O Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral e o Dicastério para a Cultura e a Educação publicaram hoje (30) uma declaração conjunta sobre a “doutrina da descoberta” e a dignidade e direitos devidos aos povos indígenas.

 

A declaração disse que o conceito legal da “doutrina da descoberta” “não faz parte do ensinamento da Igreja Católica” e que a pesquisa histórica mostra que certos documentos papais “escritos em um período histórico específico e ligados a questões políticas nunca foram considerados expressões da fé católica”.

“Em termos inequívocos, o magistério da Igreja defende o respeito devido a todo ser humano”, afirma o documento. “A Igreja Católica, portanto, repudia aqueles conceitos que falham em reconhecer os direitos humanos inerentes aos povos indígenas, incluindo o que ficou conhecido como a 'doutrina da descoberta' legal e política”.

O documento diz que a Igreja está empenhada em ouvir os povos indígenas e promover esforços de reconciliação e cura. Nesse contexto, a Igreja ouviu a necessidade de abordar a chamada “doutrina da descoberta”, acrescenta.

Membros de comunidades indígenas no Canadá pediram ao papa Francisco no ano passado aa condenação da “doutrina da descoberta”.

“O conceito jurídico de 'descoberta' foi debatido pelas potências coloniais a partir do século XVI e encontrou expressão particular na jurisprudência dos tribunais do século XIX em vários países, segundo a qual a descoberta de terras por colonos conferia o direito exclusivo de extinguir, quer por compra ou conquista, o título ou posse dessas terras pelos povos indígenas”, disse a Santa Sé. “Certos estudiosos argumentaram que a base da mencionada 'doutrina' pode ser encontrada em vários documentos papais, como as Bulas Dum Diversas (1452), Romanus Pontifex (1455) e Inter Caetera (1493)”.

 

Embora a declaração diga que esses documentos papais não são considerados expressões da fé católica, a Santa Sé acrescenta que “a Igreja reconhece que essas bulas papais não refletem adequadamente a igual dignidade e direitos dos povos indígenas”.

“A Igreja também está ciente de que o conteúdo desses documentos foi manipulado para fins políticos por potências coloniais concorrentes, a fim de justificar atos imorais contra os povos indígenas que foram realizados, às vezes, sem oposição das autoridades eclesiásticas. É justo reconhecer esses erros, reconhecer os efeitos terríveis das políticas de assimilação e a dor vivida pelos povos indígenas e pedir perdão”, diz o documento.

 

A nota também aponta que existem inúmeras declarações da Igreja e dos papas defendendo os direitos dos povos indígenas, como a bula Sublimis Deus de 1537 do papa Paulo III, que escreveu: “Definimos e declaramos [ ... ] que [, ... ] os referidos índios e todas as outras pessoas que mais tarde venham a ser descobertas pelos cristãos, de modo algum devem ser privados de sua liberdade ou da posse de seus bens, mesmo que estejam fora da fé cristã; e que podem e devem, livre e legitimamente, gozar de sua liberdade e posse de seus bens; nem devem ser de forma alguma escravizados.”

 

O prefeito do dicastério para a Cultura e a Educação, o cardeal José Tolentino de Mendonça, disse em nota separada que a declaração do Vaticano faz parte de uma “arquitetura de reconciliação”.

 

Ele descreve a arte da reconciliação como “o processo pelo qual as pessoas se comprometem a ouvir umas às outras, a falar umas com as outras e a crescer na compreensão mútua”.

 

“As percepções que informam a declaração, são fruto de um diálogo renovado entre a Igreja e os povos indígenas”, disse o cardeal. “É ao ouvir os povos indígenas que a Igreja está aprendendo a compreender seus sofrimentos, passados ​​e presentes, e nossas próprias falhas. É no diálogo cultural que nos comprometemos a acompanhá-los na busca da reconciliação e da cura. Temos que viver a arte do encontro”.

 

A declaração conjunta afirma que “a Igreja Católica se esforça para promover a fraternidade humana universal e o respeito pela dignidade de cada ser humano” em fidelidade ao mandato de Cristo, e é por isso que os papas católicos ao longo da história “condenaram a violência, a opressão, a injustiça social e a escravidão”.

 

“Também houve numerosos exemplos de bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, e fiéis leigos que deram suas vidas em defesa da dignidade daqueles povos” indígenas, afirmou. “Ao mesmo tempo, o respeito pelos fatos da história exige o reconhecimento da fraqueza humana e das falhas dos discípulos de Cristo em todas as gerações. Muitos cristãos cometeram atos malignos contra os povos indígenas pelos quais os papas recentes pediram perdão em várias ocasiões”.

 

Segundo o comunicado, um diálogo renovado com os povos indígenas nos últimos anos, inclusive os indígenas católicos, ajudou a Igreja a compreender melhor seus valores, culturas, sofrimentos passados ​​e presentes.

 

“Como enfatizou o papa Francisco, seus sofrimentos constituem um poderoso apelo para abandonar a mentalidade colonizadora e caminhar com eles lado a lado, no respeito mútuo e no diálogo, reconhecendo os direitos e os valores culturais de todos os indivíduos e povos. A esse respeito, a Igreja se compromete a acompanhar os povos indígenas e a promover esforços para promover a reconciliação e a cura”, afirma o documento.

 

Durante uma visita ao Canadá em julho de 2022, o papa Francisco pediu perdão pelos danos causados ​​aos indígenas canadenses pelos católicos.

 

“Expresso minha profunda vergonha e dor e, junto com os bispos deste país, renovo meu pedido de perdão pelo mal cometido por tantos cristãos aos povos indígenas”, disse o papa em um discurso de 27 de julho de 2022, citando o papel da Igreja Católica na administração de muitas das escolas residenciais patrocinadas pelo governo do país para crianças indígenas.

 

O encontro com altos funcionários do governo e representantes dos povos indígenas no Canadá fez parte de uma “peregrinação penitencial” de uma semana, na qual Francisco também se desculpou publicamente pelos danos causados ​​aos indígenas canadenses e expressou repetidamente sua vergonha e tristeza.

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