19 de jun de 2025 às 14:29
Os defensores das vítimas de abuso sexual dizem que a arte religiosa do padre Marko Rupnik, acusado de abusos, deveria ser retirada ou coberta para poupar as vítimas de mais sofrimento. Mas as autoridades eclesiásticas responsáveis pelas obras, que decoram importantes igrejas católicas em todo o mundo, responderam a esses apelos de maneiras diferentes.
Rupnik foi acusado de abuso sexual e psicológico de dezenas de mulheres sob seus cuidados espirituais no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Ele foi brevemente excomungado pela Igreja Católica em 2020 e expulso da ordem dos jesuítas em 2023, mas continua sendo padre. A Santa Sé ainda está em processo de emitir um julgamento final sobre seu caso.
Em resposta aos pedidos para que as obras de Rupnik sejam cobertas ou destruídas e para que as reproduções sejam removidas de sites e publicações, santuários na Europa e nos EUA cobriram seus mosaicos, agora controversos. Mas outras instituições adotaram uma abordagem mais tolerante. Algumas autoridades, incluindo a diocese de Roma, estão esperando para ver o que a Santa Sé fará antes de decidir o que fazer com sua arte.
No começo deste mês, Vatican News, serviço oficial de informação da Santa Sé, removeu de seu site imagens das obras do padre – inspiradas em tradições artísticas do cristianismo oriental –, depois de anos de críticas pelo uso delas para ilustrar páginas dedicadas a santos e dias de festa.

O dicastério para a Comunicação da Santa Sé não respondeu a um pedido de comentário sobre a recente mudança e se ela refletia uma nova política do papa Leão XIV. No ano passado, o principal funcionário do dicastério, Paolo Ruffini, defendeu o fato de deixar as imagens online, dizendo que removê-las não seria “a resposta cristã” e que ele não queria “atirar pedras” contra o artista.
Segundo o Centro Aletti, com sede em Roma – a escola de arte e teologia fundada em 1993 e anteriormente dirigida por Rupnik –, a oficina tem 232 mosaicos concluídos e outros projetos de arte em todo o mundo – com a grande maioria concentrada na Europa, especialmente na Itália, onde há aproximadamente 115 instalações em todo o país.
No ano passado, o Centro Aletti classificou como parte da “cultura do cancelamento” e da “criminalização da arte” a pressão para remover obras de arte do estúdio. Nem Rupnik nem o ateliê responderam aos pedidos de comentários para este artigo.
Alguns que pedem a remoção ou ocultação da arte dizem que ver as obras em locais de culto pode ter um efeito traumático sobre as vítimas de abuso, especialmente porque as acusadoras de Rupnik dizem que ele abusou sexualmente delas enquanto elas o ajudavam no processo de criação de sua arte.
A Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores enviou uma carta às principais autoridades da Santa Sé no ano passado pedindo que não exibissem obras de arte, como a de Rupnik, “que poderiam implicar exoneração ou uma defesa sutil” dos acusados de abuso.
O secretário da comissão, o bispo Luis Manuel Alí Herrera, disse à EWTN News em abril que “a arte pode ser uma ferramenta poderosa para a cura, mas o conteúdo de uma obra de arte – e especialmente a identidade de seu criador – pode ser traumatizante para alguém que passou por esses crimes horríveis [de abuso]”.
Francesco Zanardi, italiano vítima de abuso e fundador da Rete L'Abuso, disse à CNA, agência em inglês da EWTN News, que “nesse caso, [a obra de Rupnik] não é arte, é um símbolo”, o que “cria problemas para a vítima, sobretudo porque mantém um vínculo entre a Igreja e Rupnik... um vínculo inadequado”.
“Parece-me óbvio que ela deve ser removida”, acrescentou Zanardi. Ele chamou de “quase ofensivo” o fato de a atenção estar voltada para a obra de arte de Rupnik, em vez de estar voltada para os danos causados às supostas vítimas do padre.

