A Conferência Episcopal Espanhola (CEE) anunciou hoje (27) que na próxima segunda-feira (30) vai acontecer uma Assembleia Plenária extraordinária “centrada na questão dos abusos sexuais cometidos por membros da Igreja”. A reunião abordará especialmente dois temas: por um lado, o “estudo e avaliação” do relatório apresentado hoje pelo Defensor do Povo sobre os abusos no seio da Igreja Católica; por outro lado, será determinada a decisão a tomar sobre “o pedido da sociedade de advogados Cremades & Calvo Sotelo para ampliar o prazo de entrega dos trabalhos que vem realizando em nome da conferência episcopal”.

A comunicação enviada aos meios de comunicação pela assessoria de imprensa da CEE diz que “os bispos participarão de forma on-line ou presencial”.

Relatório do Defensor do Povo

O Defensor do Povo da Espanha, Ángel Gabilondo, entregou hoje à presidente das Cortes Gerais, Francisca Armengol, o Relatório sobre os abusos sexuais no âmbito da Igreja Católica. Uma resposta necessária.

Trata-se de uma obra que é consequência da comissão aprovada em 10 de março de 2022 no Congresso dos Deputados. Consta de cerca de 800 páginas nas quais, além dos detalhes técnicos sobre a sua elaboração, são recolhidos depoimentos de 487 pessoas que reportam ter sofrido abusos, quase todos quando eram menores. Destas supostas vítimas, 84,17% são homens.

O resumo executivo do relatório diz que “pretender fazer uma estimativa do número de vítimas significaria ignorar o silêncio voluntário de muitas delas e ignorar aquelas que desapareceram como consequência da passagem do tempo”.

Além disso, é reconhecida a disparidade nos números oferecidos pelas diferentes fontes. Ainda assim, o Defensor do Povo diz que, segundo uma pesquisa incluída no relatório feita com mais de 8 mil pessoas, “o abuso sexual infantil cometido em ambiente religioso é um problema que afetou na Espanha 1,13% das pessoas adultas”.

Esta percentagem extrapolada significa que na Espanha haveria mais de 400 mil pessoas adultas que teriam sido vítimas de abusos no âmbito religioso em sentido amplo, o que implica que os perpetradores seriam também professores ou catequistas, entre outros, em paróquias, escolas ou acampamentos.

Também mostra que “a porcentagem de pessoas adultas vítimas de abusos cometidos por um padre ou religioso católico é inferior, 0,6%, valor semelhante ao encontrado em estudos feitos noutros países”. Esse percentual seria equivalente a cerca de 200 mil pessoas adultas.

Segundo esta pesquisa, a maioria dos que sofreram abusos seriam homens (64,6%). Por outro lado, verifica-se que “o fato de a prevalência diminuir em idades mais jovens indica uma tendência de queda em relação às décadas de 1960 e 1970, quando aconteceu o maior número de abusos”.

Celibato e sacralidade do sacerdócio

Para o Defensor do Povo, os dados da pesquisa confirmam que “os casos registrados oficialmente” por diferentes organismos, desde as dioceses ao jornal El País, “não representam mais do que uma pequena parte de uma realidade muito mais ampla”.

O relatório diz que o clericalismo, “a sacralização da figura do sacerdote como representante de Deus na Terra” e “a assunção problemática da sexualidade” estão entre os fatores que levaram aos abusos.

Também aponta como fatores de risco específicos “o celibato obrigatório, a prática da administração da penitência e uma certa visão da sexualidade”.

“Reforma institucional” da Igreja

O relatório feito pelo Defensor do Povo inclui uma série de recomendações, dirigidas majoritariamente aos legisladores e ao Poder Executivo, mas que também desafiam a Igreja Católica.

Assim, pede-se que “um ato público de reconhecimento e reparação simbólica” seja feito como parte da “aceitação da gravidade do problema” e que a Igreja Católica “adote compromissos públicos para o reconhecimento das vítimas, reparação e, no que for necessário, a reforma institucional”.

Pede-se também que os protocolos de prevenção elaborados pelas instituições religiosas e os seus guias de ação estejam em consonância com os promovidos pela administração.

O Defensor do Povo recomenda ainda que “sejam criados os meios necessários para que os abusadores, sejam clérigos ou religiosos, sejam tratados com os programas de intervenção” que são usados com outros abusadores.

Esta instituição prevê a criação de um fundo estatal para o pagamento de indenizações às vítimas e de um órgão encarregado de reparar os casos “em que não seja possível instaurar processo penal contra o autor do crime”.

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“A Igreja Católica deve fornecer os meios necessários para ajudar as vítimas de abuso sexual no seu processo de recuperação, oferecendo tratamento às vítimas de casos históricos, prescritos ou naqueles em que o agressor ou a vítima morreu, mas a família desta requer atenção”, acrescenta-se, entre outras propostas.

Religiosos espanhóis: “Pedimos perdão”

O secretário-geral da Confederação dos Religiosos (CONFER), Jesús Miguel Zamora FSC, informou que a instituição decidiu levar em consideração as propostas incluídas no relatório do Defensor do Povo e que trabalhará “para corrigir na medida do possível o dano causado".

“Pedimos perdão a todas as vítimas que sofreram abuso sexual dentro da Igreja. Sentimo-nos verdadeiramente profundamente identificados com a sua dor e lamentamos se em algum momento não soubemos agir corretamente”, diz numa mensagem de vídeo.