O Dicastério para a Comunicação da Santa Sé publicou ontem (30), um documento que reflete sobre o papel das redes sociais no mundo de hoje.

O texto, assinado pelo prefeito leigo Paolo Ruffini e pelo secretário do dicastério, monsenhor Lucio Ruiz, tem mais de 20 páginas e oferece diversos critérios sobre o tema, embora não pretenda ser "uma guia preciso para o ministério nesta área”.

O objetivo do texto “Rumo à presença plena” é promover “uma reflexão comum sobre nossas experiências digitais, encorajando indivíduos e comunidades a adotar uma abordagem construtiva e criativa que promova uma cultura de amor ao próximo”.

Os temas da reflexão pastoral são o excesso de informação, o deslocamento constante, a falta de atenção aos outros, a realidade dos “influenciadores”, o testemunho de Cristo, a “desintoxicação digital”, a necessidade de silêncio e a importância de ouvir e construir comunidade em um mundo fragmentado; entre outros.

“Um significativo desafio cognitivo da cultura digital é nossa perda de capacidade de pensar profunda e objetivamente. Analisamos a superfície e permanecemos no baixio, em vez de ponderar profundamente sobre as realidades”, diz o texto.

Roubando nossa atenção

O texto diz que a constante demanda pela atenção das pessoas nas redes sociais “é semelhante ao processo mediante o qual qualquer tentação entra no coração humano e desvia nossa atenção da única palavra realmente significativa e vivificante, a Palavra de Deus”.

“Diferentes websites, aplicativos e plataformas são programados para tirar proveito do nosso desejo humano de reconhecimento e lutam constantemente para chamar a atenção das pessoas. A atenção por si só passou a ser o ativo e a mercadoria mais valiosos”, continua.

“Em vez de nos concentrarmos em uma matéria de cada vez, nossa atenção parcial contínua passa rapidamente de um assunto para outro. Em nossa condição de ‘sempre conectados’, temos a tentação de postar de maneira instantânea, uma vez que estamos fisiologicamente viciados em estímulos digitais, desejamos cada mais conteúdo, em uma navegação interminável, e sentimo-nos frustrados por qualquer falta de atualização”.

O texto destaca a necessidade de silêncio e de escolas, famílias e comunidades estabelecerem horários para que as pessoas se desconectem dos aparelhos digitais.

Alerta ainda que o espaço para “a escuta, a atenção e o discernimento deliberados da verdade torna-se raro”.

“Sem o silêncio e o espaço para pensar lenta, profunda e objetivamente, corremos o risco de perder não só as capacidades cognitivas, mas também a profundidade de nossas interações, tanto humanas como divinas”.

Armadilhas da rede social

O documento alerta sobre algumas "armadilhas a serem evitadas" nas redes sociais, como discurso agressivo e negativo compartilhado sob a "cobertura do anonimato".

“Ao longo das ‘rodovias digitais’, muitas pessoas são feridas pela divisão e pelo ódio. Não podemos ignorar isto. Não podemos ser apenas viandantes silenciosos. A fim de humanizar os ambientes digitais, não devemos esquecer quem é ‘deixado para trás’. Só podemos ver o que acontece, se olharmos do ponto de vista do homem ferido na parábola do Bom Samaritano", diz o texto.

O texto destaca como os algoritmos de personalização de conteúdo podem reforçar as próprias opiniões das pessoas sem expô-las a outras ideias, o que às vezes pode levar a "encorajar comportamentos extremos".

Também levanta preocupações sobre como as empresas de redes sociais tratam as pessoas como mercadorias cujos "perfis e dados são vendidos" e diz que as redes sociais "não são gratuitas: estamos pagando com minutos de nossa atenção e bytes de nossos dados".

O texto acrescenta: “A ênfase cada vez acentuada na distribuição e no comércio de conhecimento, de dados e de informações gerou um paradoxo: em uma sociedade onde as informações desempenham um papel tão essencial, é cada vez mais difícil averiguar as fontes e a exatidão das informações que circulam no mundo digital”.

De "influenciador" a testemunha

O texto fala sobre como "cada cristão deveria estar ciente da sua influência potencial, seja qual for o número de seguidores que tiver”.

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“Nossa presença nas redes sociais concentra-se em geral na divulgação de informações. Nesta ótica, a apresentação de ideias, ensinamentos, pensamentos, reflexões espirituais e outras coisas semelhantes nas redes sociais deve ser fiel à tradição cristã. Mas isto não é suficiente”, diz o texto.

O documento recomenda que os cristãos tomem cuidado para serem "atenciosos, não reativos, inclusive nas redes sociais", para garantir que a forma como alguém trata os outros online seja em si um testemunho.

“Todos nós deveríamos prestar atenção para não cair nas armadilhas digitais escondidas em conteúdos intencionalmente concebidos para semear o conflito entre os usuários, causando indignação ou reações emocionais”, continua a reflexão.

“Devemos estar atentos à postagem e à partilha de conteúdos que possam causar mal-entendidos, exacerbar divisões, provocar conflitos e aprofundar preconceitos”, recomenda.

Uma questão que o texto encoraja os cristãos a ponderar é se suas postagens nas redes sociais estão buscando “seguidores” para si ou para Cristo.

“O que significa ser testemunha? A palavra grega para testemunha é ‘mártir’, e é correto dizer que alguns dos mais poderosos ‘influencers cristãos’ foram mártires”.

O texto também exorta as pessoas a lembrarem que “não houve ‘likes’ e praticamente nenhum ‘seguidor’ no momento da maior manifestação da glória de Deus!  Todas as medidas humanas de ‘sucesso’ são relativizadas pela lógica do Evangelho”.

“Ainda que o martírio seja o sinal derradeiro do testemunho cristão, cada cristão é chamado a sacrificar-se: a vida cristã é uma vocação que consome nossa própria existência, oferecendo-nos, de alma e corpo, a fim de nos tornarmos um espaço para a comunicação do amor de Deus, um sinal que aponta para o Filho de Deus”.

Neste sentido, diz o documento da Santa Sé, “compreendemos melhor as palavras do grande João Batista, primeira testemunha de Cristo: ‘Importa que Ele cresça e que eu diminua’ (Jo 3, 30). Assim como o Precursor, que encorajava seus discípulos a seguir Cristo, também nós não procuramos ‘seguidores’ para nós mesmos, mas para Cristo. Só podemos propagar o Evangelho, forjando uma comunhão que nos una em Cristo. Fazemos isto, seguindo o exemplo de Jesus de interagir com os outros”.

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