O Ministério Público da Argentina pediu que o vigário-auxiliar da Opus Dei no país, monsenhor Mariano Fazio, seja intimado a depor num caso de suposto tráfico de pessoas e escravidão de 43 mulheres na Argentina.

O caso, que foi formalmente aberto no tribunal no ano passado, mas que havia sido noticiado na mídia vários anos antes, acusa autoridades da Opus Dei de recrutar 43 mulheres quando ainda eram menores de idade e submetê-las a um regime de semiescravidão em suas residências.

Até agora, os acusados eram quatro padres que foram autoridades em diferentes momentos entre 1991 e 2015: Carlos Nannei, Patricio Olmos e Víctor Urrestarazu, ex-vigários da Opus Dei na Argentina, e Gabriel Dondo, ex-diretor da ala feminina no país.

O caso agora envolve monsenhor Mariano Fazio, atual vigário-auxiliar da Prelazia da Santa Cruz e a segunda maior autoridade da Opus Dei no mundo. A Procuradoria contra o Tráfico de Pessoas da Argentina e o Ministério Público Federal Penal e Correcional 3 pedem que ele compareça e deponha.

A acusação

Embora a denúncia diga que pelo menos 43 mulheres foram recrutadas pela Opus Dei quando menores de idade, atraídas com promessas de educação e um lar, e depois forçadas a trabalhar de graça como empregadas domésticas por anos, o documento se concentra só no caso de uma delas.

O Ministério Público diz que a Opus Dei apresentou "uma proposta falsa" e que a única educação que essas mulheres receberam foi para fazer tarefas domésticas "sem remuneração", violando assim seus direitos.

A acusação também fala sobre um sistema de "doutrinação e manipulação psicológica", com "regras de vida" com a obrigação de castidade, o rompimento de laços familiares e sociais, exames de saúde periódicos e o fornecimento de medicamentos psiquiátricos, que elas eram obrigadas a cumprir sob ameaça de punição.

O caso se baseia no depoimento de uma boliviana que trabalhou para a Opus Dei por 30 anos. Em abril, a mulher ampliou seu depoimento, dizendo ter servido diretamente ao monsenhor Fazio e outros padres.

Defesa

Ao saber sobre essa acusação, divulgada pelo site de notícias espanhol Eldiario.es, a assessoria de comunicação da Opus Dei na Argentina emitiu um comunicado dizendo que a investigação judicial se refere à "situação pessoal de uma mulher" em sua passagem pela Opus Dei, e nega "categoricamente" a acusação de tráfico de pessoas e exploração laboral.

A Opus Dei diz que “se surpreende” ao constatar que "a denúncia começou na mídia como uma denúncia sobre inconsistências nas contribuições previdenciárias e trabalhistas" e depois "se transformou numa ação cível por danos econômicos". Por fim, "transformou-se, em agosto de 2024, numa acusação de uma pessoa que alega ter sido vítima de tráfico de pessoas", diz a prelazia.

Para a Opus Dei, a queixa decorre de uma "descontextualização completa" da vocação livremente escolhida das assistentes numerárias.

Por isso, a prelazia considera “necessário e importante” que as pessoas mencionadas na denúncia “possam exercer seu direito de defesa e possam apresentar sua versão dos fatos pela primeira vez, para que essa situação seja esclarecida definitivamente”.

Os que fazem a acusação" têm tentado sistematicamente incutir na mídia uma narrativa de culpa automática" que viola a presunção de inocência, diz a Opus Dei.

A prelazia diz também que a mulher que fez a denúncia "está se referindo a um período de sua vida em que ela escolheu livremente embarcar em sua jornada espiritual na Igreja Católica" como numerária auxiliar.

Uma escolha de vida

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As assistentes numerárias, diz o comunicado, "são mulheres da Opus Dei que, como todos os demais membros, aspiram amar a Deus e aos outros e demonstram isso por meio de seu trabalho e vida cotidiana", trabalho que nesse caso consiste em cuidar das pessoas que vivem nos centros.

A declaração diz também que ingressar na Obra, como os membros da prelazia chamam a Opus Dei, é uma escolha de vida que exige um desejo explícito, reiterado e muitas vezes escrito, embora "não haja barreira".

A prelazia diz também que a "precária situação de vida e maus-tratos" descrita na denúncia é falsa, pois, além de receberem salário e terem plano de saúde privado, as casas em que vivem as auxiliares numerárias dão "um ambiente acolhedor com facilidades para descanso, recreação, leitura e estudo".

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"A prelazia sempre respeitou as vozes daqueles que levantaram queixas e, desde o início desse conflito, seu foco principal tem sido ouvir e estabelecer um canal de diálogo que permita compreender a experiência", diz a Opus Dei.

Por isso, a prelazia diz ser “necessária uma investigação para esclarecer definitivamente a situação”, ao mesmo tempo que reafirmam “seu compromisso de cooperar plenamente com o sistema de justiça para esclarecer os fatos e resolver a situação de forma justa e transparente”.

Quem é Mariano Fazio

Mariano Fazio nasceu em Buenos Aires, capital da Argentina, em 25 de abril de 1960. Ele é formado em história pela Universidade de Buenos Aires e doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.

Ordenado sacerdote em 1991 pelo papa são João Paulo II, foi o primeiro decano da faculdade de comunicação institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz de 1996 a 2002 e reitor da universidade de 2002 a 2008.

No mesmo período, ele foi eleito presidente da conferência dos reitores das pontifícias universidades de Roma.

Fazio foi especialista na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe em Aparecida (SP) em 2007, na qual conheceu o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio, que foi eleito papa Francisco em 2013.

O monsenhor foi Vigário da Opus Dei na Argentina, no Paraguai e na Bolívia. Em dezembro de 2014, Fazio foi nomeado vigário-geral da Opus Dei pelo então prelado, Javier Echevarría, cargo que ocupou até janeiro de 2017, quando o papa Francisco nomeou monsenhor Fernando Ocáriz prelado da Opus Dei.

Desde 14 de maio de 2019, ele é vigário auxiliar da Obra.

Em maio, Ocáriz e Fazio se encontraram com o papa Leão XIV para falar sobre a situação atual da Opus Dei, depois que o papa Francisco pediu a modificação dos estatutos.

Sobre o encontro, o prelado do Opus Dei disse que "foi um gesto paterno, no qual o papa falou sobre sua proximidade e carinho".

"As mudanças que estamos vivenciando — inclusive no processo de adequação dos estatutos — são um impulso para salvaguardar o essencial", disse Ocáriz.

O prelado disse que "a Obra é chamada a mudar em fidelidade ao seu carisma".

Depois de uma jornada de três anos, a Opus Dei  apresentou à Santa Sé a proposta de seus novos estatutos em 11 de junho.