“Quando são João Paulo II beatificou a então madre Paulina [do Coração Agonizante de Jesus], em 1991, ele disse que o Brasil precisava de santos. Hoje, eu diria que nós precisamos reconhecer os nossos santos. Temos santos de casa, santos que foram nossos vizinhos”, disse o fundador da Academia Brasileira de Hagiologia (ABRHAGI), José Luís Lira. Para ele, embora haja santos e beatos brasileiros, além de centenas de causas de beatificação e canonização, a devoção a eles ainda não é comum no país.

Entre os santos e beatos do Brasil há aqueles que nasceram no país e os que viveram e morreram aqui. “Foi aqui que encontraram a pátria eterna. O encontro da pátria eterna é no falecimento, que para os que não creem é um mito, uma tristeza, um desespero; mas para os que creem deve ser momento de alegria, pois é o encontro com Deus”, disse Lira.

Atualmente, há 37 santos brasileiros. “De forma cronológica, temos: são José de Anchieta; são Roque González e dois companheiros, martirizados a caminho de Brasil, entre Paraguai e Brasil, e são mais venerados no Paraguai, mas são considerados mártires brasileiros; santos André de Soveral, Ambrósio Francisco, Mateus Moreira e 27 leigos mártires de Natal (RN) [os Protomártires do Brasil]; santo Antônio de Sant’Anna Galvão; santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus; e santa Dulce dos Pobres”, citou Lira.

Já os beatos são 54: beato Inácio Azevedo e 39 companheiros, beata Bárbara Maix, beata Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica), beato Francisco de Paula Victor, beatos Manuel González e Adílio Da Ronch, beata Albertina Berkenbrock, beata Benigna Cardoso da Silva, beato Eustáquio van Lieshout, beata Assunta Marchetti, beato Donizetti Tavares de Lima, beato João Schiavo, beata Isabel Cristina Mrad Campos, beato Mariano de la Mata e beata Lindalva Justo de Oliveira.

Lira escreveu em 2004 o livro “Candidatos ao Altar”. Na época, disse, “havia aproximadamente 99 causas [de beatificação e canonização] ativas”. Em 2012, ele atualizou a obra e publicou “A Caminho da Santidade”. “Aí chegamos a 101 causas ativas. De lá para cá, praticamente dobrou a quantidade de causas no Brasil”.

Ele contou que, quando a Academia Brasileira de Hagiologia foi fundada, em 2004, “uma das coisas” sobre as quais chamavam atenção “era que as causas brasileiras não eram divulgadas. Ainda hoje não são muito divulgadas, mas melhorou consideravelmente com as redes sociais, com as mídias como um todo”.

Segundo Lira, entre os santos, beatos, veneráveis e servos de Deus no Brasil há “um elenco imenso, pessoas que viveram virtudes extraordinárias, santos de uma maravilha infinda. E esses santos não são propriamente recorridos aqui no Brasil, acabam ficando em sua região e, muitas vezes, até em sua região não são venerados como deviam”.

Para o hagiólogo, “um santo tem uma identidade”. “Cada um deles viveu os problemas que nós vivemos, viveu as realidades que nós vivemos, em tempos diferentes. E você pode se apegar a um santo nessas situações”.

“Entre os vários testemunhos que temos”, ele citou, por exemplo, santa Paulina, a quem se pode recorrer como “uma santa dos injustiçados”, pois “por intrigas, invejas e tudo mais, foi destituída a condição de madre, até da condição de religiosa e ficou como hóspede dentro da congregação que ela fundou”, a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, mas “simplesmente acolheu aquilo e viveu santamente até o final”. Outro exemplo citado foi o beato “padre Mariano de la Mata, que morreu de câncer”; as “mártires da castidade Albertina Berkenbrock, Benigna Cardoso, Isabel Cristina, irmã Lindalva, que deram suas vidas para defender aquilo que acreditavam”, ou “os mártires do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul, que morreram por defender a fé”.

