava nem ser discutida. Eu estou sendo processado por causa do sino da igreja, porque está incomodando. Sinceramente, estamos vivendo em uma sociedade complicada. Há dois mil anos os sinos tocam. Vou em várias cidades do mundo inteiro e sempre ouvi sinos de igreja tocando. É só para partilhar com vocês dessa minha dor, pois isso se torna uma dor. Já disse hoje de manhã e vou repetir: se eu tiver que tirar o sino da matriz do Centro, eu não fico nessa cidade”, disse o sacerdote na missa de domingo.

Segundo o pároco, o sino de igreja “está incomodando, a princípio, uma só pessoa”. “Aliás, espero que essa pessoa tenha um abaixo-assinado de pelo menos uns 70% da população do Centro pedindo para calar o sino”, afirmou. Ele contou ainda que os sinos tocam às 6h, 9h, 12h, 15h e 18h, por um minuto.

Em entrevista ao site ‘A Gazeta’, Gabriel Merigueti, advogado do morador – que não quer ser identificado – disse que seu cliente não processou o padre nem a Igreja Católica. Segundo ele, em agosto, o morador acionou o Disque-Silêncio da prefeitura de Guarapari para que “averiguasse se o badalar estaria ou não de acordo com a lei”. Como não obteve retorno da prefeitura, relatou a situação ao MPES.

Na segunda-feira, 15 de novembro, padre Diego Carvalho afirmou em suas redes sociais que “se os sinos estão com os decibéis acima do permitido pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), a Igreja irá acionar a empresa responsável pela manutenção do mesmo”. Disse ainda que vai solicitar ao jurídico da arquidiocese de Vitória que acione as autoridades de Guarapari “para que tome ciência da legislação da cidade, no que tange a permissão sobre o horário que os sinos podem tocar e o horário que os mesmos devem permanecer desligados”.

Em nota, a arquidiocese de Vitória informou que um morador do centro de Guarapari fez a denúncia junto ao Ministério Público do Espírito Santo sobre o badalar das 6h do sino da paróquia Nossa Senhora da Conceição. “O procedimento está em tramitação até que o MP obtenha as informações necessárias para responder ao noticiante. A arquidiocese de Vitória aguarda a tramitação para posicionamento oficial, se necessário”, afirmou.

Segundo a arquidiocese, “padre Diego Carvalho disse que ‘o volume do som e tempo de duração obedecem às leis do município’ e manifestou desconforto em relação à denúncia junto ao MP”.

A prefeitura de Guarapari afirmou ao site ‘A Gazeta’ que o morador esteve na Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura (Semag) e “foi orientado de que não havia impedimento do funcionamento do sino na legislação, uma vez que se trata de uma manifestação religiosa”.

O MPES informou que recebeu a manifestação do morador sobre possível poluição sonora causada pela igreja. “Dessa forma, cumprindo seu dever estabelecido por lei, o Ministério Público instaurou procedimento para apurar os fatos e requisitou à prefeitura de Guarapari que informe por quanto tempo e em quais horários o sino da referida igreja é acionado e se o ruído emitido está em conformidade com a legislação vigente”, disse em nota para ‘A Gazeta’. Além disso, declarou que “não ingressou com ação judicial referente ao caso, até porque os fatos ainda estão em apuração”.

Casos de denúncias contra o badalar de sinos de igrejas já chegaram à Justiça em outras cidades. Um desses aconteceu em São Paulo (SP), em 2014, quando uma paróquia da Zona Oeste da capital paulista recebeu uma multa de R$ 36 mil porque seu sino badalou por 76 segundos, 16 a mais do que o limite estabelecido por lei. A arquidiocese de São Paulo pediu na Justiça que a multa fosse anulada e que declarasse nula a Lei 11.804, de 19 de junho de 1995, sobre ruído, que prevê limite de até 60 segundos para badalar dos sinos e apenas para "assinalação das horas e dos ofícios religiosos". Para a arquidiocese, a regra é inconstitucional, pois fere a liberdade religiosa prevista na Constituição.

Em primeira instância, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara de Fazenda Pública, negou pedido. A arquidiocese recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).  Em decisão de outubro deste ano da 2ª turma de Direito Público do TJ, ficou estabelecido que as igrejas em São Paulo devem seguir a legislação que determina que os sinos devem tocar por até 60 segundos. Para a relatora Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, a limitação imposta pela legislação não é inconstitucional. Quanto à multa, considerou que era indevida, pois não havia reincidência no descumprimento da norma e os padres haviam se comprometido a seguir as regras. Por isso, alterou a punição para apenas uma advertência à igreja.

Em outro caso, um morador de Brasília (DF) abriu um processo contra a igreja São Pedro de Alcântara, no Lago Sul, em 2010. Ele alegou que os sinos tocados diariamente o impediam de realizar atividades rotineiras como leitura, trabalho e descanso e estavam lhe causando irritação, nervosismo e cansaço. Em março de 2016, o juiz Cleber de Andrade Pinto, da 16ª Vara Cível, negou o pedido de limitação do barulho com base no princípio da liberdade religiosa. O morador recorreu e, em outubro do mesmo ano, conseguiu reverter esse entendimento na 6ª Turma Cível, com a decisão de que a igreja deveria reduzir o volume dos sinos até o limite de 50 decibéis estabelecido por lei.

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