A Câmara dos Deputados do Chile aprovou um projeto de lei que, se for aprovado pelo Senado, obrigaria os sacerdotes a quebrarem o segredo de confissão em casos de abuso sexual, uma decisão "muito grave", porque ameaça a liberdade religiosa, assinalou um advogado canonista.

O projeto foi apresentado em maio de 2018 pelo deputado democrata cristão Raul Soto, no contexto da crise dos abusos sexuais cometidos por membros do clero no Chile. Em outubro do mesmo ano, a Comissão de Constituição aprovou o documento e o voto da Câmara Baixa em 23 de abril, tendo 128 votos a favor da iniciativa.

Caso este projeto de lei seja aprovado no Senado, o artigo 175 do Código de Processo Penal seria modificado para ampliar as "pessoas obrigadas a denunciar crimes cometidos contra meninos, meninas ou adolescentes e/ou adultos cujas condições físicas ou mentais requeiram proteção especial”, descreve o documento.

Atualmente, o Código de Processo Penal obriga os diretores de estabelecimentos de ensino, polícia, chefes de portos, capitães de navio a denunciarem estes casos.

O projeto aprovado pelos deputados estende esta obrigação às "autoridades eclesiásticas de qualquer denominação religiosa, seja de direito público ou de direito privado, e, em geral, bispos, pastores, ministros religiosos, diáconos, sacerdotes, religiosos ou outras pessoas que, de acordo com as regras de cada denominação religiosa, possuam algum grau de autoridade sobre uma congregação ou grupo de pessoas por causa da prática de alguma crença".

O projeto inclui também os diretores de associações, fundações ou grupos de caráter cultural, juvenil, educacional, desportivo ou de outra forma.

No entanto, os deputados também aprovaram com 81 votos a indicação que obriga a denunciar os crimes que forem “conhecidos por ocasião do segredo de confissão ou segredo profissional”.

Para o advogado canonista e porta-voz do grupo Vozes Católicas, Alejandro Álvarez, este último ponto "é muito grave porque está impondo um comportamento que vai contra a disposição expressa da lei canônica, como é o sigilo sacramental".

Álvarez assegurou que a disposição "entra em conflito com o direito canônico" e "também com o ordenamento jurídico chileno", que reconhece e ampara as leis e regulamentos próprios das corporações e fundações de direito público, entre as quais estão as igrejas e comunidades religiosas.

No caso da Igreja Católica "essa lei e regulamento especial é o direito canônico", indicou o advogado canonista ao Grupo ACI.

Álvarez manifestou que a violação do segredo de confissão "é um ataque à liberdade religiosa, equiparando duas situações jurídicas totalmente diferentes: o sigilo profissional e o sigilo sacramental".

"No caso do sigilo sacramental o cânon 983, 1 estabelece que este é inviolável e, em caso de violação deste mandato, a pena é a excomunhão latae sentenciae, de acordo com cânon 1388, por isso é estritamente proibido ao confessor trair o penitente, em palavra ou de qualquer outra forma, e por nenhum motivo", disse o advogado.

Álvarez advertiu que com este projeto de lei "estamos colocando o clérigo em posição de escolher entre violar a lei do Estado e estar sujeito às consequências disso, ou ser excomungado, o que claramente ataca a sua liberdade religiosa, viola os seus direitos e o dos fiéis que recorrem ao sacramento da confissão".

Confira também: