Logo após ser eleito papa em 13 de março de 2013, o papa Francisco fez sua primeira viagem internacional em julho do mesmo ano. O destino era o Brasil, para participar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Rio de Janeiro (RJ). O Rio foi o palco a partir do qual Francisco começou a falar sobre alguns dos temas recorrentes de seu pontificado como o ambientalismo, especialmente relacionado à Amazônia, a crítica ao clericalismo, a “cultura do encontro” e a “cultura do descarte”, a valorização dos idosos e o encontro de gerações, e sua visão sobre a homossexualidade expressa em sua famosa frase: “quem sou eu para julgar?”.

Francisco visitou o Brasil de 22 a 28 de julho de 2013. Foi uma visita já marcada por Bento XVI de acordo com o calendário habitual da JMJ.

A viagem marcou o primeiro grande encontro do papa com católicos de todo o mundo. Foi a segunda maior Jornada Mundial da Juventude em número de participantes. Na missa de envio, na praia de Copacabana, havia 3,7 milhões de pessoas. Só na JMJ de Manila, nas Filipinas, em 1995, foram mais pessoas: 4 milhões.

Assim que o papa chegou ao Brasil, no dia 22 de julho, no caminho do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) para a catedral de São Sebastião, o carro que transportava Francisco ficou preso no trânsito do centro da cidade. Uma multidão cercou o veículo e o papa deixou as janelas do carro abertas. Muitos tentaram se aproximar, ver e tocar o papa.

Cada vez que o papa se deslocava pela cidade, multidões se reuniam para vê-lo passar, jogar presentes e tentar de alguma forma se comunicar com Francisco.

Num desses momentos, um menino de nove anos conseguiu não só romper a barreira de segurança e alcançar o papamóvel para se aproximar do papa. Ele falou com o papa e o abraçou. Era Nathan de Brito, que contou ao papa sobre seu desejo de ser padre. O papa disse que rezaria por ele e pediu que rezasse também por sua vocação. Hoje, Nathan é franciscano e logo será ordenado sacerdote.

Durante seus encontros com os jovens em viagem, o papa Francisco deixou mensagens de encorajamento para que permaneçam firmes na fé, no amor de Cristo e sejam missionários em todos os ambientes. “Evangelizar significa testemunhar pessoalmente o amor de Deus, significa superar nosso egoísmo, significa servir, inclinando-se para lavar os pés de nossos irmãos e irmãs, como fez Jesus”, disse ele na missa de envio em 28 de julho.

Na véspera, um imprevisto havia mudado os planos da vigília com os jovens. O evento aconteceria no Campus Fidei, em Guaratiba, Zona Oeste do Rio. Toda a estrutura já estava montada, mas uma forte chuva inundou o local. A vigília foi então transferida para a Praia de Copacabana, permitindo que mais pessoas participassem não só deste momento, mas também da missa de envio.

“Acho que podemos aprender algo com o que aconteceu nestes dias”, disse o papa na vigília. “Por causa do mau tempo, tivemos que suspender a realização desta Vigília no 'Campus Fidei', em Guaratiba. O Senhor não quer nos dizer que o verdadeiro ‘Campus Fidei’, o verdadeiro Campo da Fé não é um lugar geográfico, mas nós mesmos? Sim, é verdade! Cada um de nós, cada um de vocês, eu, todos. E ser discípulo missionário é saber que somos o Campo da Fé de Deus”.

Além da programação da JMJ, o papa Francisco participou da inauguração de um pavilhão no Hospital São Francisco de Assis da Providência de Deus, na Tijuca, dedicado ao atendimento de dependentes químicos.

Ele também foi à comunidade de Varginha, em Manguinhos, onde esteve com os moradores, visitou a casa de uma família, uma capela e parou em uma igreja evangélica da Assembleia de Deus. Francisco rezou com um pároco e pessoas que estavam em frente ao local. Mais tarde, o então porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, disse que este “foi um momento ecumênico, espontâneo e muito bonito”.

