Através de um motu proprio divulgado ontem (12), o papa Francisco modificou pela terceira vez o ordenamento jurídico do Estado da Cidade do Vaticano e o que está estabelecido na lei publicada em março de 2020.

Mudanças notáveis

Com este novo motu proprio, o papa anula uma das maiores novidades da lei de 16 de março de 2020, o regime de tempo integral de ao menos um dos magistrados ordinários do Tribunal e de um dos membros do gabinete do promotor de justiça.

O documento estabelece que o presidente do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica não será mais ipso facto presidente do Tribunal de Cassação do Vaticano.

Com efeito, é revogado o parágrafo 2 do artigo 6, que estabelecia que "pelo menos um dos magistrados ordinários do Tribunal exercerá as suas funções a tempo integral, sem ter uma relação de emprego subordinado ou realizar atividades autônomas de forma contínua”.

É também revogado o parágrafo 3 do artigo 12, que dizia que “ao menos um dos magistrados ordinários do gabinete do promotor de justiça exercerá as suas funções a tempo integral, sem ter uma relação de emprego subordinada ou exercer atividades profissionais livres de forma contínua".

Essa escolha parece um retrocesso, já que a presença de magistrados em tempo integral foi um reforço ao sistema judiciário do Vaticano, que não é um ramo do sistema judiciário italiano ou de outros países, já que o Vaticano é um Estado independente.

Agora, os magistrados do Tribunal do Vaticano também podem estar a serviço de sistemas judiciários de países estrangeiros, podendo inclusive desempenhar diversas funções, por exemplo, como advogados na Itália e "procuradores" no Estado da Cidade do Vaticano.

Será necessário ver como essa decisão será vista a nível internacional por Moneyval, o Comitê do Conselho da Europa, que em seu último relatório sobre o progresso da Santa Sé evidenciou conflitos de interesse para os promotores da justiça e juízes do Tribunal do Vaticano por não trabalharem em tempo integral para a Santa Sé.

O documento divulgado ontem (12) pela sala de imprensa da Santa Sé é o terceiro motu proprio com o qual o papa Francisco altera a reforma da lei que ele mesmo havia promulgado em 2020.

Já em 2021, o papa tinha modificado a lei com duas cartas apostólicas semelhantes. A primeira (“Necessidades Emergentes”, de 8 de fevereiro de 2016) introduziu a possibilidade de obter, sob certas condições, reduções de pena, reformou o julgamento à revelia e previu um cargo único do promotor de justiça.

A segunda (“Segundo a Constituição”, de 30 de abril de 2021) eliminou a norma que previa o julgamento dos cardeais apenas no Supremo Tribunal. Agora, com este terceiro documento, ocorre uma nova simplificação.

Muitos detalhes sugerem um peso maior do cargo de promotor de justiça. A começar pelo fato de que o artigo primeiro do sistema judicial agora estabelece que “o poder judiciário no Estado da Cidade do Vaticano é exercido, em nome do Sumo Pontífice, pelas funções judicantes do tribunal, pelo Tribunal de Apelação e pelo Tribunal de Cassação; para as funções de investigar e processar, pelo Gabinete do Promotor de Justiça”, sendo a última parte sobre as funções de investigação e acusação acrescentada e ausente na lei originária.

É também alterado o parágrafo 3 do artigo 2, que dizia que “os magistrados cessarão as suas funções exclusivamente por vontade soberana e pelas causas de destituição previstas na presente lei”.

Acrescenta-se a possibilidade de haver um membro suplente na lista de magistrados chamados a julgar, embora “em observância do princípio da imutabilidade do juiz e para garantir a razoável duração do julgamento”. A ideia é que se um longo julgamento se estender além do limite de aposentadoria ou permanência de um dos magistrados, a substituição seja feita sem dificuldades.

Há um parágrafo incluído no artigo 10, que permite ao papa nomear um "presidente adjunto durante o ano judicial em que o presidente deve renunciar".

A mesma alteração é introduzida no artigo 14, que define que "o Tribunal de Apelação julga em seção de três magistrados, nomeados pelo presidente do Tribunal tendo em conta a sua competência profissional, a natureza do processo e a data da destituição dos magistrados em relação à duração previsível do julgamento”.

No entanto, diz que "em respeito ao princípio da imutabilidade do juiz e para garantir a razoável duração do julgamento, o presidente pode designar um membro suplente, que participa nos trabalhos da seção e pode julgar em caso de impedimento ou cessação de um magistrado”. Há uma mudança semelhante no artigo 17 sobre a cessação no cargo dos magistrados ordinários.

Também no artigo 8 é revogado o parágrafo 1, que diz que os magistrados ordinários são "nomeados pelo Sumo Pontífice, que os nomeia para o próprio cargo", e também o 5, que dizia que "a Secretaria de Estado, depois de feito as necessárias verificações das qualidades pessoais e da competência dos candidatos, submete a proposta de nomeação ao Sumo Pontífice”. Ainda não está claro, portanto, quem escolherá os magistrados vaticanos.

O tratamento econômico previsto muda, no sentido de que não há "regime de tempo integral".

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Mudanças no Tribunal de Cassação do Vaticano

O motu proprio também modifica o Tribunal de Cassação vaticano, que antes era composto pelo prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, e depois por outros dois cardeais membros do mesmo Tribunal Supremo, nomeados pelo presidente por um período de três anos mandato, e por dois ou mais desembargadores, nomeados por um período de três anos.

Agora, o Tribunal de Cassação é composto por quatro cardeais, todos nomeados pelo papa para um mandato de cinco anos, mas o presidente da Assinatura não está incluído. O próprio papa “nomeia de entre eles o presidente, bem como dois ou mais juízes aplicados, nomeados para um mandato de três anos”. Também aqui está previsto um membro substituto, enquanto o novo artigo 21 estabelece que "em caso de impedimento do Presidente do Tribunal de Cassação, ele será substituído pelo cardeal pertencente ao tribunal mais antigo por nomeação ou, em caso de empate, por idade”.

Também estabelece que, “em caso de impedimento de um juiz, o presidente do Tribunal de Cassação o substituirá por um dos outros juízes do mesmo Tribunal”.

Também há alterações na Lei LII de 10 de janeiro de 1983, que tratava das multas e da prescrição, e acrescenta-se um parágrafo ao número 357 do Código de Processo Penal, que permite ao promotor de justiça apresentar uma solicitação ao Tribunal para que seja emitida uma sentença de absolvição se considerar "que se cumprem as condições para a concessão do indulto judicial" ou se o fato "puder ser considerado menor pela natureza da conduta, pela personalidade do acusado, pelos danos causados à pessoa ofendida ou o perigo causado, bem como qualquer conduta reparadora por parte do acusado”.

Neste caso, o Tribunal está habilitado a proferir "uma sentença irrevogável de extinção, declarando a causa na parte dispositiva", ou ainda "ouvidas as partes, também emitirá sentença irrevogável de absolvição se a ação penal não devesse ter iniciado, não deve ser continuado ou se o delito tiver sido extinto”.

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