Em dezembro de 2020, o Congresso da Argentina aprovou a despenalização do aborto e, quase um ano depois, o legislativo discute três projetos de lei para ampliar a prática da eutanásia.

Na Argentina, a lei determina que um paciente com uma doença irreversível, incurável ou em estado terminal "tenha o direito de aceitar ou rejeitar certas terapias ou procedimentos médicos ou biológicos".

Agora, os projetos buscam ampliar essa regulamentação e lançar as bases para uma "eutanásia ativa", ou seja, para que o paciente possa se autoadministrar uma substância que termine com sua vida, ou pedir a um profissional da saúde para aplicá-la.

No dia 25 de novembro, os deputados Alfredo Cornejo, Jimena Latorre e Alejandro Cacace apresentaram na Câmara dos Deputados o projeto “Lei da boa morte. Regulação da eutanásia”.

Quatro dias depois, os senadores do partido Juntos por el Cambio, Julio Cobos e Pamela Verasay, entraram com outro projeto de lei no Senado sobre a "Interrupção voluntária da vida".

Em 6 de dezembro de 2021, o projeto de lei “Direito à prestação de ajuda para morrer com dignidade - Lei Alfonso” foi apresentado na mesma Câmara pelas deputadas Gabriela Estévez, Mara Brawer, Carla Carrizo, Carolina Gaillard, Mónica Macha, Cecilia Moreau, Florencia Lampreabe e Jimena López.

No projeto apresentado no dia 6 de dezembro, propõe-se que a pessoa receba “a ajuda necessária para morrer com dignidade”.

Dessa forma, contempla a eutanásia provocada e o suicídio assistido, através da administração direta de uma substância ao paciente pelo médico ou pela prescrição para que o paciente a autoadministre.

Para ter acesso a essa prática, o paciente deve sofrer uma “doença grave e incurável”, que cause “sofrimento físico ou mental constante e insuportável sem possibilidade de alívio que a pessoa considere tolerável, em um contexto de fragilidade progressiva” ou “quadro grave, crônico e incapacitante”.

A pessoa que solicita a eutanásia deve ter nacionalidade argentina ou residir no país há pelo menos um ano, ser maior de idade e estar em condições de, no momento da solicitação do benefício, manifestar a sua vontade por escrito, a menos que tenha se manifestado por escrito anteriormente.

O projeto respeita a objeção de consciência como direito individual dos profissionais de saúde, mas o paciente “de boa fé” deve ser encaminhado a outro profissional.

O projeto de lei da "boa morte", apresentado pelos deputados em 25 de novembro, é semelhante, mas regulamenta a eutanásia para menores com capacidades limitadas.

Também propõe a existência de uma “Comissão Médica de Assistência e Avaliação” para verificar se os requisitos e condições para a aplicação da eutanásia são cumpridos.

Segundo esse projeto, caso o paciente opte pela “administração direta de uma substância pelo profissional médico competente”, o médico responsável deverá atender o paciente até o momento do óbito.

Se, em vez disso, a pessoa opta pela “prescrição ou fornecimento de uma substância, de forma que possa ser autoadministrada pelo paciente, para causar sua própria morte”, o médico responsável, “após prescrever a substância que o paciente irá autoadministrar, manterá a devida tarefa de observação e apoio a isso até o momento da morte”.

Se o paciente não estiver "em pleno uso de suas faculdades e não puder dar o consentimento”, mas escreveu antes um documento de autorização com as instruções prévias, testamentos ou documentos equivalentes, poderá receber a eutanásia.

O especialista em bioética, Nicolás Lafferriere, disse que os projetos utilizam o eufemismo de “boa morte” ou “prestação de ajuda para morrer” para encobrir uma conduta que “provoca a morte deliberada de uma pessoa”.

Os projetos estão imbuídos de um “individualismo radical, ao promover uma forma de suicídio em detrimento do acompanhamento que toda pessoa que passa por uma situação terminal precisa”.

Em suma, são projetos que expressam a “cultura do descarte” que “não se preocupa pelos mais vulneráveis e encobre como suposto direito uma forma radical de indiferença diante de quem sofre: a de ajudá-lo a tirar a vida”.

“A eutanásia não é uma solução para os problemas gravíssimos que uma pessoa enfrenta em situações de doenças graves e incuráveis, ou em sofrimentos extremos”, disse Laferriere. “Como sociedade, somos chamados a redobrar os esforços para acompanhar as pessoas em sofrimento e vulneráveis, incluindo uma oferta completa de cuidados paliativos que cheguem a todas as pessoas que deles necessitam”.

Mais em

Por isso, Laferriere lembrou que um projeto de lei de cuidados paliativos também aguarda aprovação no Congresso e “seria uma resposta real e abrangente à necessidade do fim da vida”.

Confira também: