O relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal “confirma que perante indícios ou provas de abusos, no passado, houve: desvalorização, encobrimentos ou silenciamentos, ingênuas reparações privadas na ilusão de compensar o dano sofrido pelas vítimas”, disse o arcebispo de Braga, dom José Cordeiro.

O arcebispo publicou uma carta aberta sobre os casos de abusos de menores da Igreja, junto com os bispos auxiliares dom Nuno Almeida e dom Delfim Gomes.

A Comissão Independente publicou no dia 13 de fevereiro o relatório final sobre casos de menores na Igreja entre 1950 e 2022. No total, a comissão recebeu 564 testemunhos, dos quais 512 foram validados. Segundo o coordenador da comissão, o psiquiatra Pedro Strecht, foi possível calcular um “número mínimo” de 4815 vítimas. Em 3 de março, a CI entregou à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) uma lista com nomes de supostos abusadores.

“Reconhecemos que os abusos sexuais não foram tratados como prioridade, arrastando consigo erros, omissões e negligência. Reconhecemos, ainda, que nos últimos dias, houve mensagens confusas e contraditórias e equívocos de comunicação sobre o modo de agir da Igreja perante este flagelo hediondo. Por tudo isso, pedimos perdão”, diz dom Cordeiro na carta.

Para o arcebispo, o relatório “reforça a responsabilidade de cada um de nós”. “Somos todos chamados ao firme compromisso de garantir que as atividades pastorais se desenvolvam sempre em ambientes são e seguros”, disse.

O arcebispo disse que ele e os bispos auxiliares encontraram e ouviram “testemunhos de algumas pessoas que foram vítimas de abuso sexual por membros da Igreja”.

“Conscientes de que o olhar sobre a vítima não pode ser o mesmo que sobre o abusador, ousamos partir da súplica humilde e confiante a Deus para que nos conceda um olhar de compaixão sobre todos: em primeiro lugar as pessoas vítimas, mas também os abusadores e silenciadores, todos os que se escandalizam com a atuação de alguns membros da Igreja, as famílias e a sociedade em geral”, disse.

Recordou ainda que, conforme anunciado pela CEP, haverá no dia 20 de abril uma jornada nacional de oração por todas as pessoas vítimas de abusos de poder, de consciência e sexuais.

Segundo o arcebispo de Braga, “a atual crise dos abusos” é uma “oportunidade para uma evolução ética da humanidade” e “para uma renovação e purificação da Igreja”, exigindo que seja feito “tudo o que for possível para que a infância seja valorada como deve e se consolide, a nível ético e jurídico, o respeito pelas crianças”. 

“Na Igreja e suas instituições, não podemos tolerar uma espécie de conspiração silenciosa, pois o silêncio, nestes casos, mata emocionalmente, tanto como os crimes dos próprios culpados”, disse.

Na arquidiocese de Braga, “será disponibilizado um serviço de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, bem como de acompanhamento espiritual e de reconciliação para as pessoas vítimas que o desejarem”. Além disso, segue o trabalho da Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis da Arquidiocese de Braga (CPMAVAB), criada em outubro de 2019 para receber denúncias de abusos. Desde então, foram ouvidos os testemunhos de 28 pessoas.

A arquidiocese também vai elaborar um “Diretório para um Ambiente Seguro”, que apresentará “as boas práticas éticas e profissionais” dirigidas a todos os que trabalham na arquidiocese, nos seminários, nos colégios católicos, paróquias, centros sociais, instituições particulares de solidariedade social (IPSS), movimentos, instituições, funcionários ou voluntários.

Também “serão implementados programas de formação permanente, que inculquem formas respeitosas de relacionamento com os outros, capacitem para a identificação precoce de possíveis casos de abuso e para a elaboração de mapas de risco, definindo também procedimentos claros de resposta a eventuais denúncias de quaisquer tipos de abuso no seio das comunidades e instituições da arquidiocese”. 

Por fim, ao falar dos supostos abusadores, dom Cordeiro disse que “importante abrir caminhos de reconciliação e de acompanhamento terapêutico” a eles. “A Igreja, ao afastar preventivamente da atividade pastoral um clérigo acusado ou condenado por abusos sexuais de menores, não o pode abandonar, porque a ‘redenção é sempre possível’”, disse. Também destacou que “o princípio jurídico da presunção de inocência até prova contrária é irrenunciável” e “em todas as investigações que antecedem o processo canônico deve garantir-se ao denunciado a proteção da sua boa fama”.

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