O conhecido jornalista italiano Vittorio Messori dedicou um de seu mais recentes artigos a derrubar um dos mitos mais difundidos da atualidade: Que os sacerdotes possam casar-se resolverá a crise de vocações”.

No texto, reproduzido pelo jornal espanhol La Razón, Messori recorda que “as comunidades protestantes, as ortodoxas -e também as judias- registram ‘crises de vocações’ iguais, quando não superiores, às da Igreja Católica, apesar de que pastores, popes e rabinos possam aceder ao matrimônio”.

O jornalista sustenta que “o matrimônio, portanto, não seria o remédio à escassez do clero. Nem seria o remédio às desórdens sexuais em certos ambientes religiosos, começando pela pedofilia. Sobre tudo porque esta se manifesta sobre tudo com impulsos homossexuais (os meninos são vítimas em maior grau do que as meninas) e ter uma mulher não seria portanto a resposta adequada. E além disso, porque, como confirmam todas as estatísticas, a grande maioria dos abusos se verifica no seio da família, sobre tudo de pais para filhos e tios para sobrinhos, logo aqui tampouco seria o remédio”.

Messori adverte que “a ‘continência sexual’ não é o simples produto de uma decisão eclesiástica, em muitos casos tardia e limitada ao catolicismo. Trata-se de uma eleição que se remonta às orígens da Igreja que a Tradição mais antiga corrobora e que, durante séculos, foi praticada tanto no Oriente como no Ocidente. Não é um dogma, certamente, senão um aspecto da Tradição que se deve tratar com a devida reverência ao que se considera que se remonta à época apostólica”.

“Na Igreja primitiva, a maior parte do clero estava composto por homens maduros que, acedendo às ordens sagradas, deixavam a sua mulher, com seu consenso, e confiavam sua família à comunidade. Após, estavam chamados a viver em perfeita continência, residindo já não em sua casa, senão em edifícios eclesiásticos”, sustenta Messori citando uma profunda investigação do Cardeal Alfons Stickler, bibliotecário e arquivista emérito do Vaticano.

“Numerosos documentos pontifícios, como o do Papa Sirício, no século IV, aprovam quanto tinha sido estabelecido pelos delegados conciliares. E os padres do Ocidente -Ambrósio, Jerônimo, Agostinho- estão de acordo sobre a virgindade, celibato ou continência não só para os sacerdotes, mas também também para os diáconos. Nunca, assegura Stickler, nem sequer nos documentos mais antigos, nunca isto foi considerado uma novidade, senão sempre um dado indiscutível da Tradição primitiva”, precisa.

Segundo Messori, esta perspectiva derruba a tese “segundo a qual de continência clerical se poderia falar só desde 1139, com o segundo Concílio de Latrão”.

“E o que das Igrejas do Oriente, onde só os monges e os bispos estão obrigados à continência absoluta, enquanto sacerdotes e diáconos podem casar-se, enquanto o matrimônio seja o primeiro e o único, contraído antes da ordenação? Todos os documentos mostram que durante muitos séculos, também naquelas comunidades se discutiu a abstinência praticada no Ocidente e que as exceções que se conhecem se remontam a fontes falsificadas”, adiciona o jornalista.

Messori explica que “só no 691, no Concílio Trullano, estabeleceu-se o que ainda hoje está em vigor para os ortodoxos. Mas houve uma capitulação explícita: que a Igreja do Oriente não tinha a organização hierárquica daquela do Ocidente, e lhe faltavam médios para reprimir os abusos, cada vez mais numerosos. Não só isso: submetida ao imperador bizantino, cedeu aos políticos que julgavam mais controlável a um clero que ‘tinha família’. Se tentou salvar o princípio, impondo a abstinência sexual ao menos no período em que os sacerdotes estivessem exercendo e dizendo missa, e pretendendo castidade de bispos e monges. Uma situação obrigada, não certamente a ideal, como lamentaram e ainda lamentam muitos no Oriente. É curioso que alguns, agora, o considerem desejável também para o Ocidente”.