Quando as Irmãs Beneditinas de Maria, Rainha dos Apóstolos exumaram o corpo de sua fundadora, a irmã Wilhelmina Lancaster, OSB, em 18 de maio, e encontraram o inesperado: quatro anos após sua morte e enterro em um simples caixão de madeira, seu corpo parecia notavelmente bem preservado.

A notícia se espalhou rapidamente nas mídias sociais sobre o estado incomum dos restos mortais da fundadora afro-americana da ordem contemplativa, atraindo centenas de peregrinos ao mosteiro na zona rural do Missouri, EUA.

 

Peregrina venera corpo incorrupto da irmã Wilhlemina Lancaster, OSB, em 20 de maio de 2023 em Gower, no Missouri (EUA). - Crédito da foto: Kelsey Wicks/CNA

 

Ainda há perguntas a serem respondidas sobre se uma investigação científica será feita para examinar seus restos mortais. Enquanto isso, muitas pessoas querem saber mais sobre essa mulher que, aos 70 anos, fundou a ordem de freiras conhecida por seu canto gregoriano no topo das paradas e álbuns de hinos católicos clássicos.

Uma visão de Jesus em sua primeira comunhão

A segunda de cinco filhos nascidos de pais católicos em St. Louis, Missouri, no Domingo de Ramos, em 13 de abril de 1924, Mary Elizabeth Lancaster (ela adotou o nome de Wilhelmina quando fez seus votos) foi criada em um lar profundamente piedoso.

Segundo a atual abadessa, a madre Cecília Snell, OSB, e uma biografia publicada por sua comunidade, a futura irmã Wilhelmina teve uma experiência mística em sua primeira comunhão aos 9 anos, quando Jesus a convidou para ser dele.

“Ela o viu em sua primeira comunhão. Talvez não muito claramente, mas ela viu que ele era tão bonito”, diz a abadessa.

“Ele disse: 'Você quer ser minha?'.

“E ela disse: 'Ele é tão bonito, como posso dizer não?'”.

Após essa experiência, o pároco perguntou a ela aos 13 anos se alguma vez pensou em ser freira. Embora não tivesse pensado nisso, ela foi rapidamente movida pela ideia e escreveu para as Irmãs Oblatas da Providência em Baltimore pedindo permissão para entrar para o convento. “Mas ela era muito jovem, então teve que esperar um pouco mais”.

O trecho da carta revela uma franqueza impressionante e uma fidelidade duradoura, visto que ela morreria depois de viver 75 anos sob os votos religiosos.

“Cara madre superiora. Sou uma menina de 13 anos e gostaria de ser freira. Pretendo ir ao seu convento o mais rápido possível. Vou me formar na escola primária no mês que vem. O que eu quero saber é se preciso levar algo para o convento e o que preciso levar. Espero não estar te incomodando, mas estou decidida a me tornar freira (é claro que sou católica). Deus te abençoe e àqueles sob seu comando. Respeitosamente, Mary Elizabeth Lancaster”, diz a carta.

Uma educação católica e uma vocação por toda a vida

Crescendo sob a segregação racial, Mary Elizabeth certa vez foi insultada com o apelido de “gotas de chocolate” enquanto corria por um bairro branco a caminho da escola e, embora também fosse ridicularizada como a única católica entre os colegas batistas e metodistas, ela se recusou a guardar ressentimento pela forma como foi tratada.

Quando a escola secundária católica local se tornou segregada pelos Irmãos Cristãos e a escola pública parecia ser sua única opção, seus pais fizeram grandes esforços para garantir que sua filha e seus colegas de escola pudessem continuar sua educação católica.

“Meus pais, que não queriam que eu fosse para o colégio público, puseram mãos à obra e fundaram o Colégio Católico St. Joseph para Negros, que durou até o arcebispo Ritter dar fim à segregação na diocese”, conta a irmã Wilhelmina em sua biografia.

Ela se formou como oradora da escola que seus pais ajudaram a fundar e depois entrou para as Irmãs Oblatas da Providência, uma das duas únicas ordens religiosas para mulheres negras ou hispânicas. Ela permaneceria com essas irmãs por 50 anos sob votos.

O hábito e a missa tradicional em latim

Durante seus 50 anos de vida religiosa, a irmã Wilhelmina presenciou as mudanças trazidas pelo Concílio Vaticano II e procurou preservar o hábito, chegando a construir um próprio quando as irmãs pararam de produzi-lo.

“Ela passou tantos anos lutando pelo hábito”, disse a madre Cecília. Segundo ela, a irmã Wilhelmina levou a sério a ideia de que o hábito significa que a portadora é uma noiva de Cristo.

