Segue o texto da homilia do papa Francisco na Vigília Pascal de 2024 no Vaticano.

As mulheres vão ao túmulo às primeiras luzes do alvorecer, mas dentro delas conservam a escuridão da noite. Embora estejam a caminho, continuam ainda paradas. O seu coração ficou aos pés da cruz. Anuviadas pelas lágrimas da Sexta-Feira Santa, estão paralisadas pelo sofrimento, fechadas na sensação de que tudo acabou. Foi colocada uma pedra sobre o caso Jesus. E é precisamente uma pedra que dá-lhes o que pensar. De fato, perguntam-se: “Quem nos vai tirar a pedra da entrada do sepulcro?”(Mc.16:3). Mas quando chegam ao local, será a força surpreendente da Páscoa a maravilhá-las. Olharam, diz o texto, e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado e era muito grande (Mc. 16,4). 

Detenhamos-nos, nesses dois momentos, irmãos e irmãs, que nos levam à alegria inaudita da Páscoa. No primeiro momento, as mulheres perguntam-se angustiadas: “Quem faria rolar a pedra?”. Mas depois, num segundo momento, erguendo os olhos, veem que aquela já tinha sido rolada. 

Antes de mais nada, no primeiro momento, temos a pergunta que preocupa o seu coração lacerado pelo sofrimento: “Quem nos fará rolar a pedra do sepulcro?”. Aquela pedra representava o fim da história de Jesus, sepultado na noite da morte. Ele, a Vida que veio ao mundo, foi morto. Ele, que manifestou o amor misericordioso do Pai, não recebeu compaixão. Ele, que aliviou os pecadores do peso da condenação, foi condenado à cruz. O Príncipe da Paz, que libertara uma adúltera da fúria violenta das pedras, jaz sepultado no interior de uma grande pedra. Aquele maciço obstáculo intransponível era o símbolo do que as mulheres levavam no coração. Ou seja, o fim da sua esperança. Tudo se despedaçara contra ele, com o mistério sombrio de um sofrimento dramático que impedia a realização dos seus sonhos.

Irmãos e irmãs, o mesmo pode acontecer conosco também. Às vezes sentimos que uma pedra tumular foi pesadamente instalada à entrada do nosso coração, sufocando a vida, extinguindo a confiança, encarcerando-nos no sepulcro dos medos e amarguras, bloqueando o caminho para a vida e a esperança. São maciços da morte, e encontramos-los ao longo do caminho em todas as experiências e situações que roubam-nos o entusiasmo e a força para avançar: nos sofrimentos que nos afetam e na morte de pessoas queridas, que deixam em nós vazios incuráveis, encontramos nos fracassos e medos que nos impedem de fazer as coisas boas que temos no coração. Encontramos em todos os isolamentos que abrandam os nossos impulsos de generosidade, não permitindo abrir-nos ao amor. Encontramos nos muros de borracha do egoísmo e da indiferença. Egoísmo e indiferença que impedem o compromisso de construir cidades e sociedades mais justas à medida do homem. Em todos os anseios de justiça e paz sufocados pela crueldade do ódio, e pela ferocidade da guerra. Quando se experimentam essas desilusões, apodera-se de nós a sensação de que muitos sonhos acabarão por ser desfeitos. Perguntamo-nos, angustiados a nós mesmos: “Quem nos rolará a pedra do sepulcro?”

Contudo, mesmo aquelas mulheres, que tinham a escuridão no coração, dão-nos o testemunho de algo extraordinário. Erguendo os olhos, viram que a pedra já havia sido rolada, embora fosse muito grande. Aqui está a Páscoa de Cristo, aqui está a força de Deus: a vitória da vida sobre a morte, o triunfo da luz sobre as trevas, o renascimento da esperança por entre os escombros do fracasso. Foi o Senhor, Deus do impossível, que para sempre rolou a pedra para o lado e começou a abrir nossos sepulcros. Abri os nossos corações, a fim de não acabar a esperança. Por isso, devemos também nós elevar os olhos para ele.

Depois, o segundo momento. Levantemos o olhar para Jesus. Depois de ter assumido a nossa humanidade, ele desceu aos abismos da morte e atravessou-os com a força da Sua Vida divina, descerrando uma festa infinita de luz para cada um de nós. Ressuscitado pelo Pai na Sua carne, na nossa carne, com a força do Espírito Santo,  abriu uma nova página para o gênero humano. A partir de então, se deixarmos Jesus tomar-nos pela mão, nenhuma experiência de fracasso e sofrimento, por mais que nos doa, poderá ter a última palavra sobre o sentido e o destino da nossa vida. A partir de então, se nos deixarmos agarrar pelo Ressuscitado, nenhuma derrota, nenhum sofrimento, nenhuma morte poderá deter o nosso caminho rumo à plenitude da vida. A partir de então, “nós cristãos digamos que essa história tem sentido. Esta história tem um sentido que tudo abrange. Um sentido que já não está contaminado pelo absurdo e pela obscuridade. Um sentido que chamamos Deus. Para Ele confluem todas as águas da nossa transformação. Essas não afundam nos abismos do nada e do absurdo, porque o Seu sepulcro está vazio e Ele, que estava morto, manifestou-se como vivente”.

Irmãos e irmãs, Jesus é a nossa Páscoa. Aquele que nos faz passar das trevas para a luz, que se uniu a nós para sempre e nos salva dos abismos do pecado e da morte, arrastando-nos no ímpeto luminoso do perdão e da vida eterna. Irmãos, irmãs, levantemos o olhar para Ele, acolhemos Jesus, o Deus da Vida, nas nossas vidas, renovemos-lhe hoje o nosso “Sim” e nenhum maciço poderá sufocar-nos o coração, nenhum sepulcro poderá encerrar a alegria de viver, nenhum fracasso será capaz de nos lançar no desespero. Irmãos e irmãs, levantemos o olhar para Ele e peçamos que a força da Sua ressurreição role para o lado as pedras que nos oprimem a alma. Levantemos o olhar para Ele, o Ressuscitado, e caminhemos na certeza de que no fundo obscuro das nossas expectativas e das nossas mortes já está presente a vida eterna que Ele veio trazer.

Irmã, irmão, que o teu coração possa explodir de júbilo nesta noite, nesta noite santa. Juntos cantemos a ressurreição de Jesus. “Cantai terras distantes, rios e planícies, desertos e montanhas. Cantai ao Senhor da Vida, que surge do túmulo mais brilhante que mil sóis. Povos dilacerados pelo mal e atingidos pela injustiça, povos sem lugar, povos mártires: afastai nesta noite os cantores do desespero. O Homem das Dores já não está no cativeiro: abriu uma brecha no muro, apressa-se a vir ter conosco. Nasça das trevas um grito inesperado: Está vivo! Ressuscitou! E vós irmãos e irmãs, pequenos e grandes… Vós que estais imersos na fadiga de viver, vós que vos sentis indignos de cantar… Deixar que uma nova chama atravesse o vosso coração, um frescor novo permeie a vossa voz. E a vossa Páscoa, irmãos e irmãs, é a festa dos viventes.