A audiência de apelação do cardeal Angelo Becciu, ex-secretário adjunto de Estado da Santa Sé que foi condenado em dezembro de 2023 por peculato, fraude agravada e abuso de poder, começou ontem (22).

Ouvido por um Tribunal de Apelação do Vaticano composto por seis juízes, espera-se que o recurso revisite objeções factuais e processuais do primeiro julgamento, como provas, transcrições do tribunal e todas as alegações da defesa de Becciu e da acusação da Santa Sé.

Depois do julgamento, que durou dois anos e meio, Becciu, de 77 anos de idade, foi condenado por irregularidades financeiras e sentenciado a cinco anos e seis meses de prisão. Ele também recebeu uma multa de € 8 mil (cerca de R$ 50,3 mil) e foi permanentemente inabilitado para exercer cargos públicos.

O recurso do cardeal será ouvido junto com o de outros oito réus que também foram condenados. Cinco desses réus — Raffaele Mincione, Enrico Crasso, Gianluigi Torzi, Fabrizio Tirabassi e Cecilia Marogna — também receberam penas de prisão.

Becciu foi o primeiro cardeal a ser julgado por um tribunal do Vaticano e permanece em liberdade enquanto aguarda o resultado de sua apelação. Apesar de inicialmente ter dito que tinha direito a votar no conclave de maio deste ano, que elegeu o papa Leão XIV, decidiu retirar-se pelo "bem da Igreja" e por "obediência" ao papa Francisco.

O tribunal do Vaticano disse que a condenação do cardeal se baseou em "provas completas e irrefutáveis" de que ele estava investindo dinheiro da Santa Sé num negócio imobiliário altamente especulativo na avenida Sloane, em Londres, com "total desrespeito" às políticas da Santa Sé. Devido ao modo como o negócio foi estruturado e reestruturado, acabou resultando num prejuízo para a Santa Sé de cerca de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 milhão). O cardeal italiano era secretário de Estado adjunto da Santa Sé na época em que a Secretaria de Estado da Santa Sé começou a negociar o negócio imobiliário com recursos da Secretaria em 2014.

O cardeal também foi considerado culpado de fazer pelo menos € 125 mil (cerca de R$ 786 mil) em pagamentos não autorizados à instituição de caridade de seu irmão na ilha italiana da Sardenha, assim como de desviar cerca de € 500 mil (cerca de R$ 3 milhões) de fundos da Santa Sé para Marogna, que é especialista em geopolítica, em vez de usá-los para inteligência e uma missão humanitária para ajudar a libertar uma freira sequestrada no Mali, país do norte da África, foi acusada de gastar os fundos em bens de luxo e viagens.

Becciu tem consistentemente dito que é inocente, dizendo que agiu com aprovação ou autoridade papal. Ele disse que as doações foram para fins humanitários ou eclesiais e que houve má conduta processual na investigação e no julgamento.

Ele enfatizou que seu cargo como sostituto, “adjunto”, na secretaria de Estado exigia que ele agisse sob a confiança papal e que essa função lhe dava ampla discrição para missões diplomáticas e humanitárias, como o esforço de resgate para libertar a freira sequestrada.

O cardeal disse que o dinheiro enviado à instituição de caridade da Sardenha foi solicitado pelo bispo local para projetos sociais, permaneceu nos cofres diocesanos e não foi usado para benefício pessoal ou familiar. Sobre Marogna, Becciu disse que todos os pagamentos foram para serviços diplomáticos e de segurança legítimos, e não para fins impróprios ou privados.

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Falando em defesa de Becciu, seus advogados disseram que a acusação se beneficiou de decretos papais não divulgados com a permissão de grampos secretos e detenções sem mandado, e que testemunhas foram treinadas pela polícia do Vaticano, minando as garantias de um julgamento justo.

 

Becciu também falou sobre provas de manipulação externa e conluio com promotores da Santa Sé, reafirmando a acusação de ter sido "incriminado" por uma campanha construída com base em falsidades e pressão da mídia — alegações que foram veementemente negadas.

Ele disse também que foi presumido culpado desde o início e que provas essenciais foram ignoradas ou negligenciadas no julgamento — acusações que o tribunal do Vaticano rejeitou. Sua defesa pretende contestar tanto as conclusões factuais quanto os procedimentos legais em seu recurso.

Em outubro do ano passado, a Santa Sé divulgou suas razões para condenar Becciu, dizendo que ele estava envolvido no uso ilícito de fundos da Santa Sé, apesar de não ter "finalidade lucrativa" e enfatizando que o julgamento foi justo.

Falando sobre a sentença de 800 páginas do tribunal num editorial no jornal L'Osservatore Romano, Andrea Tornielli, diretor editorial do Vatican Media, reafirmou a avaliação da sentença de um julgamento justo. Ele disse também que o resultado do julgamento demonstrou a necessidade de os bispos e os responsáveis ​​pelas finanças da Santa Sé serem responsabilizados por suas ações.

Embora Tornielli não tenha citado Becciu, o cardeal criticou o editorial por seu "tom vagamente moralista" e novamente disse ser inocente. Ele reconheceu disse que as quantias envolvendo a propriedade londrina eram "enormes", mas disse que não eram inéditas e tinham a "aprovação do superior da época", ou seja, o chefe do escritório administrativo da Santa Sé, monsenhor Alberto Perlasca, que, como testemunha principal no julgamento, evitou ser processado.

Assim como no julgamento, Becciu foi acusado de tentar transferir a responsabilidade para outros, como o papa Francisco, que, segundo ele, sabia tudo sobre o acordo imobiliário em Londres, embora a extensão do envolvimento do papa argentino nunca tenha sido totalmente conhecida.