José Lira recordou também o venerável Franz de Castro Holzwarth, “que é a primeira causa a ser reconhecida como oferta de vida na história da Igreja”. A “oferta de vida” é um novo caso para processo de beatificação e canonização estabelecido em 2017 pelo motu proprio Maiorem hac dilectionem. Lira contou que Franz “era advogado, agente da Pastoral Penitenciária e, em 1981, foi chamado para tentar conciliar em uma rebelião em Jacareí (SP), trocou de lugar com um refém e foi assassinado”.

Para Lira, todos os santos, beatos e candidatos à beatificação e canonização devem, portanto, ser exemplos para os fiéis. Ele destacou que “o santo não vem para competir com a santidade de Deus, nem para tirar o lugar de Deus”. Mas, na verdade, “o santo vem para espelhar a santidade que Deus quer para todos nós”. “‘Sede santos, porque eu vosso Pai sou santo’. A santidade para o cristão não é simplesmente um clichê, é uma obrigação”, disse.

Milagres

Além dos vários santos e beatos brasileiros, o Brasil também é marcado por muitos milagres reconhecidos pela Santa Sé e que levaram a beatificações e canonizações. Entre esses, há a cura milagrosa do menino Matheus Vianna, de Campo Grande (MS), que levou è beatificação de Carlo Acutis, o milagre alcançado por outro menino, Lucas de Oliveira, em Juranda (PR), que levou à canonização dos pastorinhos de Fátima Francisco e Jacinta Marto, o milagre da canonização de santa Teresa de Calcutá, alcançado por Marcílio Haddad Andrino, a cura milagrosa de Eva Tobias da Costa, de Santos (SP), que levou à canonização de santa Josefina Bakhita, entre outros.

“O milagre é aquela necessidade que temos, necessitamos e naquele momento Deus premia-nos, digamos assim, com aquele milagre. Mas, eu tenho que estar também capaz de receber o milagre, não é simplesmente pedir, é preciso acima de tudo ter fé. E quem faz o milagre é Deus, a intercessão é do santo, do beato, do servo de Deus”, disse Lira.

O hagiólogo incentivou a “reconhecer os santos brasileiros” e a “pedir a intercessão deles”. “Principalmente dos beatos e servos de Deus, porque ao santo já foi provada a santidade dele. Aos beatos e servos de Deus, nós temos que buscar, pedir, porque o milagre é como o atestado de Deus”, disse.

Mas, ressaltou que “o ideal, e é uma orientação para as causas de beatificação e canonização, é que a pessoa peça a determinado servo de Deus, determinado beato”. “Se, por exemplo, eu pedir a são Francisco e ao beato tal, o milagre será atribuído a são Francisco, que já é santo”, disse.

E, “uma vez alcançado o milagre, é importantíssimo que a pessoa guarde todos os documentos, todas as provas médicas para poder instruir o processo, e não tenha medo de testemunhar”, disse, ressaltando que “a investigação de um milagre é uma coisa muito séria”.

Dia de Todos os Santos

José Luís Lira recordou que a Igreja Católica celebra a solenidade de Todos os Santos em 1º de novembro e, no caso do Brasil, é transferido para o domingo seguinte (neste ano, 5 de novembro). Ele destacou que esta solenidade recorda também “o santo que não está no altar, mas está na glória de Deus”. “A Igreja é sempre sábia e este dia é uma correção de injustiça, digamos assim, porque algumas pessoas como a ‘dona Maria’ que tinha um trabalho de caridade, que intercedia a Deus pelos outros, ou ‘sr. Pedro’ que se santificou no seu trabalho e jamais vão ter uma causa de canonização, são reconhecidos nesse dia”.

Por isso, “rezemos”, pediu. “Sabe-se lá se depois desse dia de todos os santos não aparecem milagres aí para os nossos candidatos e seria uma grande graça para o Brasil. Quanto mais santos tivermos melhor, porque é a prova de que Deus age no nosso meio”, concluiu.

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