A encíclica Humanae vitae de são Paulo VI é “audaciosa e profética” e sua mensagem “permanece hoje vigente e atual”, disse o prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer.

Na sexta-feira (19), ele participou na conferência "Humanae vitae, a audácia de uma encíclica sobre a sexualidade e a procriação", organizada em Roma pela Cátedra Internacional de Bioética Jérôme Lejeune. Ladaria falou da "profunda" audácia desta carta publicada por Paulo VI em 1968.

“Para a encíclica, a natureza não está em tensão com a liberdade, mas dá à liberdade os significados que tornam possível a verdade do ato de amor conjugal e permitem que ele se realize plenamente”, disse o prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé.

“Esta é, a meu ver, a verdadeira audácia da Humanae vitae e que dá à encíclica a sua radical atualidade”, acrescentou

O cardeal alertou que “rejeitar a encíclica não significa só aceitar a moralidade da contracepção, mas implica assumir uma antropologia dualista que vê a natureza como uma ameaça à liberdade e que considera que manipulando o corpo podem mudar as condições de verdade do ato conjugal”.

“A possibilidade de um amor com sexo, mas sem filhos, levará à realidade de um sexo sem amor, que não só produziu uma banalização da sexualidade humana, mas provocou uma transformação da compreensão do que é a intimidade sexual e do que são, a nível social, as relações sexuais”.

O cardeal Ladaria lamentou que a rejeição da Humanae vitae não afetou só a visão do amor e da sexualidade humana, mas também "a percepção do próprio corpo".

“A antropologia contraceptiva é uma antropologia dualista que tende a considerar o corpo como um bem instrumental e não como uma realidade pessoal”, disse, acrescentando que o lema “o meu corpo me pertence”, tão citado nos dias de hoje, “reflete precisamente esse caráter instrumental do corpo, esse dualismo, onde o corpo é reduzido à pura materialidade e, portanto, a um objeto suscetível de manipulação”.

Como denunciou o cardeal Ladaria, esta coisificação do corpo traz várias consequências, pois “não só supõe a perda da verdade do amor humano e da família, mas produziu uma diminuição alarmante dos nascimentos e uma multiplicação do número de abortos”.

Soma-se a isso o fato de que “a rejeição da indissolubilidade dos dois significados, proclamada pelo controle da natalidade com o uso de anticoncepcionais, evoluiu para a manipulação artificial da transmissão da vida por meio de técnicas de reprodução assistida”.

O cardeal também disse que, “primeiro foi aceita a sexualidade sem filhos”, depois “foi aceita a produção de filhos sem o ato sexual”.

“A vida produzida não é mais considerada, em si mesma, como uma 'dádiva', mas como um 'produto' e é valorizada em termos de utilidade”, disse.

Para o cardeal Ladaria, “a qualidade de vida se torna assim um conceito discriminador entre vidas que valem a pena viver e vidas indignas e que, portanto, podem ser suprimidas: abortos eugênicos, eliminação de pessoas com deficiência, eutanásia de doentes terminais, etc.”.

“E tudo isto adoçado com certa 'compaixão' para com as pessoas que se encontram nestas situações (eliminando o doente), compaixão para com os seus familiares e para com uma sociedade que vai se livrar de custos desnecessários”, criticou.

Ideologia de gênero e transumanismo

O prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé disse que “essa manipulação do corpo” está “presente em duas ideologias atuais: a ideologia de gênero e o transumanismo”.

“Ambas partem da premissa de que não há verdade que limite a implementação de seus postulados ideológicos. Mais uma vez a liberdade é colocada em oposição à natureza", disse.

Em relação à ideologia de gênero, se ela “pretende que os cidadãos construam socialmente seu próprio sexo, com base em uma suposta neutralidade sexual, então deve negar uma verdade antropológica básica como o dimorfismo sexual (masculino e feminino) típico da espécie”.

Por isso, disse, “a ideologia de gênero nega que a identidade de uma pessoa esteja relacionada com seu corpo biológico: a pessoa é identificada não por seu corpo (sexo), mas por sua orientação. Toda relação com o gênero binário é apagada para proclamar a diversidade sexual”.

Quanto ao transumanismo, “a pessoa é reduzida à sua mente, ou melhor, às suas conexões neurais como suporte para a sua singularidade. A singularidade é agora a essência da pessoa, sem o corpo, que a identifica e que pode ser transferida para outro corpo humano, um corpo animal, um ciborgue ou um simples arquivo de memória”, disse.

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Para o cardeal Ladaria, "nesta antropologia, o ciborgue aparece como sua plena realização", e mesmo "o ciborgue projeta a ideologia de gênero para um futuro pós-gênero", deixando claro que "o transumanismo quer, através do ciborgue, que este futuro também seja pós-humano”.

O cardeal Ladaria disse que “a única resposta possível a essas ideologias é através da redescoberta de uma antropologia integral da pessoa, como propõe a Humanae vitae, como unidade de corpo e alma; Uma antropologia capaz de compreender plenamente a liberdade em integração com a natureza humana. Isso faz parte do valor profético da encíclica”.

Humanae vitae: "Resposta correta" aos "anti-humanismos"

No final da sua mensagem, o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé disse que a Humanae vitae "ainda é vigente porque é a resposta correta, a partir do Magistério, às antropologias dualistas que querem instrumentalizar o corpo e que não são novos humanismos pós-modernos e seculares, mas verdadeiros anti-humanismos”.

“A encíclica propõe uma antropologia da totalidade da pessoa, uma antropologia capaz de combinar a liberdade com a natureza”, disse.