Marcela Kamiroski Melo é uma estudante de Direito, de 30 anos. Ela mora em Juiz de Fora (MG). Em seu dia a dia, estuda, faz estágio, tem convivência familiar, com amigos, e em tudo isso dá seu testemunho de fé e vida cristã como virgem consagrada. Essa modalidade de vida remonta ao início do cristianismo e foi retomada a partir do Concílio Vaticano II. Na arquidiocese mineira, é algo recente e Marcela foi a primeira a fazer essa consagração em julho de 2020. Depois disso, a procura por mulheres que querem conhecer a ordem tem crescido e, para atendê-las foi lançado o site da Ordem das Virgens da arquidiocese de Juiz de Fora.

“Das primeiras virgens consagradas da Igreja até o século III, na época em que tinha a perseguição aos cristãos, eram mulheres de vida comum, mas que se ofertavam a Deus através de um voto de castidade, a exemplo de Santa Luzia, Santa Inês, Santa Filomena”, disse Marcela. Ela contou que, na história da Igreja, com o tempo e a organização dos mosteiros, das congregações, “essa modalidade ficou inativa, digamos assim”. Mais tarde, “no Concílio Vaticano II, houve o resgate da consagração de mulheres que se disponibilizam a estar no mundo, na sociedade, mas que também professam o voto de castidade”.

“Como no início do cristianismo havia uma sociedade pagã, nós também temos uma sociedade que é pagã”, disse Marcela, e é preciso “estarmos infiltrados na sociedade”. “Por exemplo, eu que sou da área do Direito, muitas vezes tem um ambiente onde não se acredita em Deus, como as leis contra a vida. Então, ser uma porta-voz nesses ambientes é uma forma de martírio, porque passamos por uma ridicularização. Poder falar da vida, da família, dos valores cristãos nesses ambientes é um martírio. Mas, vemos que é possível a ressurreição, que Deus age no coração das pessoas e fornece a conversão, a ressurreição”, afirmou.

As virgens consagradas “estão diretamente ligadas ao bispo”. “Ele é o responsável por toda dimensão da vida consagrada. Então, tudo passa pelo bispo. Não temos nenhuma atividade que seja por livre e espontânea iniciativa”. O propósito público de virgindade consagrada é emitido diante do bispo, durante uma celebração, e as virgens são “incardinadas na diocese”. “É como se fosse o nosso mosteiro. Nossa vida consagrada é para a diocese e, se precisarmos nos mudar, temos que pedir uma transferência ao bispo”.

Além de suas obrigações seculares, as virgens consagradas têm suas “obrigações religiosas, como rezar a liturgia das horas e ter uma obra de misericórdia na diocese”. No caso de Kamiroski, ela é catequista e apresenta um programa semanal de catequese na web TV da arquidiocese de Juiz de Fora.

Marcela Kamiroski com o arcebispo de Juiz de Fora, dom Gil Antônio Moreira. Foto: Marcela Kamiroski

Marcela Kamiroski contou que sentiu o chamado à vida consagrada em 2014, em um retiro espiritual na Comunidade Canção Nova. “Mas não entendia muito bem como seria essa consagração”. Naquele mesmo ano, fez um voto privado de celibato, “ofertando a Deus a castidade, pois gostaria de ser inteiramente de Jesus”. Esse voto foi proferido de modo particular no dia 8 de dezembro de 2014, solenidade da Imaculada Conceição, diante do Santíssimo Sacramento. “Fiz a fórmula do matrimônio e, ao me dirigir ao esposo, eu me dirigi a Jesus: recebi Jesus na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos uma”, recordou.

Ela também buscou o discernimento vocacional. “Fiz acompanhamento com as monjas beneditinas, procurei congregações, vivi uma experiência de três anos em uma nova comunidade. Ainda assim, não sentia o coração em paz”. Então, retornou para a arquidiocese de Juiz de Fora e, logo depois, começou a pandemia de covid-19. Por causa das medidas sanitárias impostas, “veio um período em que não se podia ir à missa”. Segundo Marcela, isso lhe gerou preocupação. “Comecei a pensar: eu já tenho um voto de ser consagrada e, se não tiver acesso aos sacramentos, vai ser difícil. Eu quis, então, uma maneira de regularizar o meu voto e não ser privada dos sacramentos”. Após algumas pesquisas, conheceu a modalidade de vida das virgens consagradas. Decidiu, então, conversar com o arcebispo dom Gil Antônio Moreira, que já a acompanhava desde 2014, e ele aceitou a consagração.

Sua data de consagração Ordo Virginum é dedicada a Nossa Senhora do Carmo, tendo o seu primeiro propósito de castidade professo em 20 de julho de 2020. Marcela contou que o rito de consagração é próprio para as virgens consagradas. “Nós temos nossa lamparina, que é nossa insígnia e retoma aquela questão das virgens prudentes que devem ter a lamparina com óleo. Recebemos três insígnias do bispo, o véu, que é facultativo, mas que podemos usar na liturgia, a aliança e a liturgia das horas”. Há também “o propósito de castidade, feito diretamente ao bispo e nos prostramos enquanto se reza a ladainha de todos os santos”.

Para Marcela, ser uma virgem consagrada “representa tudo”. “Sinto que é a minha parte na Igreja de ser coluna viva”, disse ao recordar as “santas mulheres que foram colunas para nossa fé e, a partir delas também recebemos a religião”. “Mesmo que aconteçam situações difíceis, como as santas mulheres que foram martirizadas, sabemos que todos os nossos esforços ainda são poucos. Se pudermos nos doar, vivermos nosso martírio do dia a dia, também estamos vivendo a santidade. Então, poder ser essa referência de fortaleza, de segurança, para que os outros também tenham a fé, é o maior consolo que tenho. É uma evangelização que passa através do nosso ‘sim’, do nosso compromisso com Deus”, declarou.

Atualmente, na arquidiocese de Juiz de Fora, além de Marcela Kamiroski, há outra virgem consagrada, Camila Luzia Salustiano​, servidora pública, de 32 anos. Segundo Marcela, nos últimos meses, “começou a ter muita procura de pessoas querendo saber mais sobre as virgens consagradas”. Então, criaram um site “com todas as informações explicativas sobre esse modo de vida”. A ideia, que inicialmente era apenas para a arquidiocese, “teve repercussão nacional”. “Graças a Deus, a resposta das pessoas foi muito boa, com jovens enviando e-mail e procurando saber”, disse.

Entretanto, recordou que é um estado de vida ligado à diocese. “Cada diocese tem sua realidade, então, é preciso o acompanhamento do bispo, de um padre indicado por ele ou, caso já haja na diocese a Ordem das Virgens, de uma virgem consagrada”.

Para ser uma virgem consagrada, é necessário que a candidata tenha “mais de 25 anos, que tenha bom equilíbrio emocional, psicológico, cultura mínima de oitava série e que nunca tenha contraído núpcias”. Marcelo destacou que em caso de mulheres que, “por alguma situação da vida, não tenham o hímen, não quer dizer que não possa se consagrar, porque se entende que a virgindade é um estado de integridade. Então, a partir do momento que se deu o ‘sim’ é a fidelidade”.  A instrução Ecclesiae Sponsae Imago sobre o Ordo Virginum diz que “a vocação para incorporar o amor virginal, conjugal e fecundo por Cristo não se reduz ao símbolo da integridade física. Por isso, manter o corpo em perfeita continência ou ter praticado a virtude da castidade de forma exemplar, apesar de ser de grande importância no que toca ao discernimento, não são pré-requisitos essenciais cuja ausência signifique a impossibilidade da consagração”.

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