Os anos trinta foram a grande época da carreira do ciclista Gino Bartali, um dos maiores de todos os tempos na Itália. Bicampeão do Giro d’Italia em 1936 e 1937, Bartali ainda conquistou o Tour de France, maior competição de ciclismo de estrada do mundo, em 1938. Depois da Segunda Guerra Mundial, que interrompeu as competições na Europa, Bartali ainda venceria uma vez cada uma das provas, em 1946, na Itália, e em 1948 na França.

Foi a guerra, porém, que fez de Bartali um herói. Gino, o Piedoso, como era conhecido por seus fãs por causa de sua fé católica, fingia treinar nas estradas do país enquanto levava, escondidos em sua bicicleta, documentos falsos com os quais cerca de 800 judeus puderam fugir da Itália fascista e se salvar do Holocausto.

Hoje, 5 de maio, completaram-se vinte e um anos da morte de Bartali e, para celebrar a data, o bispo da diocese de Assis-Nocera Umbra-Gualdo Tadino, dom Domenico Sorrentino, rezou a oração do Ângelus às 12hs locais (7hs de Brasília) no oratório privado que pertenceu ao ciclista e foi doada em 2018 ao Museu da Memória, Assis 1943-1944.

O florentino Bartali era um católico devoto muito ligado ao então arcebispo de Florença cardeal Angelo Elia Dalla Costa, reconhecido como Justo entre as Nações em 2012. No dia 23 de setembro de 2013, Bartali também foi reconhecido como Justo entre as Nações pelo Yad Vashem, memorial oficial das vítimas do Holocausto fundado em 1953 em Jerusalém. O título é um reconhecimento a não-judeus por terem salvado mesmo que uma só vida durante as perseguições nazistas.

O Museu da Memória de Assis hospeda com grande alegria o oratório privado do campeão. Bartali, que ingressou na Ordem Terceira do Carmo em 1937, quis o oratório em memória do irmão Giulio, morto prematuramente em um acidente de bicicleta na estrada em 1936. O oratório foi consagrado em 1937 pelo próprio cardeal Dalla Costa.

Em entrevista à Gazzetta dello Sport, jornal de esportes italiano, o papa Francisco falou de Bartali, cuja atuação conheceu ao visitar o museu Yad Vashem em Jerusalém. “Contaram-me sobre Bartali, o ciclista legendário que, recrutado pelo cardeal Ellia Dalla Costa, com a desculpa de treinar na bicicleta, partia de Florença rumo a Assis e voltava com dezenas de documentos falsos escondidos no quadro da bicicleta que serviam para fazer fugir e, portanto, salvar os judeus. Ele dizia que o bem se faz e não se diz, senão que bem é? O Yad Vashem o considera Justo entre as Nações reconhecendo seu empenho”.

O museu de Assis que preserva a memória de Bartali foi inaugurado em 24 de março de 2011 no primeiro andar da pinacoteca do palácio Vallemani, em Assis. A exposição, idealizada e curada pela jornalista Marina Rosati, preserva documentos, fotos, depoimentos, estudos e objetos sobre várias pessoas que se empenharam paraa salvar judeus. Entre esses, não poderia faltar Gino Bartali

No museu está exposta a antiga máquina de tipografia com suas caixas de fontes, a guilhotina e a impressora que imprimiu os documentos falsos transportados de Assis a Florença por Gino Bartali. O ciclista trabalhava em estreita colaboração com a organização clandestina dirigida pelo bispo de Assis Giuseppe Placido Nicolini. Na mostra há fotos inéditas de Bartali com dom Nicolini nos anos 1937 e 1938 que evidenciam a profunda amizade entre os dois.

A exposição também abriga o oratório dedicado a Santa Teresa do Menino Jesus.

“O oratório do vovô sempre representou uma lembrança indelével da nossa família”, disse à ACI Stampa, serviço em italiano do grupo ACI, Gioia Bartali, neta do ciclista.

Depois do acidente que matou seu irmão, Gino decidiu parar de competir. “Foi somente graças a sua fé e ao amor de minha avó Adriana que ele decidiu subir novamente em uma bicicleta para competir novamente e dedicar assim suas vitórias à Virgem Maria”, diz Gioia.

Desse mesmo ano, diz Gioia Bartali, é o oratório, “um altar consagrado a Santa Teresinha do Menino Jesus que lhe permitia celebrar a missa conseguindo assim praticar sua fé com devoção e humildade. Um objeto precioso a ponto de ser deixado em testamento a meu pai, Andrea”. Por vontade de Andrea é que o oratório foi para o Museu da Memória.

“Nenhum lugar mais do que cidade seráfica teria podido celebrar a gesta heróica de um grande homem do esporte e de fé, que se fez protagonista, nos anos escuros da guerra, salvando centenas de judeus, em total silêncio e sem pedir nada em troca,” completa Gioia.

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