O arcebispo de Munique-Freising, cardeal Reinhard Marx, pediu perdão no domingo (9) pelo caso de um massacre alemão na Segunda Guerra Mundial cometido na Itália por ordem de um homem que se tornou bispo na mesma arquidiocese.

Antes de assumir o posto de bispo auxiliar na arquidiocese de Munique e Freising em 1968, Matthias Defregger usava um uniforme diferente. Como capitão da 114ª Divisão Jäger, ele presidiu um capítulo sombrio da história. Sua unidade, no verão de 1944, ceifou a vida de 17 inocentes e incendiou a aldeia de Filetto di Camarda.

No domingo (9), o cardeal Marx se viu frente a frente com os descendentes dessas vítimas. Marx agradeceu ao povo de Filetto por sua coragem em enfrentar o passado e sua recusa em deixar a história ser varrida para debaixo do tapete.

“Sentimos o quanto é importante não esquecer”, disse ele. “A supressão da história não pode construir um bom futuro”.

A Segunda Guerra Mundial estava chegando ao fim na Itália quando ocorreu o massacre. A Wehrmacht, como eram chamadas as forças armadas alemãs, estavam em retirada, os aliados liderados pelos EUA tinham acabado de entrar em Roma. No entanto, na pequena comunidade de Filetto di Camarda, não muito longe da cidade de L'Aquila , a guerra estava longe de terminar. Após um ataque de guerrilheiros italianos, o major-general Hans Boelsen ordenou um ato brutal de “represália”. Defregger, supostamente relutante, acabou transmitindo a ordem que levou à execução de pelo menos 17 homens inocentes com idades entre 20 e 65 anos e ao incêndio da aldeia.

Quando a fumaça da guerra se dissipou, Defregger, nascido em 1915 e neto do pintor tirolês Franz von Defregger, buscou consolo no sacerdócio. Ele estudou em um colégio jesuíta na Áustria e foi ordenado sacerdote em 1949 em sua cidade natal, Munique.

O carisma e a competência de Defregger fizeram com que o ex-oficial da Wehrmacht subisse rapidamente na hierarquia da diocese da Baviera, culminando em sua nomeação como bispo auxiliar pelo papa são Paulo VI.

No entanto, a sombra de seu passado nunca ficou para trás. O “caso Defregger” ganhou as manchetes na década de 1960 com alegações de que o cardeal de Munique Julius Döpfner sabia sobre as ações de guerra do bispo-auxiliar quando o ordenou.

A mídia alemã e inglesa cobriu o “caso Defregger” na década de 1960. A revista católica The Tablet observou que nem o núncio papal nem a congregação para os Bispos em Roma sabiam sobre o que a revista chamou de “caso Filetto” quando “repassaram e aprovaram” a nomeação de Defregger para bispo. Outros meios de comunicação relataram que o bispo em 1969 pediu perdão ao povo de Filetto.

Em última análise, apesar de longas investigações legais e vários processos judiciais na Itália e na Alemanha, Defregger nunca foi considerado culpado.

Ao refletir sobre esses eventos no domingo, Marx enfatizou a importância da ação moral, mesmo na guerra, e a coragem de enfrentar o passado. Ele lamentou que isso não tenha sido feito no caso de Defregger e pediu desculpas pelo fracasso da diocese em confrontar a verdade.

“Nunca é bom suprimir a verdade”, disse o cardeal Marx, “mas é crucial sempre olhar para a verdade e fazer dela um impulso para seguir em frente”.

Em 2023, a cidade de Pöcking , na Alta Baviera, onde Defregger se aposentou e viveu até sua morte em 1995, tomou uma decisão significativa. Após um exame crítico do legado de Defregger, e encorajado pela professora de história local Marita Krauss, o conselho da cidade votou para mudar o nome de uma pequena rua que havia sido nomeada em sua homenagem.

Este movimento refletiu uma crescente consciência e reconhecimento dos aspectos controversos do passado de Defregger, mesmo na comunidade que se lembrava dele em primeiro lugar como um pregador carismático e devoto.

Em 2022, uma delegação de Pöcking viajou a Filetto para participar de uma comemoração do massacre de 1944. Este ano, os moradores de Filetto retribuíram a visita ao viajar para a Baviera.

Em um gesto simbólico desse vínculo crescente e reconhecimento do passado, a pequena rua em Pöcking, que já recebeu o nome de Defregger, a partir deste ano leva o nome de “Filetto”.

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