16 de mai de 2025 às 11:17
A coincidência, ou a Providência divina, parece estranha. A nova conta do papa Leão XIV na rede social X começou com tuítes em 14 de maio sobre a necessidade de paz, sobre estar "à disposição para que os inimigos se encontrem e se olhem nos olhos, para que às populações seja restituída a dignidade que merecem, a dignidade da paz".
Ao mesmo tempo, o mais controverso dos defensores da paz, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez da paz e da dignidade dos outros o tema central de sua primeira visita oficial de Estado como presidente (como fez em 2017) à Arábia Saudita e aos Estados do golfo: Qatar e Emirados Árabes Unidos.
Para alguém acusado por seus inimigos políticos de ser oportunista, o interesse de Trump pela paz não é novidade. Há dez anos, ele foi o único candidato presidencial republicano a condenar abertamente a invasão do Iraque pelos EUA em 2003 como "um erro". A afirmação, feita num debate republicano em 2016, provocou vaias da plateia. Em seu primeiro mandato, Trump resistiu ao linha-dura John Bolton, seu próprio conselheiro de Segurança Nacional. Depois, Trump zombou de Bolton, dizendo: "Se eu o tivesse ouvido, já estaríamos na Sexta Guerra Mundial".
Apenas em seu quarto mês de mandato, o governo Trump está envolvido em discussões de paz na Ucrânia, Gaza e Irã, discussões delicadas que parecem promissoras, mas que, é claro, também podem fracassar. Em Riad, capital da Arábia Saudita, contra a vontade de alguns de seus próprios funcionários do Conselho de Segurança Nacional, como foi reportado, e as opiniões do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, Trump anunciou a suspensão de todas as sanções dos EUA à Síria, decisão recebida com comemorações públicas na capital síria e com aprovação de grande parte do mundo muçulmano sunita, para quem a Síria é uma causa de especial importância.
O gesto de Trump foi seguido por um encontro pessoal com o presidente da Síria, Ahmed al-Shara'a, a quem Trump elogiou. Não é a primeira vez que um presidente americano se encontra com um ex-terrorista que se tornou chefe de Estado, mas é a primeira vez que o presidente se encontra com um ex-membro da Al-Qaeda e do Estado Islâmico (ISIS) que agora é um estadista.
Os EUA fizeram exigências reais à Síria: nenhum apoio a terroristas, sua expulsão, a prisão de apoiadores do ISIS, e calma, que possivelmente levará à paz, com Israel. Outra preocupação real do governo é o destino da comunidade cristã antiga da Síria.
Mas o gesto aparentemente amplo e incondicional de Trump certamente cativou a imaginação árabe. A decisão de Trump sobre a Síria é vista como um triunfo da diplomacia saudita, mas também foi almejada pelos aliados islâmicos dos EUA na Turquia e no Catar.
Para o povo sírio, quase todo empobrecido agora, desesperado, destruído depois de 13 anos de uma guerra civil brutal, o anúncio trouxe esperança renovada e expectativas talvez irreais, mas também um possível caminho para um futuro melhor. A decisão de Trump também deve ajudar a economia do Líbano, país vizinho frequentemente visto como porta de entrada para a Síria e economicamente ligado ao seu vizinho de muitas maneiras.
A Guerra do Iraque, que Trump criticou como um erro em 2016, resultou na destruição da maior parte da comunidade cristã histórica do Iraque. Só cerca de um décimo da população cristã que o país tinha em 2003 permanece. A decisão de Trump sobre a Síria pode ajudar materialmente os cristãos sírios e libaneses e aumentar as chances de que eles permaneçam enraizados em suas terras ancestrais.
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Houve um curioso eco disso em 14 de maio, nas observações do papa Leão XIV nos encontros para o Jubileu das Igrejas Orientais, em que ele agradeceu a Deus “pelos cristãos — orientais e latinos — que, especialmente no Oriente Médio, perseveram e resistem nas suas terras, mais fortes do que a tentação de abandoná-las”.
Trump foi notícia novamente na Arábia Saudita, onde fez um discurso muito elogiado — por formadores de opinião árabes (especialistas americanos parecem tê-lo ignorado) — que elogiou o que os Estados do golfo conseguiram construir e contrastou isso com décadas de intervenção americana cara e fracassada na região: "Essa grande transformação não veio de intervencionistas ocidentais... dando palestras sobre como viver ou como governar seus próprios assuntos. Não, as maravilhas reluzentes de Riad e Abu Dhabi não foram criadas pelos chamados 'construtores de nações', 'neoconservadores' ou 'organizações sem fins lucrativos liberais', como aquelas que gastaram trilhões e fracassaram em desenvolver Cabul e Bagdá, e tantas outras cidades". As observações diretas de Trump contra os "intervencionistas" e os "construtores de nações" são uma rejeição tanto das "guerras eternas" de US$ 8 trilhões quanto do "complexo industrial-assistencial" internacionalista liberal que foi uma característica do Consenso de Washington bipartidário por décadas.
Ninguém sabe se as várias tentativas de Trump de pacificar o país resultarão em paz de verdade. Obama deixou o Iraque em 2011 e teve que retornar ao país em 2014 com a ascensão do ISIS. Mas o foco do novo governo americano é cristalino.
Há uma estranha ironia. Frequentemente criticado por ser caótico, Trump mantém o foco, falando de "paz pela força". Enquanto isso, foram os especialistas supostamente experientes do governo Biden que se envolveram em duas guerras, na Ucrânia e no Oriente Médio, e acharam um jeito de afastar aliados ao mesmo tempo em que não derrotaram adversários.
Para a Santa Sé, os esforços frenéticos do presidente americano para promover a paz são tanto um enigma quanto uma oportunidade. Alguns na esquerda clerical parecem esperar ou desejar grandes confrontos entre o novo papa e o novo presidente dos EUA.
O arcebispo de Chicago, EUA, cardeal Blase Cupich, citou a imigração, as mudanças climáticas e o tráfico de drogas e armas na América Latina como possíveis prioridades para o papa Leão XIV, que "completariam e complementariam nossa agenda política". A sensação pareceu ser de que isso significava uma relação conflituosa entre a Santa Sé e Washington. Talvez.
Mas nos assuntos mencionados pela conta do papa nas redes sociais no seu primeiro dia de pontificado— a paz e a sobrevivência dos cristãos do Oriente — a Santa Sé e a Casa Branca parecem estar, por enquanto e possivelmente sujeitos a mudanças, exatamente do mesmo lado.