Em uma recente entrevista ao jornal National Catholic Register, do grupo EWTN, o atual grão-mestre da Ordem do Santo Sepulcro, Cardeal Fernando Filoni, falou das altas expectativas sobre a próxima viagem papal ao Iraque e insistiu que os cristãos têm o direito humano fundamental de permanecer nos lugares históricos do cristianismo neste país de maioria muçulmana.

As tensões entre cristãos e muçulmanos no Iraque não é um tema alheio ao Cardeal Filoni, que serviu como núncio apostólico em Bagdá entre 2001 e 2006. Ele viveu de perto as tensões entre estes dois grupos e até hoje é lembrado pela decisão de não abandonar sua nunciatura durante a Batalha de Bagdá em 2003, quando forças dos Estados Unidos bombardearam o território iraquiano. O fato lhe rendeu o apelido de "Núncio Coragem" no país. Devido ao seu conhecimento e proximidade aos cristãos deste lugar, o Papa Francisco, o convidou para participar de sua viagem apostólica de 5 a 8 de março ao Iraque. 

Nascido em 1946 em Mandura, Itália, o Cardeal Filoni também atuou como prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos (2012-2019) tendo sido encarregado de assuntos gerais da Secretaria de Estado por um breve período (2007-2012).

Vale recordar que o Santo Padre já o havia enviado ao Iraque duas vezes como seu representante especial em 2014 e 2015, após a captura das Planícies de Nínive pelo Estado Islâmico. Agora, o Papa irá pessoalmente visitar a comunidade cristã desta nação do Oriente Médio, onde a presença do cristianismo se remonta ao século I. 

Falando sobre as suas expectativas desta viagem, Dom Filoni afirmou ao Register: “Esta viagem é um desejo que o Papa já havia expresso a mim quando voltei do Iraque pela primeira vez em 2014, e o repetiu ao final da minha segunda viagem pela Semana Santa de 2015. Esta viagem não é apenas sobre o Papa fazer um gesto bonito - toda a Igreja está indo com ele para essas terras. É uma visita eclesial e pastoral, em apoio aos cristãos e minorias, um incentivo para fortalecer o diálogo entre cristãos e muçulmanos. E eu pessoalmente acrescentaria que é também uma ocasião para encorajar o diálogo entre os próprios muçulmanos”.

Falando sobre o êxodo de cristãos e a necessidade de ajudá-los a permanecer em suas terras, ou retornar para aquelas de onde tiveram que fugir, o National Catholic Register perguntou ao Cardeal como  isso poderia tornar-se uma realidade em um país cuja constituição é (desde 2005) baseada no Alcorão.

Dom Filoni, respondeu que “durante minhas duas últimas visitas lá, ouvi palavras fortes das autoridades locais - especialmente no norte, onde há a maior comunidade cristã - que disseram que os cristãos tinham o direito fundamental de permanecer em suas terras”. 

“Portanto, não é apenas uma concessão, nem uma tolerância, mas um direito humano fundamental. Não se trata de vingança, mas de dizer: Se basearmos a convivência nos direitos humanos, então todos temos os mesmos direitos”, asseverou.

“O Oriente Médio pertence a todos por causa de sua antiga cultura e civilização. Estamos em dívida neste aspecto. Além disso, do ponto de vista cristão, aqui ocorreu a vida de Jesus, a dos profetas, da Igreja primitiva que tinha grande vitalidade por séculos. A presença cristã, mesmo em suas expressões multiformes, é importante. A lógica de fazer essas comunidades desaparecerem é como fazer a vida desaparecer e preparar um deserto, um ambiente empobrecido”, destacou o purpurado.

“Há milênios, a presença de tantas expressões religiosas, étnicas e culturais enriquece esta região”, afirmou o ex-núncio que recordou que a perseguição não é novidade para os cristãos destes lugares, e indagou: “Será que não aprendemos nada com a história e com o sofrimento de milhões de pessoas? Ainda é preciso recorrer à lógica da opressão? Por que deveriam as riquezas daquela região fazer prevalecer a inveja, o ciúme, a opressão em vez do desenvolvimento, da partilha e da convivência pacífica? (...).

A tarefa de “promover a presença cristã nessas terras é de todos”, recordou.

“Certamente, a presença cristã não é favorecida quando se impõe a todos os habitantes uma visão de vida e uma lei, ou constituições, baseadas em princípios islâmicos ou a sharia. Embora isso seja compreensível dentro das comunidades muçulmanas, não pode ser para todos os que habitam ali”, frisou.  

“O denominador comum é uma lei que favoreça e respeite os direitos humanos, sem discriminação, bem como o desenvolvimento de uma visão de paz”, concluiu o Cardeal Filoni.

Traduzido e adaptado por Rafael Tavares. Entrevista completa originalmente publicada no National Catholic Register.

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