Há sete anos, a Comunidade Católica Shalom iniciou uma missão na Alemanha, na cidade de Arnsberg. Ali, moram em um mosteiro desativado de cerca de 900 anos, onde viveram santos. Para a responsável pela missão, Andreza Henriqueta dos Santos Alves, isso traz constantemente aos missionários a “lembrança contínua do chamado à santidade”.  

“Confesso que a gente treme. Quando eu fiquei sabendo que vinha para a Alemanha, foi muito tranquilo. Eu sou missionária há 19 anos e tinha morado em algumas missões no Brasil, na Suíça e na Itália. Vir para a Alemanha foi algo como ‘ok, um caminho novo’. O que tomei um susto foi o fato de vir para um lugar santo, onde moraram santos. Isso me fez pensar: ‘meu Deus, é isso que a Igreja espera da gente, a santidade’”, contou Andreza.

O mosteiro Wedinghausen foi casa dos monges premonstratenses, que eram copistas. Ali viveram, nos séculos XII e XIII, os santos Ricardo de Wedinghausen e Cristiano de Wedinghausen. Andreza Henriqueta conta que, no início do século XIX, era em que Napoleão Bonaparte dominou a história da Europa, “o mosteiro foi secularizado, tomado, entregue ao Estado. Mas, no início do século XX, foi devolvida uma parte para a Igreja. A escola e alguns complexos continuaram com o Estado, mas a casa onde os monges moravam foi devolvida”.

Em vez de transformar o local em um museu, veio a proposta: “se missionários moraram aqui, vamos trazer outros missionários para reevangelizar este lugar”. A ideia surgiu em 2014, depois que o padre Hubertus Böttcher contou para o padre Paul Stapel sua preocupação pela ausência de jovens na paróquia. O padre Paul é irmão do frei Hans Stapel. fundador da Fazenda Esperança, comunidade terapêutica que, inciada em Guaratinguetá (SP), “atua desde 1983 no processo de recuperação de pessoas que buscam a libertação de seus vícios, principalmente do álcool e da droga”, diz a comunidade em seu site, e existe hoje em mais 20 países.

O frei Hans Stapel falou então sobre a Shalom e disse que “não conhecia outro movimento tão forte com os jovens” como esta comunidade. Convencidos de que esta era a solução, os dois sacerdotes foram falar com o bispo de Paderborn, que abraçou a ideia e convidou a comunidade para estabelecer uma missão na diocese alemã.

“A primeira vez que eu vim para conhecer, era dia de são Tomé, 3 de julho, e a leitura desse dia é aquela que são Paulo diz: vocês não são mais estrangeiros, vocês são concidadãos dos santos. Eu não sabia que os santos tinham morado aqui. Teve a missa, rezamos. Quando entramos e foram nos mostrar o mosteiro, disseram: ‘vocês vão ser companheiros dos santos que moraram aqui’. Eu falei: ‘é a liturgia de hoje, nós não somos estrangeiros, somos companheiros dos santos’”, recordou Andreza Henriqueta.

As primeiras missionárias chegaram a Arnsberg em outubro de 2014. Como era necessário reformar o mosteiro para abrigar a missão, foram incialmente acolhidas na Fazenda Esperança da cidade e, depois, em uma casa emprestada pela diocese. A reforma, que pensaram que seria rápida, se transformou em uma obra de restauração que durou anos, inclusive com a atuação de arqueólogos. A Comunidade Shalom só se estabeleceu no mosteiro no ano passado.

Segundo Andreza, quando o mosteiro foi entregue ao Estado, foi feito um trabalho para proteger o piso. “Quando foram restaurar, encontraram o piso original. Uma coisa que a responsável pelo patrimônio cultural e histórico da região sempre nos falava era: ‘atenção, vocês vão pisar o chão que os santos pisaram’”, contou. Este piso original foi deixado à mostra no refeitório, “onde todos se juntam para partilha de vida, para refeições, para ser família”. “Toda vez que entro lá, digo: ‘meu Deus, esse aqui é o chão que os santos pisaram’. Claro que existe um choque, um questionamento positivo dessa lembrança contínua do chamado à santidade”, afirmou.

