Nascida de barriga de aluguel nos EUA em 1991, Olivia Maurel é uma das principais defensoras da abolição do “aluguel de útero”, prática que o papa Francisco chamou de “deplorável”.

Enquanto Paris Hilton, Kim Kardashian e outras celebridades ganham manchetes quando mães de aluguel dão à luz seus filhos, é muito raro ouvir das próprias mães de aluguel não identificadas ou dos filhos nascidos de barriga de aluguel sobre como isso os afetou.

Para Maurel, nascer de barriga de aluguel gerou traumas de abandono, problemas de identidade e diversas tentativas de suicídio.

“Eu fui um produto da barriga de aluguel e sempre senti isso dentro de mim – um bebê feito sob encomenda, uma mercadoria por dinheiro”, disse ela.

“Estamos habituados a ter nas notícias muitas histórias bonitas de crianças nascidas através de barrigas de aluguel… e não estamos habituados a ouvir os aspectos negativos da barriga de aluguel e como ela é totalmente antiética”, disse Maurel à CNA, agência em inglês do grupo EWTN, a que pertence ACI Digital na última sexta-feira (5).

Embora a barriga de aluguel seja proibida na maioria dos países da União Europeia, a prática é permitida na maioria dos Estados dos EUA. No Brasil, é permitida a chamada “barriga solidária”, sem remuneração financeira.

Preocupações éticas

Denunciantes levantaram preocupações depois de “mães de aluguel” morrerem devido a complicações de uma gravidez de aluguel ou sofrerem traumas decorrentes da experiência.

“Não é ética médica pedir a uma mulher que aceite dinheiro quando conscientemente lhe pedimos que arrisque a sua saúde. Tivemos muitas mortes de ‘mães de aluguel’ nos EUA e várias no meu estado, a Califórnia”, disse Jennifer Lahl, presidente do Center for Bioethics and Culture Network (Centro de Bioética e Cultura), à CNA.

Lahl, que dirigiu o documentário sobre barrigas de aluguel #BigFertility, divulgou a história de uma “mãe de aluguel” na Califórnia contratada por um casal na China para ter gêmeos.

“Enquanto estava grávida para esse casal, os pais compradores disseram a Linda que estavam se divorciando e queriam que Linda abortasse os bebês”, disse Lahl em conferência em Roma pela abolição universal da barriga de aluguel. “Eles disseram a ela que pagariam US$ 80 mil (R$ 402,4 mil) adicionais para isso. Linda ficou chocada e se ofereceu para adotar os gêmeos assim que nascessem. A mãe compradora, que era muito rica, explicou que não queria que os seus filhos fossem criados num agregado familiar de baixos rendimentos”.

Na semana passada, um homem em Chicago foi preso depois de ser descoberto que ele planejava abusar sexualmente do bebê que havia encomendado por barriga de aluguel, que deveria nascer em março.

“A barriga de aluguel é a única maneira de um homem solteiro obter a custódia exclusiva de uma criança recém-nascida”, disse Kajsa Ekis Ekman, autora de Being and Being Bought: Prostitution, Surrogacy and the Split Self (“Ser e Ser Comprado: Prostituição, Barriga de Aluguel e Si mesmo dividido”, em tradução livre).

Segundo Lahl, é necessária uma proibição total de “alugar úteros e comprar crianças” devido aos inevitáveis ​​limites da regulamentação.

“Como se regulamenta para prevenir riscos à saúde de mãe e filho? Como se regulamenta para prevenir traumas para mãe e filho? Como se regulamenta para evitar a morte de mãe e filho? Que lei nossos legisladores poderiam escrever e aprovar que salvaria vidas?”, perguntou ela.

Frente a preocupações com os direitos humanos, o papa Francisco fez um apelo à proibição global da barriga de aluguel em discurso a embaixadores de todo o mundo no Vaticano em 9 de janeiro.

“A este respeito, considero deprimente a prática da chamada barriga de aluguel, que lesa gravemente a dignidade da mulher e do filho. Baseia-se na exploração de uma situação de necessidade material da mãe. Um filho é sempre um dom, e nunca o objeto de um contrato”, disse o papa.

“Almejo, pois, um esforço da comunidade internacional para proibir tal prática a nível universal. Em cada momento da sua existência, a vida humana deve ser preservada e tutelada”, acrescentou Francisco.

Uma carta ao papa

Maurel disse à CNA que ficou “muito feliz” quando soube que o papa Francisco condenou veementemente a barriga de aluguel em janeiro.

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Embora Maurel seja “feminista e ateia”, ela contou sua história em uma carta enviada ao papa em dezembro do ano passado e pediu o apoio de Francisco a uma proibição universal da barriga de aluguel.

Ela explicou que decidiu escrever ao papa depois de ouvir a atriz espanhola Ana Obregón, de 68 anos, falar na COPE, rede de rádio da Conferência Episcopal Espanhola, sobre a experiência da atriz ao viajar aos EUA para obter um bebê concebido com o esperma congelado de seu filho morto.

“Fiquei um pouco chocada por ela ter conseguido dar um testemunho em uma estação de rádio da Igreja e fazer com que isso parecesse uma história maravilhosa”, disse Maurel.

“Pensei que a Igreja fosse contra a barriga de aluguel. Então o que fiz foi escrever ao papa, explicando a minha situação... que nasci de barriga de aluguel e que sou ateia e feminista… e perguntei-lhe gentilmente se ele poderia posicionar-se contra a barriga de aluguel”, acrescentou ela.

O papa Francisco recebeu Maurel em audiência privada no Vaticano na semana passada, como parte do seu papel como porta-voz da “Declaração de Casablanca para a Abolição da Barriga de Aluguel”, documento assinado no ano passado pedindo a abolição da barriga de aluguel.

Ela deu o seu testemunho na última sexta-feira (5) em conferência na universidade LUMSA de Roma, por ocasião de um ano desde a assinatura da declaração.

A conferência ocorreu perto do Vaticano poucos dias antes do dicastério para a Doutrina da Fé se preparar para publicar um documento sobre “questões morais” relativas à dignidade humana, ideologia de gênero e barriga de aluguel.

A declaração Dignitas infinita (dignidade infinita, em latim) sobre a dignidade humana foi publicada hoje (8) pela Santa Sé.

“A realidade da barriga de aluguel é que uma mulher é usada por seu sistema reprodutivo… Ao ler um contrato de barriga de aluguel, está se literalmente alugando uma mulher”, disse Maurel.

“E depois a outra realidade é que no meio do contrato tem um objeto que vai ser vendido no final, que é a criança. Então, mercantilizamos as crianças. Estamos vendendo e comprando bebês. Essa é a realidade da barriga de aluguel.”