Ao cumprir o primeiro ano de pontificado de Bento XVI, o jornalista católico italiano Vittorio Messori descreveu em uma entrevista concedida ao jornal Corriere della Sera o que, a seu ver, foi até o momento o estilo, pensamento e "modo de proceder" do atual Pontífice.

O balanço traçado por Messori, artífice de "Cruzando a limiar da esperança", entrevista com João Paulo II, e "Diálogo sobre a fé", entrevista com o Cardeal Ratzinger, inclui algumas comparações entre o estilo do atual Pontífice e seu predecessor.

Dois estilos

O jornalista confessou na entrevista, que difunde em espanhol o jornal La Razón, que "para ser sinceros, há alguns meses também eu me descobri pensando ‘Santidade, por Deus, mova-se um pouco’". "Parecia-me que estava fazendo pouco, mas não é certo. Bento XVI é um homem que não gosta de multidões. Reduziu drasticamente suas aparições públicas e as viagens serão três ou quatro ao ano, mas faz o que João Paulo II descuidava um pouco: estuda os dossiês. É pura escola alemã. toma tempo para o diagnóstico. Tudo o que diz, escreve ele mesmo, sentado em sua escrivaninha. Na ‘Deus caritas est’ está evidente, dá para reconhecer seu estilo", assinala Messori.

Ao dar sua opinião sobre se Bento XVI é um Papa "mais inacessível", o apologeta católico assevera que "só em certo sentido" porque "se nos fixarmos nas imagens de João Paulo II, vê-se como apertava milhares de mãos, às pressas, mas olhando pouco na cara de seus interlocutores. Ratzinger olha nos olhos, sempre. Pára para falar com cada um, quer saber quem tem diante de si. Questão de caráter, suponho. Mas não só isso. Wojtyla era um homem de cristandade: queria que o Evangelho fosse anunciado a todos os povos. Para ele as multidões eram seu hábitat. Bento XVI é um homem de interioridades, um intelectual pós-moderno. Um homem que, se pudesse, falaria sempre de tu para tu".

Entretanto, Messori matiza afirmando que "com isto não quero dizer que Bento XVI não atraia as massas. Navarro-Valls me dizia ontem que as audiências triplicaram e até quadruplicaram. Isto se explica por dois motivos: um, o efeito ímã de João Paulo II, que devolveu Cristo ao centro do debate mundial. Em 78, antes de sua eleição, a crise da Igreja era tremenda: em São Pedro só havia turistas. No ano passado, em seu funeral, já vimos o que ocorreu. O outro motivo explicava muito bem um jornal alemão: ‘Ratzinger, o acadêmico que se entende'. Bento XVI é um professor, mas com um grande respeito por seu interlocutor. Fala com densidade e seriedade, mas esforçando-se por fazer-se entender. E isto a gente percebe", assinala.

Simplificação da Cúria

Em relação à visão do Bento XVI sobre o modelo que a Cúria Romana deve ter, o jornalista assinala que "esta Papa quer simplificar as coisas". "Ratzinger não gosta do barroquismo curial e a hipertrofia burocrática. Procura simplificar, aliviar as coisas", afirma Messori aventurando-se a dizer, entretanto, que uma reforma via documento pontifício seria para o atual Papa algo que "humanamente lhe custará muito esforço" e que será "doloroso".

Sobre o pensamento do atual Pontífice, Messori afirma que "Ratzinger foi sempre um pensador eurocentrista": "É um intelectual, um teólogo ocidental que em seus discursos tem sempre como interlocutor o homem ocidental. Não tem ilusões ‘terceiro-rmundistas’. Sabe que o futuro da Igreja está aqui, apesar de tudo", acrescenta.

Ao explicar as razões disso, o jornalista opina que há algumas de ordem teológica: "Já nos Atos dos Apóstolos parece existir uma advertência misteriosa sobre a prevalência do Ocidente no desenvolvimento da fé".