“Moramos no primeiro andar e a igreja é no térreo. Também no térreo, exatamente embaixo da casa onde moramos, tem o salão onde os monges se reuniam para trabalhar, copiar a Bíblia e outros livros. E quando passamos por ali, passamos pelos túmulos deles também”, relatou. “O chão do refeitório lembra que santos moraram aqui e os túmulos também. A gente pensa: o que estou fazendo da minha vida?”.

Por outro lado, o local também indica a missão. “Da nossa capela, vemos a cidade inteira. Então, sempre que entramos na capela, vemos o altar, o sacrário e a cidade. E é por eles que estamos aqui, é por eles rezamos, é para este povo que Deus nos chama”, disse.

Segundo Andreza Henriqueta, na Igreja na Alemanha, encontraram “um contraste”. De um lado, “uma parte muito secularizada”, de outro, “um movimento de renascimento, novas expressões, um despertar para a fé”. “É belo que o Espírito não abandona a Igreja e sempre suscita pessoas com sede de Deus. Há muitos jovens, padres jovens, leigos jovens que parecem não estar tão preocupados em discutir estrutura, dinheiro, mas focar no principal: Deus e missão”.

“A fé realmente precisa ser ressuscitada, porque muitos se dizem católicos, mas nunca foram à igreja. Mas, existe essa predisposição ao serviço e à doação ao outro, que é o gancho que usamos na missão. A primeira linguagem é a do serviço, do amor ao próximo e é por onde entramos para dizer: ‘Pois é, mas tem Alguém que te amou primeiro’”, disse.

A comunidade também busca “deixar as portas da casa abertas o máximo possível” para que as pessoas possam conhecer. Andreza contou que duas vezes por ano realizam adoração ao Santíssimo Sacramento “durante sete dias direto, dia e noite”. Recordou que em uma ocasião, deixaram a porta aberta com um cartaz “Jesus está aqui te esperando, pode entrar” e as pessoas entravam incialmente “por curiosidade”. Uma dessas pessoas foi uma senhora que era organista e trabalhava na igreja há 30 anos, mas nunca tinha visto uma adoração. “Ela decidiu entrar e ficou sentada. Só tinha o Santíssimo Sacramento no altar e um de nós lá adorando em silêncio. Ela sentou e disse que ficaria cinco minutos por curiosidade. Ficou duas horas. Quando terminou, foi falar com o padre e disse que sentiu uma paz muito grande como há tempos não sentia, que sentiu a presença de Deus”, relatou. “Ela teve uma experiência com Deus e foi somente com Deus, porque nós não fizemos nada, só deixamos a porta aberta. Quem faz é nosso Senhor. Basta abrir a porta que Deus age”, disse.

A Shalom na Alemanha conta com nove missionários da comunidade de vida em Arnsberg e três famílias e uma jovem da comunidade de aliança em Frankfurt. Promovem grupos de oração, seminários, retiros, cursos, shows. E, assim como a origem na origem da comunidade em Fortaleza (CE), tem uma lanchonete, a “Garage Comshalom”, que é a “rede de pesca”, pois as pessoas vão “por causa da comida, pela amizade” e são evangelizadas.

“Os alemães são bem precisos. Eles estudaram a história da Shalom e descobriram que a comunidade nasceu com uma lanchonete. Então, a preocupação deles foi reformar a garagem do mosteiro, aqui perto, onde guardavam os cavalos, carruagens, para transformar em uma lanchonete, que foi inaugurada em 2018”, contou Andreza. Segundo ela, o local tem uma fachada “muito parecida” com da lanchonete de Fortaleza, “com três arcos na entrada”. “Foi uma consciência que achamos providencial, os mesmos arcos, como que para dizer ‘a história recomeça’”.

Sete anos depois que chegou a Alemanha, Andreza Henriqueta diz que o sentimento que tem “é um pouco aquilo que são Francisco dizia: ‘É preciso recomeçar, porque pouco ou nada fizemos’”. Isso porque, “ao mesmo tempo que olhamos e vemos que a vida de muitas pessoas se transformou e é bonito escutar o testemunho delas, também vemos o quando ainda falta. É só olhar aqui da janela para a vista da cidade”, disse. “Dentro de mim é um sentimento de ‘precisamos recomeçar, ser criativos, ter iniciativas novas, recomeçar a missão todo dia’”.

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