Com motivo do debate que surgiu em torno do restabelecimento da fiscalização patrimonial dos bens da Pontifícia Universidade Católica do Peru, alguns representantes e professores deste centro de estudos assinalaram que sua intenção é defender o atual pluralismo ante a identidade católica do centro estabelecida pela vontade testamental de seu doador, José de la Riva Agüero.

Mediante sucessivos artigos jornalísticos e declarações à imprensa, diversos funcionários da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) assinalaram sua oposição ao dever moral expresso pelo Arcebispo de Lima e Primaz do Peru, Cardeal Juan Luis Cipriani Thorne, de velar pela transparência e o legado testamental que deu origem a PUCP.

A oposição de que seja convocado um Conselho de Administração, que foi estabelecido à perpetuidade, vai junto com o propósito de impedir que este centro de estudo seja regido pelas normas e princípios estabelecidos pela Ex Corde Ecclesiae, a Constituição Apostólica mediante a qual o Papa João Paulo II estabeleceu em 1990, os princípios que devem reger toda universidade que se chame católica.

A aplicação da Ex Corde Ecclesiae veio dilatando-se nesse centro de estudos até a data.

A história

José de la Riva Agüero y Osma, um dos mais importantes intelectuais da história peruana, deixou um significativo patrimônio em herança a PUCP, estabelecendo um Conselho Administrativo formado por pessoas próximas a seu entorno.

O intelectual peruano estabeleceu, entretanto, que "quando tiverem morrido ou estiverem impedidos todos os mencionados, entrarão o Reitor da Universidade Católica e o designado pelo Arcebispo de Lima".

Desde 1944, data da morte de Riva Agüero, os bens deixados em propriedade da Universidade Católica passaram a ser administrados pelo Conselho Administrativo, que fazia a sessão uma vez ao ano, como também assinalava o testamento.

Entretanto, em 1994, o Conselho Administrativo, então integrada por Salomón Lerner Febres, Reitor da universidade, e Carlos Valderrama Adrianzén, "interpretaram a sua maneira o testamento", conforme assinalou recentemente um comunicado da Arquidiocese de Lima, delegando à universidade a administração dos bens e supervisão dos bens deixando para o porta-voz da Igreja Católica as mandatos testamentais.

Segundo o Dr. Henry Bullard, Assessor legal do Arcebispado de Lima, "ambos os personagens esqueceram que o Conselho Administrativo dos bens herdados à universidade é, tal e como o estabelece o testamento de Riva Agüero, perpétua e insubstituível, por isso tal acordo é nulo de pleno direito porque viola direta e abertamente a vontade do testador".

Outros advogados se somaram a esta posição assinalando que modificar a disposição do testador vai contra todo princípio jurídico.

Bullard explicou que "quando os dois membros no Conselho de Administração não ficam de acordo, quem tem o voto de minerva é o Arcebispo de Lima, que é por sua vez Grão Chanceler da universidade; algo que está estipulado no Regulamento do Conselho de Administração vigente, aprovado no ano 1957 e que não foi modificado".

"Foram os próprios membros do conselho quem por unanimidade acordou este regulamento. Questão lógica se tomar em conta que o que exerceria o voto de minerva era cabeça das duas instituições: a universidade e o Arcebispado", assinala Bullard.

Como produto de sua insistência para a realização de uma nova reunião do Conselho Administrativo, o representante nomeado pelo Arcebispo de Lima, Walter Muñoz Cho, foi reclamado pelas autoridades da PUCP, quem o tem acusado ante o Poder Judiciário de "querer intervir nos assuntos que são de competência absoluta da universidade".

"Por mais de meio século o Conselho de Administração exerceu sua obrigação de velar pela boa administração da herança de José de la Riva Agüero y Osma, sem que isto tenha significado um atropelo aos direitos de autonomia da universidade para governar e administrar seus bens", explica Muñoz Cho.

Bullard, por sua parte, explica que "durante doze anos (1994 - 2006) administraram-se os bens da Pontifícia Universidade Católica sem prestar conta a ninguém. Esse foi um dos motivos pelos qual o atual representante do Arcebispado no Conselho de Administração pediu a realização de uma reunião, mas obteve de resposta uma querela".

"Ninguém sabe o que passou com esse dinheiro e com os bens, e a ordem de Riva Agüero era que existisse um Conselho que, além de administrar, fiscalize de maneira direta o comportamento que se tome sobre o que ele deixou em herança", adiciona Bullar.

"Trata-se de cumprir com um mandato testamental. O Arcebispado não tem intenção de discutir a propriedade mas sim à administração da universidade", afirma.

Resposta intolerante

Entretanto, os funcionários da PUCP que intervieram em público assinalaram que sua decisão de resistir o legítimo pedido de contas do Arcebispado responde ao desejo de impedir que a Universidade Católica perca seu "pluralismo" e complete o processo nunca culminado de adequar seus estatutos ao que dispõe a Santa Sé para as universidades pontifícias.

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Conforme explicou o Arcebispado de Lima, a Ex Corde Ecclesiae está orientada a proteger os princípios católicos e da verdade contra o relativismo e outras ideologias, respeitando a liberdade acadêmica no marco de um reto diálogo entre fé e cultura, e entre fé e ciência; realizado sempre da identidade católica.

O diário Correio, por sua parte, revelou que em 1999, o Arcebispado de Lima, através de seus representantes, junto a delegados da Universidade Católica, formaram uma comissão para adequar os estatutos da PUCP às disposições da Santa Sé.

Segundo o diário peruano, "logo depois de várias reuniões, o grupo conseguiu elaborar um documento de consenso para adequar os estatutos da universidade ao pedido papal, entretanto… instâncias superiores do centro de estudos que deveram assinar os documentos não o fizeram", com o que as normas da Santa Sé ficaram sem aplicação.

Em uma entrevista ao diário Correio, o advogado da universidade e antigo funcionário da mesma, Jorge Avendaño assinalou que a PUCP estava regida pelo direito peruano, e que o Arcebispado de Lima "concedeu-lhe o status de católica, como o Estado peruano lhe outorgou o grau de nacional sem que isso signifique que é uma universidade pública. Ao longo de 90 anos houve épocas de maior aproximação à Igreja, não o nego, mas para vincular-se requerem duas partes".

Vários jornais peruanos assinalaram em diversos editoriais que a reação dos funcionários da PUCP ao pedido do Arcebispado tem mais que ver com uma resposta intolerante à perspectiva e direitos da Igreja que com uma disputa patrimonial.

Com efeito, mediante um comunicado, o Arcebispado de Lima assinalou que o pedido legal da Arquidiocese é "um chamado à responsabilidade e veracidade, que é a melhor forma de conviver e resolver os problemas"; frente ao qual os funcionários da PUCP optaram por publicar uma mensagem que "confunde à opinião pública e à mesma comunidade universitária".

O comunicado arcebispal augura que os funcionários "não continuem por este caminho mediático de confundir e ofender a quem não opina como eles".