"Mas existem também motivos históricos –continua–: das novas Igrejas, no fundo, ainda não chegou nada verdadeiramente relevante, nada comparável à vitalidade do catolicismo europeu. A teologia da libertação, vendida como fenômeno sul-americano, do ponto de vista teórico é toda obra de alemães e franceses. A própria Igreja dos Estados Unidos, apesar dos dólares e os 70 milhões de fiéis, não trouxe nunca novidades reais: uma ordem importante, um movimento, um grande teólogo... nada. Por não falar da África e da Ásia. Bento XVI tem as idéias claras: para ele conta mais manter-se firme em uma paróquia das Marcas ou devolver a vida às Igrejas da Inglaterra que conquistar os fiéis em uma diocese africana", afirma. "Possivelmente por isso está procurando devolver à Igreja os lefebvrianos e lança sinais cada vez mais fortes aos ortodoxos", sentencia.

Ecumenismo e diálogo inter-religioso

Ao analisar o pensamento e modo de proceder do Bento XVI sobre o ecumenismo, assinala que "alguns bispos se empenharam durante anos no diálogo com as Iglesias protestantes, mas são um fantasma que se ficaram sem povo: têm professores, mas não têm fiéis. Gastar energias com eles serve de pouco".

Respeito ao Islã, Messori acredita que O Papa "está fazendo o diagnóstico antes de começar com a terapia". "Seguro que sabe que os muçulmanos não são um monólito: isso possivelmente o pensa só Bush, que se ilude e os combate com bombas. De fato, se seguir assim, acredito que se chegará a um choque entre os Estados Unidos e o Vaticano", opina Messori para quem "a verdadeira dificuldade neste âmbito está em encontrar aos interlocutores adequados. O Papa sabe, e os está procurando".

A liturgia não é um show

É óbvio o especial interesse de Bento XVI pela liturgia. Segundo Messori, para este Santo Padre "é uma das maiores traições ao Concílio". Para o jornalista, "o verdadeiro engano é pensar na liturgia como se fosse um show, com o sacerdote que fecha a função dizendo boa tarde a todos e até a próxima, como ocorre em muitas Igrejas".

"Para o Bento XVI –prossegue– a força da Missa está, precisamente, na repetição, em dizer as mesmas coisas todos os dias do mesmo modo, alternando gestos e silêncios. O sacerdote é só um instrumento a serviço do povo. Até o Papa o é. E, de fato, as celebrações papais se tornaram muito mais sóbrias. Dizem-me que os realizadores da RAI estão deslocados, porque este Papa reintroduziu a adoração eucarística dentro da Missa: silêncio e oração diante do sacramento, que é o mais antitelevisivo que pode haver. Porque, o que se faz nesses momentos, foca-se na hóstia e espera?", comenta.

Igreja menos "papacêntrica"

Por último, Vittorio Messori assinala uma diferença de fundo entre os dois pontífices. Sem espionagem de crítica a João Paulo II, a quem se sentiu especialmente próximo, opina que "Ratzinger quer tornar a Igreja menos ‘papacêntrica’. O carisma de Wojtyla, de alguma maneira, fez com que a Igreja se identificasse com um homem, mas Ratzinger procura ser o menos invasor possível. Não quer que a Igreja se converta exclusivamente no homem que a guia".

Entretanto, opina, "possivelmente a maior diferença entre ambos está na própria idéia da fé: João Paulo II era de um temperamento místico, e o místico não precisa raciocinar a fé. Vê. Toca. Constata. Para ele a fé era uma evidência. Não deixava lugar a dúvidas ou perguntas. Para Bento XVI a fé é uma redescoberta diária, que é necessário explicar, buscar as razões. Interroga-se sobre a fé e conhece a possibilidade da dúvida. Não é que ele mesmo duvide, mas se dá conta de que grande parte dos homens ocidentais o fazem. E quer lhes responder também ",conclui.

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