Outros, ao contrário, acreditam que a arte de Rupnik deve ser entendida como algo separado do homem e de seus supostos crimes. O padre Dino Battison, capelão do santuário de Nossa Senhora da Saúde dos Enfermos, na região do Vêneto, no norte da Itália, disse à CNA que o santuário deixará os mosaicos de Rupnik em seu lugar e visíveis.
“A beleza e a mensagem são uma coisa... A misericórdia é outra coisa que não deve ser esquecida”, disse ele. “Quantos artistas se comportaram mal do ponto de vista moral... e quantas obras de arte devemos remover ou destruir.”
Roma aguarda a Santa Sé
Em Roma, os mosaicos de Rupnik podem ser encontrados em quase quatro dúzias de locais, incluindo um grande número de igrejas paroquiais, bem como capelas de hospitais e capelas de congregações religiosas e seminários internacionais.
A diocese de Roma tem arte de Rupnik em seu seminário principal e na sede da filial diocesana da instituição de caridade internacional Caritas. Um porta-voz diocesano disse à CNA que qualquer decisão da diocese precisará ser tomada em conjunto com a Santa Sé.
O Vaticano tem pelo menos três mosaicos originais do artista, inclusive na capela Redemptoris Mater no Palácio Apostólico na Cidade do Vaticano, na capela do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e no Edifício San Calisto no bairro de Trastevere, em Roma.
O papa Francisco também tinha pelo menos uma imagem de Rupnik pendurada em seu apartamento na casa de hóspedes do Vaticano.
A CNA não recebeu resposta da Sala de Imprensa da Santa Sé ou do Dicastério para a Comunicação sobre o que a Santa Sé ou o papa farão em relação às obras de arte.
A ordem jesuíta tem obras de seu ex-membro em cinco locais em Roma: em duas capelas em sua cúria geral, na capela do seminário internacional e nas capelas de duas residências.
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O ex-superior de Rupnik, padre Johan Verschueren, disse a ACI Prensa, agência em espanhol da EWTN News, que a ordem não está planejando remover os mosaicos de Rupnik das comunidades jesuítas por enquanto, tratando-os como um “problema interno”, porque estão em capelas privadas fechadas ao público.
Verschueren disse que as opiniões sobre a arte diferem de acordo com a geração, e "até agora, apenas alguns jesuítas mais jovens em formação não estão satisfeitos com esses mosaicos”. “Para os jesuítas formados, é diferente", disse.
Para alguns padres jesuítas, disse Verscheuren, os mosaicos "agora funcionam mais como um espelho de nossa realidade humana decaída: todos nós somos capazes de fazer coisas grandes e terríveis ao mesmo tempo”. “Isso nos humilha e nos ajuda a perceber que somos todos pecadores que precisam de salvação e misericórdia"’, disse.
Santuários internacionais agem – ou não
A arte de Rupnik pode ser encontrada em alguns dos santuários católicos mais importantes do mundo, incluindo o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP). A segunda maior catedral do mundo, o Santuário de Aparecida é decorado com mais de 6.100 metros quadrados de mosaicos de Rupnik em seu exterior, retratando cenas do Antigo e do Novo Testamento.
A ACI Prensa não recebeu resposta do santuário a uma consulta sobre o destino dos mosaicos de Rupnik.
No final de março, o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, um dos santuários mais populares do mundo, anunciou que cobriria os mosaicos de Rupnik nas entradas da igreja principal do santuário entre o final de março e o início de junho.

“Era necessário dar um novo passo simbólico para facilitar a entrada na basílica para todos aqueles que hoje não podem cruzar a soleira”, disse, na época, o bispo de Lourdes, Jean-Marc Micas.
Oito meses antes, os Cavaleiros de Colombo cobriram os mosaicos do padre nas duas capelas do Santuário Nacional de São João Paulo II em Washington, D.C., e na capela da sede dos Cavaleiros em New Haven, Connecticut, uma medida que representou, na época, a mais forte posição pública de uma grande organização católica com relação à arte do ex-jesuíta.
“O fator número 1 [na decisão] foi a compaixão pelas vítimas”, disse Patrick Kelly, cavaleiro supremo dos Cavaleiros de Colombo, à EWTN News em 2024. “Precisávamos priorizar as vítimas acima de qualquer coisa, qualquer coisa material”.

O Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, que recebe mais de 6 milhões de visitantes por ano, disse no início deste ano que está adotando uma abordagem mista: deixou de usar imagens da arte de Rupnik em qualquer material online ou publicado, mas não removerá os mosaicos que cobrem toda a parede de trás do maior e mais moderno espaço de culto do santuário, a basílica da Santíssima Trindade.
No sul da ilha mediterrânea de Malta, a diocese de Gozo disse que está mantendo sua decisão de não remover uma série de mosaicos Rupnik da basílica do Santuário Nacional da Santíssima Virgem de Ta' Pinu, incluindo um acima da porta principal.
Outros locais proeminentes com arte de Rupnik
Um dos santuários mais populares da Itália, o santuário de São Pio de Pietrelcina, em San Giovanni Rotondo, também apresenta mosaicos Rupnik do chão ao teto em sua igreja inferior, onde os católicos rezam no túmulo do santo capuchinho comumente conhecido como padre Pio. Os mosaicos ao longo da rampa de acesso e na cripta foram concluídos entre 2009 e 2013.
Os frades franciscanos capuchinhos que administram o santuário em San Giovanni Rotondo não responderam à pergunta da CNA sobre se fariam algo a respeito dos mosaicos.
Um assessor do bispo de Caltagirone, na Sicília, cuja igreja catedral apresenta instalações de mosaico de Rupnik desde 2015 na parede de trás do santuário e na frente do altar, e cuja capela do seminário apresenta uma pintura de oficina de Rupnik datada de 2023, disse que não havia nenhuma avaliação em andamento sobre sua possível remoção.
Depois da Itália, a Espanha é o país europeu com a maior concentração de obras do padre, com pelo menos 12 locais separados apresentando sua arte. Entre eles, os destaques incluem a catedral de Madri (com mosaicos na sacristia, na casa capitular e na capela do Santíssimo Sacramento) e a Caverna Santuário de Santo Inácio em Manresa.
O Centro Loyola de Bilbao, um centro religioso associado à Companhia de Jesus, tem vários mosaicos projetados por Rupnik, assim como uma igreja jesuíta em Sevilha.
Em declarações à ACI Prensa, José Luis García Íñiguez, coordenador do escritório de comunicações dos jesuítas na Espanha, disse que a sede da ordem em Roma se ofereceu para iniciar um processo de reparação de forma não especificada para 20 das vítimas de Rupnik, mas “por enquanto, não há nenhuma decisão firme sobre o que fazer e como fazer com os mosaicos”.
Montse Alvarado e Paola Arriaza contribuíram para esta matéria.