Francisco também foi ao Santuário Nacional de Aparecida (SP), no dia 24 de julho. Foi um pedido pessoal do papa. No santuário, venerou a imagem de Nossa Senhora Aparecida encontrada em 1717 no rio Paraíba do Sul, celebrou missa e rezou ato de consagração à padroeira do Brasil.

Temas marcantes

Nos encontros com autoridades, bispos do Brasil e da América Latina, padres e religiosos, seminaristas, o Papa Francisco levantou algumas questões que seriam retomadas ao longo do pontificado.

Em reunião com o episcopado brasileiro, no dia 27 de julho, o papa disse que a Amazônia é um “teste decisivo, um banco de provas para a Igreja e a sociedade brasileira”. Francisco destacou o “chamado a respeitar e salvaguardar toda a criação que Deus confiou ao homem, não para explorá-la rudemente, mas para fazer dela um jardim”.

O papa agradeceu o trabalho feito pela Igreja no Brasil por meio da Comissão Episcopal para a Amazônia, mas também disse que “o trabalho da Igreja deveria ser mais estimulado e relançado”.

“São necessários formadores qualificados, especialmente formadores e professores de teologia, para consolidar os resultados alcançados no campo da formação de um clero indígena, inclusive tendo sacerdotes adaptados às condições locais e consolidando, por assim dizer, o 'rosto amazônico' da Igreja” , ele disse. Essas questões foram retomadas em 2019 com o Sínodo da Amazônia.

Durante sua visita, o papa também mencionou várias vezes a V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e Caribe, realizada em 2007 em Aparecida. O Documento de Aparecida que sintetizava os resultados da conferência teve como chefe da comissão de redação o então cardeal Jorge Mario Bergoglio. “Como você, também sou testemunha do forte impulso do Espírito na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida, em maio de 2007, que continua a animar os trabalhos do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) para a tão esperada renovação das Igrejas particulares”, disse o papa no encontro com os bispos responsáveis ​​do CELAM.

Falando da Conferência de Aparecida, o papa mencionou algumas tentações contra o discipulado missionário: a “ideologização da mensagem evangélica”, o “funcionalismo” e o “clericalismo”. Sobre este último, disse que “a proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos Pastorais se colocam na linha da superação do clericalismo e do crescimento da responsabilidade laical”.

O papa também falou em diferentes ocasiões sobre temas que se tornaram recorrentes no pontificado, como a “cultura do encontro” e a “cultura dos descartáveis”, a valorização dos idosos e o encontro de gerações.

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“Quem sou eu para julgar?”

Nesta viagem ao Brasil, o papa Francisco teve seu primeiro contato com jornalistas no voo papal. De todas as respostas do papa durante a entrevista de volta a Roma, uma frase ganhou repercussão mundial: "Quem sou eu para julgar?" Francisco disse em relação a um hipotético homossexual em busca de Deus. A declaração do papa foi interpretada em geral como uma abordagem mais flexível ao ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade.

A declaração foi uma resposta sobre o “lobby gay” na Igreja. “Muito se escreve sobre o lobby gay. Ainda não encontrei ninguém com carteira de identidade do Vaticano dizendo que é 'gay'. Eles dizem que existe. Eu acho que quando você conhece uma pessoa assim, você tem que distinguir entre o fato de uma pessoa ser gay e o fato de você formar um lobby, porque nem todos os lobbies são bons. Isto é mau. Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar? O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem, dizendo – espere um pouco… como diz… -: ‘Estas pessoas não devem ser marginalizadas por este motivo, devem ser integradas na sociedade’. O problema não é ter essa tendência, não; devemos ser irmãos, porque este é um só; mas se houver outro, outro. O problema é fazer lobby com essa tendência: fazer lobby com pessoas gananciosas, fazer lobby com políticos, fazer lobby com os maçons, tantos lobbys. Na minha opinião, este é o problema mais grave”.

No voo, o papa também falou, entre outras coisas, sobre a participação das mulheres na Igreja. “Não pode limitar-se ao acólito ou ao presidente da Caritas, ao catequista... Não! Deve ser mais, mas profundamente mais, ainda misticamente mais [...]. E quanto à ordenação de mulheres, a Igreja se pronunciou e disse: ‘Não. João Paulo II disse isso, mas com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada”.

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