3 de dez de 2025 às 10:29
Um livro escrito pela professora de história Franziska Metzger, pelo teólogo Paul Oberholzer e pelo padre Hans Zollner, jesuíta e especialista na luta contra o abuso sexual na Igreja, trata sobre como o uso do poder também pode levar a um abuso da memória.
O padre Zollner disse à ACI Prensa, agência da EWTN em espanhol, o motivo que levou os coautores a escreverem The Memory of Power and Abuse of Power (A memória de poder e abuso de poder, em tradução livre): a constatação de que a Igreja Católica “tem dificuldade em lembrar para si mesma e para os outros do abuso de poder infligido por membros do clero a muitas vítimas de violência sexual e outras formas de violência”.
Uma cultura da memória adequada
O livro diz como aqueles que ocupam posições de poder também podem “apagar as manchas escuras da consciência pública por meio de uma política da memória”. O livro também inclui opiniões de profissionais de diversas áreas, já que “o poder, o abuso e a memória são fenômenos complexos que devem ser examinados sob diferentes perspectivas”, diz o padre alemão.
Para o padre Zollner, uma cultura da memória adequada “resulta em um compromisso crível com a transparência, a prestação de contas e a justiça restaurativa”. Para isso, diz, é necessário “criar espaços seguros para que os sobreviventes possam contar suas histórias sem medo de retraumatização, vergonha ou mesmo represálias, e fazê-lo de uma maneira que lhes seja apropriada”.
Ele também citou os “fatores sistêmicos” que contribuíram para o abuso, como “o clericalismo e a priorização do prestígio institucional em detrimento do bem-estar de crianças, jovens e outros indivíduos vulneráveis”.
“Ao reconhecer honestamente o passado”, acrescenta, “e ao tomar medidas concretas para prevenir futuros abusos, a Igreja pode começar a reconstruir a confiança e criar uma cultura de cura”.
Em relação ao abuso sexual e ao acobertamento desses crimes pelas autoridades da Igreja, o ex-membro da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores disse que a dinâmica de poder existente até então havia criado um ambiente “no qual as vítimas de abuso muitas vezes se sentiam silenciadas, suas experiências desconsideradas ou ativamente suprimidas”.
Obstáculos para um processo de memória real
Assim, o poder institucional da Igreja “foi usado para moldar a narrativa sobre o abuso”, diz o padre Zollner. Ele também lamenta que essa dinâmica tenha sido priorizada “com muita frequência em detrimento do cuidado com as vítimas”.
“A resistência da Igreja em assumir uma responsabilidade integral tem dificultado qualquer processo de memória real”, diz. “Embora algumas dioceses tenham tomado medidas para reconhecer o abuso e pedir desculpas aos sobreviventes, muitas resistiram aos apelos por transparência e reparação”.
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Segundo o padre jesuíta, o surgimento de testemunhos de sobreviventes forçou “um acerto de contas com o passado e revelou a magnitude do abuso e a cumplicidade da Igreja”, levando a uma crescente demanda por uma rememoração adequada do sofrimento.
“Cada vez mais pessoas afetadas começaram a criar seus próprios espaços de memória, a contar suas histórias em livros, entrevistas ou por meio de imagens, poemas ou pinturas, e a exigir justiça. Esse processo é importante para a cura e para garantir que o passado não se repita”, afirmou.
Ao examinar esses abusos sob a perspectiva da dimensão da memória, o padre Zollner diz que “tanto as histórias e narrativas individuais, quanto as formas de narrar, os modos e espaços de memória em uma sociedade, em partes dela, em comunidades e por diferentes atores, devem ser tornados visíveis”.
O livro aborda essas questões com uma ampla perspectiva transdisciplinar sobre o poder e a memória dos abusos de poder em sociedades passadas e presentes, “com o objetivo de desenvolver abordagens metodológicas frutíferas e esquemas de análise”.
Consequentemente, os conceitos e linhas de pensamento da filosofia e teoria da história, “da didática da história, da história religiosa, da teologia e da antropologia são relacionados a perspectivas e abordagens metodológicas dentro do campo dos Memory Studies”
O padre Zollner ressalta que os atos de memória desempenham um papel importante na transformação fundamental de atitudes e mentalidades, “que mudam por algo mais do que apelos cognitivos ou ordens autoritárias”.
Isso, segundo o coautor, “facilitaria o reconhecimento dos desafios enfrentados pelos afetados e ofereceria uma visão mais clara de como deveriam ser os esforços contínuos para alcançar maior justiça e cura mais profunda”.
Reconhecer o passado para reconstruir a confiança
“Conhecer o próprio passado ajuda a ser mais consistente, mais eficaz na missão e mais credível no testemunho”, diz.
Segundo o padre, a Igreja tem “um longo e histórico envolvimento” em instituições educacionais, acadêmicas, sociais e de saúde. Ele reiterou que a proteção de menores e adultos vulneráveis “não é assunto exclusivo de alguns especialistas; é responsabilidade de cada pessoa e, certamente, de cada cristão, não apenas dos líderes da Igreja, mas de todos os discípulos de Cristo”.
“Embora não seja possível erradicar completamente o abuso infantil, muito pode ser feito para criar uma cultura de espaços, práticas e relacionamentos seguros dentro da Igreja. Isso não é opcional; é uma responsabilidade que vem do nosso passado e é, agora mais do que nunca, parte integrante da missão que o Senhor confiou à Igreja, e é sua responsabilidade cumpri-la”, concluiu.





