O secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin, disse que a criação de um Estado palestino "parece ainda mais válida" com a guerra em Gaza, ao mesmo tempo em que lamentou a resposta morna da comunidade internacional, dizendo que "não basta declarar inaceitável" e depois permitir.

"Essa solução – o nascimento de um Estado palestino – depois do que aconteceu nos últimos dois anos, parece-me ainda mais válida”, disse o secretário de Estado da Santa Sé ao jornal L'Osservatore Romano, da Santa Sé. “É o caminho, o de dois povos em dois Estados, que a Santa Sé tem seguido desde o início”.

A criação de um Estado judeu e um árabe na região ocupada hoje por Israel e Autoridade Palestina, foi decidida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 como forma de reorganizar o que era então um protetorado britânico.

Os judeus aceitaram imediatamente a decisão e criaram Israel no mesmo ano de 1948. Os países árabes rejeitaram a existência do Estado judeu e invadiram os territórios palestinos.

Depois de uma série de guerras, países árabes como Egito e Jordânia estabeleceram relações diplomáticas com Israel.

Em 1993, o Acordo de Oslo entre palestinos e Israel estabeleceu a Autoridade Palestina, em troca do reconhecimento pelos palestinos do Estado de Israel.

O Hamas, milícia radical muçulmana patrocinada pelo Irã, derrubou o go verno da Autoridade Palestina na Faixa de Gaza em uma guerra civil em 2005 por não aceitar acordos de paz com Israel.

A destruição do Estado de Israel, consagrada no lema “Palestina do rio ao mar” usado em protestos pró-palestina no mundo Inteiro, continua fazendo parte dos estatutos do Hamas. “Do rio ao mar” significa um Estado palestino que fosse do rio Jordão ao mar Mediterrâneo. Israel fica entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo.

As declarações de Parolin coincidem com o segundo aniversário do ataque terrorista do Hamas contra Israel, que marcou o início dos combates na Faixa de Gaza.

Em 7 de outubro de 2023, Hamas, que controla a Faixa de Gaza, invadiu Israel, matou cerca de 1,2 mil pessoas e sequestrou centenas de israelenses. Hoje, 48 reféns, vivos e mortos, ainda são mantidos por terroristas em Gaza.

O principal diplomata da Santa Sé aplaudiu o reconhecimento do Estado da Palestina por muitos países ao redor do mundo. No entanto, o cardeal disse "com preocupação" que as declarações e decisões de Israel "vão na direção oposta, ou seja, pretendem impedir para sempre o possível nascimento de um verdadeiro Estado palestino".

Parolin disse que a comunidade internacional "pode fazer muito mais".

"Há atores internacionais que seriam capazes de exercer uma influência maior para pôr fim a essa tragédia, e é preciso encontrar uma maneira de dar às Nações Unidas um papel mais eficaz em pôr fim às muitas guerras fratricidas em curso no mundo", disse o cardeal.

Para ele, a situação em Gaza hoje é ainda "mais grave e trágica do que há um ano, depois de uma guerra devastadora que causou dezenas de milhares de mortos".

“Fico impressionado e aflito com a contagem diária de mortos na Palestina, dezenas, às vezes centenas por dia, muitas crianças cuja única culpa parece ser a de terem nascido lá”, disse o cardeal. “Pessoas soterradas sob os escombros de suas casas, pessoas bombardeadas em hospitais, em acampamentos”.

Todos os números e informações sobre mortos na Faixa de Gaza vem do Hamas, que governa a região. Os militantes do Hamas mortos em combate são sistematicamente contados como civis. Organismos internacionais já denunciaram os relatórios do Hamas sobre baixas.

“É inaceitável e injustificável reduzir os seres humanos a meras vítimas colaterais”, disse também Parolin.

Desde sua fundação, o Hamas instala seus arsenais, organismos de direção militar e combatentes em instalações civis como casas, escolas, creches e hospitais.

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Cardeal põe em dúvida a legalidade do fornecimento de armas a Israel

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Ele também condenou o fato de que "países capazes de exercer uma influência real até hoje não fizeram isso para deter a carnificina em curso" e pôs em dúvida a legalidade do fornecimento de armas a Israel. "É preciso questionar seriamente a legalidade, por exemplo, de continuar fornecendo armas que são usadas em detrimento da população civil", disse o cardeal italiano.

De qualquer modo, o secretário de Estado da Santa Sé disse que o ataque do Hamas em outubro de 2023 foi "desumano e injustificável" e pediu que os reféns ainda em poder do grupo terrorista não sejam esquecidos.

"Expresso a eles toda a minha proximidade, em oração diária por seus sofrimentos, continuando a garantir toda a nossa disponibilidade para fazer o que for possível para que possam abraçar seus entes queridos sãos e salvos ou, pelo menos, receber os corpos daqueles que foram mortos, para que sejam dignamente sepultados", disse Parolin.

O cardeal também lamentou o ressurgimento do antissemitismo ao redor do mundo, chamando-o de uma consequência "triste e injustificada" da desinformação e da simplificação da realidade.

Nesse sentido, ele enfatizou que a disseminação de notícias falsas e a interpretação simplista dos eventos — particularmente aqueles relacionados ao conflito em Gaza — levaram a uma culpabilização injusta dos judeus. "Sabemos que não é assim: há também muitas vozes de forte dissidência que se levantam do mundo judaico contra o modo como o atual governo israelense agiu e está agindo", disse Parolin.

“O antissemitismo é um câncer a ser combatido e erradicado”

O secretário de Estado da Santa Sé disse que o antissemitismo é um câncer " a ser combatido e erradicado". O cardeal Parolin disse também que o plano apresentado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para alcançar uma trégua em Gaza deve ser "acolhido e apoiado".

Por outro lado, ele disse que o papa Leão XIV também pediu às partes que "aceitem e que finalmente se possa iniciar um caminho de paz".

Parolin falou sobre recentes manifestações em apoio a Gaza, enfatizando a importância da participação dos cidadãos e do engajamento dos jovens na busca pela paz.

Embora o cardeal italiano tenha dito que os atos violentos de alguns podem distorcer a mensagem dessas mobilizações, ele disse estar “impressionado positivamente” com "participação nas manifestações e o empenho de tantos jovens", dizendo que eles são um sinal de que "não estamos condenados à indiferença".

"Temos de levar a sério esse desejo de paz, esse desejo de empenho... Está em jogo o nosso futuro, está em jogo o futuro do nosso mundo", disse também Parolin.

Em resposta às críticas de alguns que dizem que os cristãos devem limitar-se à oração e não participar de protestos, o secretário de Estado da Santa Sé disse: “Sou batizado, sou crente, sou padre: para mim, a oração incessante diante de Deus para que Ele nos assista, nos ajude e intervenha para pôr fim a tudo isso, apoiando os esforços das mulheres e dos homens de boa vontade, é essencial, diária, fundamental. O papa Leão XIV nos convidou mais uma vez a rezar um Terço pela paz no dia 11 de outubro. A oração também exige um compromisso, um testemunho, escolhas concretas. Há uma maioria silenciosa – composta também por muitos jovens – que não se rende à desumanidade. Eles também são chamados a rezar, mas nós precisamos agir”.