Segundo a biografia da religiosa, ela confeccionou um hábito para si mesma, criando partes do véu com uma garrafa plástica de alvejante, mesmo quando suas irmãs não usavam mais os delas.

Como relatou a revista Catholic Key, da diocese de Kansas City, Missouri, seu hábito caseiro pode ter salvado sua vida quando ela trabalhava como professora em Baltimore, Maryland, e o colarinho rígido de gola alta conhecido como guimpe desviou a faca de um aluno descontente.

A madre Cecilia disse que após anos tentando fazer com que sua ordem voltasse a usar o hábito, a irmã Wilhelmina ouviu falar que a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro tinha iniciado um grupo de irmãs, redescoberto a missa em latim e se apaixonou por isso.

“E um dia, ela fez as malas – e ela tinha 70 anos e foi fundar esta comunidade – simplesmente um salto de fé completo.”

Em 1995, com a ajuda de um membro da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, a comunidade foi fundada. Com o tempo, ela assumiria um carisma mais contemplativo e nitidamente mariano, com especial ênfase na oração pelos sacerdotes.

Em sua proposta para uma nova comunidade, Wilhelmina disse que queria voltar à observância regular, algo que ela pediu durante o capítulo geral das Irmãs Oblatas da Providência.

“O uso do hábito uniforme, a entrega de todo o dinheiro a um ecônomo comum, a obediência à autoridade legal em todos os departamentos, a guarda do recinto e dos tempos e lugares de silêncio, e a convivência em uma autêntica vida fraterna”, escreveu a irmã.

Em suma, em sua nova comunidade, ela imaginou um retorno à disciplina ordinária da vida religiosa.

A nova comunidade, que começou em Scranton, Pensilvânia, seguiu a regra de são Bento e cantou o tradicional Ofício Divino em latim. Em 2006, a comunidade aceitou um convite do bispo Robert W. Finn para se transferir para sua diocese de Kansas City-St. Joseph no Missouri.

Em 2018, sua abadia, a abadia de Nossa Senhora de Éfeso, foi consagrada com a madre abadessa Cecilia como a primeira abadessa com a irmã Wilhelmina sob sua autoridade. Em 2019, sete irmãs deixaram a abadia para estabelecer a primeira casa-filha da ordem, o mosteiro de São José em Ava, Missouri.

Hoje, as irmãs continuam a levar uma vida de silêncio e contemplação, seguindo a regra de são Bento. Elas participam do rito extraordinário da missa e usam o ofício monástico de 1962, com seu tradicional canto gregoriano em latim.

A comunidade gravando um álbum na capela de St. John. - Crédito da foto: Irmãs Beneditinas de Maria, Rainha dos Apóstolos

 

 

Devotada à Mãe Santíssima

A irmã Wilhelmina é lembrada por seu amor a Nossa Senhora, mesmo nos últimos anos de sua vida, quando sofria de uma saúde frágil.

Regina Trout, ex-postulante que cuidou da irmã Wilhelmina e agora é professora de biologia na Purdue University Fort-Wayne, em Indiana, casada e com filhos, lembra-se de vê-la visivelmente emocionada.

“Sempre que falavam com ela sobre Nossa Senhora, era possível ver aquela faísca. Ela amava tanto Nossa Senhora, e isso transparecia com muita força”, disse.

As últimas palavras conscientes da irmã Wilhelmina – "Ó Maria", cantada dois dias antes de sua morte como parte do hino "O Sanctissima" – foram um reflexo de sua profunda piedade mariana, bem como o carisma da música que glorifica a Deus no topo das paradas de sucesso pelo qual as Irmãs Beneditinas de Maria são conhecidas.

“Ela amava nossa Mãe Santíssima”, disse a madre Cecilia. “Isso é o que ela diria a todos que vierem aqui. ‘Rezem o terço. Não se esqueçam de rezar o terço. Amem a Mãe Santíssima. Ela ama vocês’".

“Sua morte foi linda”, disse a abadessa ao Grupo ACI da EWTN. “Deus arranjou tudo”.

“Estávamos cantando 'Jesus, meu Senhor, meu Deus, meu tudo'. Quando chegamos ao resto da canção – 'Se eu tivesse apenas o coração sem pecado de Maria, com o qual te amar, ó que alegria' – ela abriu os olhos e olhou para cima.

“Quero dizer, ela estava em coma. Sabemos que ela podia nos ouvir, mas ela simplesmente não respondeu por alguns dias. E então ela apenas olhou para cima com esse rosto cheio de explosões de amor”.

Para a abadessa, parecia que “ela já estava no céu” naqueles momentos.

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