Pedro Silva precisou chegar aos 50 anos, celebrados numa cela de prisão de alta segurança, para olhar para trás e perceber os “sinais” que recebeu pelo caminho.

“Percebi que Deus sempre esteve comigo, Ele não desiste da gente, então não podemos perder a esperança”, disse, com o sorriso de quem está prestes a começar uma nova vida.

Poucos dias antes de ser solto, após seis anos de prisão por tráfico de drogas, Silva deu os últimos retoques nos 50 confessionários que, junto com outros quatro presos, construiu para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2023, que acontecerá em Lisboa, Portugal, de 1 a 6 de agosto.

Ainda na prisão, Silva contou à CNA, agência em inglês do grupo EWTN, uma das primeiras missões fora da prisão: ser voluntário na JMJ e ajudar a montar os confessionários no “Parque da Reconciliação”, que está sendo preparado no bairro de Belém, às margens do rio Tejo.

Ao todo, foram construídos 150 confessionários em três estabelecimentos prisionais portugueses (Coimbra, Paços de Ferreira e Porto), cumprindo um protocolo entre a Fundação JMJ Lisboa 2023 e a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com o objetivo de valorizar as competências profissionais dos reclusos e contribuir para a sua reintegração na sociedade.

Ao saber da intenção de Silva, o comitê organizador local da JMJ ficou radiante.

“Temos muito interesse em atender à sua vontade e faremos todas as diligências necessárias para que possa participar na montagem dos confessionários”, assegurou a porta-voz da Fundação JMJ Lisboa 2023, Rosa Pedroso Lima.

As peças que compõem a estrutura de cada confessionário, e os bancos que lá serão colocados, já estão embaladas e empilhadas, prontas para seguirem diretamente para Belém, onde o parque da Reconciliação estará aberto de 1º a 4 de agosto, entre as 10h e 18h.

Durante este tempo, distribuídos entre os confessionários estarão sacerdotes de diferentes nacionalidades, e, na manhã de 4 de agosto, o próprio papa, disponíveis para ouvir os peregrinos de todo o mundo que desejam receber o sacramento da reconciliação.

Coincidência ou não, foi precisamente em Belém, na igreja do Mosteiro dos Jerónimos, que Silva recebeu o batismo aos 12 anos. Nem ele nem os seus 12 irmãos tinham sido batizados quando bebês e nunca frequentaram a catequese.

Em meio a uma infância complicada, com os pais ausentes e sob os cuidados de uma avó, Silva se lembra do dia em que sua professora de religião perguntou à turma: “Quem ainda não se batizou?” Silva foi o único a levantar a mão e nesse dia voltou para casa pedindo o sacramento.

A avó de Silva não fazia ideia de quem convidar para ser seu padrinho. “Fui uma criança problemática e ela achou que ninguém iria querer, mas sugeri que poderia ser minha professora do primário e lá fomos nós conversar com ela, que aceitou de bom grado... Acabei mantendo contato com ela ao longo da minha vida, até eu ir para a prisão”, lembrou.

Apesar de ter sido batizado, Silva não permaneceu ligado à Igreja. Já adulto, morou alguns anos na Argentina e viveu outro momento que jamais irá esquecer.

“Fui à catedral com minha irmã, que morava em Buenos Aires, e com a família do marido dela, assistimos à missa.” O celebrante foi ninguém menos que o então cardeal Jorge Bergoglio. “Em outras palavras, tive o privilégio de estar com o papa! E a partir daí eu gostei muito dele”, disse.

Catequese tardia e oportunidade certa

Anos depois, morando com outra irmã em Alicante, na Espanha, Silva passava por “uma fase particularmente difícil” e, desesperado, decidiu rezar.

“Eu estava andando na rua e pedi a Deus para me ajudar, para me dar um sinal. No momento seguinte, olho para o chão e vejo uma revista dobrada. Abri e era uma edição da Despertai! da testemunhas de Jeová. Então olhei para o céu e disse a Deus: 'O quê? Tão rápido?'"

