“A adoração é a forma de acolher a encarnação, porque é no silêncio que Jesus, Palavra do Pai, Se faz carne nas nossas vidas”, disse o papa Francisco na missa da véspera de Natal que rezou hoje (24), na basílica de São Pedro.

“Façamos nós também como se fez em Belém, que significa ‘casa do pão’: permaneçamos diante d’Ele, Pão da vida. Redescubramos a adoração, porque adorar não é perder tempo, mas permitir a Deus que habite o nosso tempo”, continuou.

Voltar à adoração, reiterou Francisco, é “fazer florescer em nós a semente da encarnação, é colaborar na obra do Senhor, que, como o fermento, muda o mundo; é interceder, reparar, consentir a Deus que endireite a história”.

Neste contexto, ele citou a carta 43 de J.R.R. Tolkien, escritor católico que escreveu O Senhor dos Anéis, enviada ao seu filho em março de 1941: “Coloco diante de você o que na terra é digno de ser amado: o Santíssimo Sacramento. Nele você encontrará romance, glória, honra, fidelidade e o verdadeiro caminho para tudo que você ama na terra”.

Deus escolhe o caminho da pequenez para entrar no mundo

Ao longo da homilia da véspera de Natal, o papa conduziu os fiéis numa viagem pela história do nascimento de Jesus, destacando o “grande contraste” entre a realização de um censo mundial ordenado pelo imperador romano e a humilde entrada de Deus no mundo.

“Enquanto o imperador conta os habitantes do mundo, Deus entra nele quase às escondidas; enquanto quem manda procura colocar-se entre os grandes da história, o Rei da história escolhe o caminho da pequenez. Nenhum dos poderosos se dá conta d’Ele; apenas alguns pastores, colocados à margem da vida social”, disse ele.

Francisco destacou o simbolismo do recenseamento, recordando a história bíblica do rei Davi, que cedeu “à tentação dos grandes números”, um ato que levou ao pecado e ao infortúnio. Em contraste, o nascimento de Jesus em Belém durante o recenseamento revela a escolha de Deus pela humildade em vez do poder.

“Nesta noite, depois de nove meses no ventre de Maria, Jesus, o ‘Filho de Davi’, nasce em Belém, a cidade de Davi, e não castiga pelo censo, mas humildemente permite-se ser contado”, disse o papa.

O papa também falou da contradição entre a lógica humana obcecada pelo poder e pelo sucesso, e a lógica divina de Jesus, que busca a encarnação para se aproximar da humanidade com amor e compaixão.

“Ele não é o deus do benefício, mas o Deus da encarnação. Ele não combate as injustiças do alto com a força, mas de baixo com amor; não irrompe com um poder ilimitado, mas desce até aos nossos limites; não evita as nossas fragilidades, mas antes as assume”, disse.

Francisco perguntou aos presentes na basílica de São Pedro “Em que Deus acreditamos? No Deus da encarnação ou no da performance?”, alertando para a tentação de viver o Natal com uma visão pagã de Deus como um ser “que se alia ao poder, ao sucesso mundano e à idolatria do consumismo”.

Francisco apelou a redescobrir o significado profundo do Natal, afastando-se da imagem de um Deus distante e controlador. “Ele nasceu para todos, durante o censo de toda a terra”, disse.

“Olhemos, portanto, para o ‘Deus vivo e verdadeiro’ (1 Tes 1, 9); Ele que está para além de todo o cálculo humano, no entanto, deixa-se recensear pelos nossos registos; Ele que revoluciona a história, habitando nela; Ele que nos respeita até ao ponto de nos permitir rejeitá-Lo; Ele que apaga o pecado assumindo a responsabilidade pelo mesmo, que não tira a dor, mas a transforma, que não nos tira os problemas da vida, mas dá às nossas vidas uma esperança maior do que os problemas. Deseja tanto abraçar as nossas existências que, sendo infinito, por nós se fez finito; grande, se fez pequeno; sendo justo, habita as nossas injustiças”, disse ele.

E acrescentou: “Aqui está a maravilha do Natal: não uma mistura de sentimentos adocicados e confortos mundanos, mas a inaudita ternura de Deus que salva o mundo encarnando-se. Fixemos o Menino, olhemos para a sua manjedoura, para o presépio, que os anjos chamam ‘o sinal’: realmente constitui o sinal revelador do rosto de Deus, que é compaixão e misericórdia, onipotente sempre e só no amor”.

O papa Francisco convidou os cristãos, como os pastores que deixaram os seus rebanhos, a abandonar “o recinto da tua melancolia” e a abraçar “a ternura do Menino Deus”.

“Ele, que se fez carne, espera, não as tuas performances de sucesso, mas o teu coração aberto e confiado. E n’Ele descobrirás quem és: um filho amado de Deus, uma filha amada de Deus. Agora podes acreditar nisto, porque, nesta noite, o Senhor nasceu para iluminar a tua vida, e os olhos d’Ele cintilam de amor por ti”, acrescentou.

A mensagem do papa terminou com a ênfase na importância da adoração como caminho para acolher a encarnação.

Neste contexto, o papa Francisco exortou os fiéis a imitar Maria, José, os pastores e os reis magos, que, em Belém, permaneceram com o olhar fixo em Jesus e adoraram em silêncio.

“Nesta noite, o amor muda a história. Fazei, Senhor, que acreditemos no poder do vosso amor, tão diverso do poder do mundo. Fazei que, à semelhança de Maria, José, os pastores e os magos, nos estreitemos ao vosso redor para Vos adorar. Feitos por Vós mais semelhantes a Vós, poderemos testemunhar ao mundo a beleza do vosso rosto”, concluiu.

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