Em meio à crescente violência vivida pelo México, o bispo emérito de Chilpancingo-Chilapa, dom Salvador Rangel, conhecido por seus esforços para alcançar a paz na sua diocese e no estado mexicano de Guerrero, é contundente: “aqui os narcotraficantes venceram a batalha.”

Respondendo ontem (16) à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo EWTN, no âmbito da recente tentativa de diálogo em busca da paz com grupos do crime organizado, feita pelos bispos da Província Eclesiástica de Acapulco em Guerrero, dom Rangel lamentou que no país as autoridades "não têm peso moral, não têm peso social.”

Em entrevista coletiva na última quarta-feira (14), depois da missa da Quarta-feira de Cinzas, o bispo de Chilpancingo-Chilapa, dom José de Jesús González, reconheceu que tentou dialogar com os chefes do crime organizado na região juntamente com o arcebispo de Acapulco, dom Leopoldo González; o bispo de Tlapa, dom Dagoberto Sosa; e o bispo de Ciudad Altamirano, dom Joel Ocampo.

No entanto, “não foi possível” estabelecer um acordo de paz na área entre os grupos criminosos, lamentou dom José de Jesús González .

Dom Rangel, bispo de Chilpancingo-Chilapa entre 2015 e 2022, dedicou muito esforço ao diálogo de paz com os cartéis do narcotráfico que dominam Guerrero e que frequentemente lutam entre si, causando destruição e morte na região.

Foi assim que ele se lembrou deste 14 de fevereiro e garantiu que “continua assim”. “

Na verdade, quando os bispos se reuniram com aqueles senhores, eu já tinha me encontrado com eles em diversas ocasiões”, observou.

Guerrero e a crescente violência no México

O estado de Guerrero se localiza no sudoeste do México. Sua capital é Chilpancingo de los Bravos, mas a maior e mais conhecida cidade, tanto nacional quanto internacionalmente, é Acapulco.

Especificamente, Acapulco ficou em 10º lugar no ranking das 50 cidades mais violentas do mundo em 2022 , elaborado pelo Conselho Cidadão de Segurança Pública e Justiça Criminal.

No estado é produzida a papoula, de onde se obtém o ópio e, por fim, a heroína. Isto, juntamente com o fentanil e, ocasionalmente, a cocaína, dá origem a uma droga poderosa conhecida como “China White”.

Segundo números da Secretaria Executiva do Sistema Nacional de Segurança Pública, foram registrados 1.398 homicídios dolosos em Guerrero em 2023. Desses, 1.026 foram execuções com armas de fogo.

Em Guerrero, grupos criminosos como Los Ardillos, Los Tlacos, Guerreros Unidos, La Familia Michoacana, o Cartel Jalisco Nueva Generación e El Cártel de la Sierra, entre outros, lutam pelos territórios e rotas do tráfico de drogas.

No entanto, a violência não é um problema exclusivo de Guerrero. O período de governo de Andrés Manuel López Obrador, que começou em dezembro de 2018 e terminará em outubro de 2024, já é o mandato de seis anos mais violento da história moderna do México, com mais de 171 mil homicídios.

Somente entre 1º de janeiro e 15 de fevereiro de 2024 foram registrados 3.243 homicídios no México.

“Guerrero estava em chamas”

Dom Salvador Rangel garantiu que a tentativa dos bispos de dialogar com os membros do crime organizado ocorreu quando “Guerrero estava em chamas”. Como exemplo, indicou que em Acapulco, depois da passagem do furacão Otis em outubro do ano passado, que devastou a região, “os narcotraficantes paralisaram o trânsito, o comércio, as escolas e tudo mais”.

“A mesma coisa aconteceu em Taxco, repetiu-se em Zihuatanejo e repete-se aqui na capital, Chilpancingo”, indicou.

“O crime organizado realmente tomou conta da situação política, econômica e social do estado de Guerrero e estamos nas mãos deles”, disse ele.

Para o bispo, “o governo federal, os governos estaduais e municipais estão de mãos atadas pelo poder que o tráfico de drogas tem de controlar, por exemplo, o transporte, de controlar a economia, tudo o que se vende. Eles cobram taxas mínimas ou ‘impostos’ sobre carne, pão, cerveja e refrigerantes. Para tudo!”

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E o ponto mais crítico da “situação caótica que se vive em Guerrero”, observou, são “tantos assassinatos”, já que “todos os dias” há mortes e “sangue por toda parte”.

Foi neste quadro, indicou, que se deu o diálogo entre os bispos e os senhores do narcotráfico. Dom Rangel expressou o desejo de “elogiar a coragem destes bispos” diante de “uma situação tão difícil”.

“Não é fazer acordo, é simplesmente conversar, dialogar”

Depois de lamentar que “aqui os narcotraficantes têm vencido a batalha, precisamente por causa das atitudes do governo”, já que as autoridades “deixaram esse vácuo de poder, esse vácuo social, esse vácuo moral nas comunidades”, destacou dom Rangel, que os encontros entre os bispos e o crime organizado não são sobre um pacto.

“Não é um pacto, é simplesmente conversar, dialogar”, disse o bispo.

O bispo também lamentou que “a maioria dos políticos, pelo menos em Guerrero, que vão disputar as eleições, já sejam controlados por traficantes de drogas”.

No dia 2 de junho deste ano, os mexicanos vão eleger um novo presidente, que sucederá a Andrés Manuel López Obrador, bem como membros do Congresso da União do país.

Também a nível estadual, as autoridades serão eleitas nesse dia. Em Guerrero serão votadas 46 câmaras locais e 84 presidências municipais, entre outros cargos.

No entanto, o bispo encorajou a não perder a esperança, e “não importa como as coisas se apresentem”, a trabalhar para “que o bem vença para o povo”.

“Não temos que perder a fé e a esperança”, insistiu.