Pedro riu ao contar sua história, lembrando com carinho de como foi até a rua onde costumavam estar alguns membros das testemunhas de Jeová e conversou com eles. “A partir de então, todas as semanas eles vinham à minha casa para me ensinar sobre a Bíblia. Foi lá que aprofundei meu relacionamento com Deus”.

Mas quando se mudou para Vigo, outra cidade espanhola, para trabalhar num restaurante, “não tinha tempo para nada” e perdeu a ligação com a religião.

Uma nova fase complicada da vida, marcada por alguns erros, acabou por trazê-lo de volta a Portugal, condenado a seis anos de prisão na cadeia de Coimbra. Foi aí que soube que a Jornada Mundial da Juventude iria ocorrer em Lisboa, embora ainda estivesse longe de imaginar que voltaria a ver o papa que tanto amava. Mas quando veio o desafio dos confessionários e ele foi um dos cinco escolhidos para integrar a equipe que os iria construir, Silva sentiu que era mais um sinal de Deus, e uma nova oportunidade que apareceu quando mais precisava.

“Fiquei muito feliz e grato, e me deixa orgulhoso saber que naqueles confessionários há uma parte de mim e dos meus companheiros”, disse ele.

O fato de ser um trabalho mais bem pago do que o normal na prisão foi uma motivação extra.

“Quando eu soube que iríamos receber dez euros por dia, pensei logo que seria uma boa ajuda para que, quando fosse libertado, não ficasse tão dependente da minha família”, disse.

Feitos de madeira reciclada, fornecida pela Fundação JMJ Lisboa 2023, os confessionários têm uma estrutura simples, que Silva, já acostumado a fazer peças mais complexas na carpintaria do presídio, achou fácil de executar.

“E como temos um colega da equipe que é um carpinteiro de verdade, até melhoramos o que tinha sido desenhado”, disse com orgulho, ao mostrar um dos confessionários já concluído e montado na oficina, para que possa ser fotografado.

Mais presos na JMJ?

Orlando Carvalho, que dirige a cadeia de Coimbra há dez anos, também se orgulha. “Faz parte da tradição deste estabelecimento operar o setor das oficinas, com 13 áreas distintas, entre marcenaria e carpintaria, pelo que aceitamos de imediato quando nos perguntaram se gostaríamos de participar na construção dos confessionários”, disse.

Projetos como este “podem ser transformadores e fazer a diferença na vida dos reclusos, porque para além da componente prática e operacional do trabalho, têm uma dimensão e projeção que outras obras não têm”. No caso deste projeto específico, “além de ser mais bem remunerado do que o habitual, tem uma grande visibilidade pública, o que lhes confere um empoderamento que pode ser muito positivo”, disse.

Como atual diretor do estabelecimento Prisional de Coimbra, Carvalho acredita que “são necessários mais projetos como este, que proporcionem aos detentos experiências positivas e estruturantes e promovam a sua reinserção social”. Até porque “a sociedade ainda não percebeu que, em vez de afastar essas pessoas ou condená-las ao esquecimento, o que ela precisa é dar a elas projetos que agreguem valor tanto do ponto de vista material quanto do ponto de vista emocional”.

“Infelizmente, a visão do papa Francisco sobre prisões e presidiários não é exatamente a predominante…”, lamenta Carvalho, que tem acompanhado os esforços de Francisco para abordar essa “periferia existencial”, e vai além ao dizer que, não apenas Silva, mas também outros presos (que ainda estão presos) deveriam poder participar mais diretamente da JMJ.

“Acho que faria todo o sentido os presos terem uma participação ainda mais ativa, poder estar presente em algum momento da Jornada Mundial da Juventude e ter contato com o papa”, diz. “Agora, cabe à Igreja e à Direção Geral encontrar o quadro ideal para que isso aconteça... Existem maneiras de fazer isso. Nem todos os 560 detentos do nosso estabelecimento puderam ir, mas mesmo que fossem poucos seria um momento importante do ponto de vista simbólico.”

Ele diz que isso, de fato, “seria um sinal”. Não só para Pedro Silva, mas “para todos”.

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