“É uma ferida aberta que nos dói e nos envergonha. Pedimos perdão a todas as vítimas: às que deram corajosamente o seu testemunho, calado durante tantos anos, e às que ainda convivem com a sua dor no íntimo do coração, sem a partilharem com ninguém”, disse hoje (13) o bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), dom José Ornelas, após a divulgação do relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal.

A comissão independente foi instalada em janeiro de 2022 e, até outubro, coletou testemunhos e analisou de arquivos históricos de instituições católicas, para estudar casos de abusos de menores na Igreja em Portugal entre 1950 e 2022. No total, a CI recebeu 564 testemunhos, dos quais 512 foram validados. Segundo o coordenador da comissão, o psiquiatra Pedro Strecht, desses relatos, foi possível calcular um “número mínimo, muito mínimo, de 4815 vítimas”.

Em coletiva de imprensa na tarde de hoje, o presidente da CEP disse que o relatório final da comissão “exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal”. Segundo ele, este documento “assinala várias consequências destes crimes, que podem ter estado na origem de dramas e sofrimentos incomensuráveis, que marcarão vidas inteiras”.

Dom Ornelas se dirigiu às vítimas e disse que atravessaram em suas vidas “a perversidade, onde nunca deveria ter estado”.

“O vosso testemunho é para nós um pedido de ajuda a que não podemos nem queremos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e a humilhação que foram provocados a vós e às vossas famílias, mas estamos disponíveis para vos acolher e acompanhar na superação das feridas que vos foram causadas e na recuperação da vossa dignidade e do vosso futuro”, disse.

José Ornelas afirmou que “a tolerância zero para com casos de abusos tem de ser uma realidade em toda a Igreja”. “Por isso, não toleraremos abusos nem abusadores”, disse.

O presidente da CEP destacou que “os abusos de menores são crimes hediondos” e “quem os comete têm de assumir as consequências dos seus atos e as responsabilidades civis, criminais e morais daí decorrentes”.

O bispo pediu que os abusadores “reconheçam a verdade sem nada esconder, que se arrependam sinceramente, que peçam perdão a Deus e às vítimas, e que procurem uma mudança radical de vida com a ajuda de pessoas competentes, na certeza de que o caminho da justiça encontrará sempre lugar no coração bondoso de Deus”.

Dom Ornelas também reconheceu que o relatório apresenta um “número muito maior” do que o apurado pela Igreja até agora. “Pedimos desculpa por não termos sabido criar formas eficazes de escuta e de escrutínio interno e por nem sempre termos gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores”, disse, acrescentando que “a mudança está a acontecer”.

José Ornelas disse que a CEP vai analisar o relatório e “procurará encontrar os mecanismos mais eficazes e adequados para promover uma maior prevenção e para precaver os casos que possam ocorrer, com celeridade e respeito pela verdade”.

No dia 3 de março, a CEP fará uma assembleia extraordinária, ao final do retiro do episcopado, para analisar o relatório.

Na coletiva, dom Ornelas ressaltou ainda que, “se é certo que a Igreja não pode tolerar os abusos, que são uma total contradição da nossa identidade e do nosso modo de agir, também é verdade que a vida da Igreja em Portugal não se encerra nesta questão”.

“Há muitas pessoas e instituições eclesiais a dedicar-se aos mais frágeis, aos mais necessitados e aos mais pobres, e a realidade dos abusos não pode fazer esquecer o imenso bem, tantas vezes silencioso, de sacerdotes, religiosos/as e leigos/as empenhados em tantas situações, a quem queremos dar uma palavra de conforto e coragem”, disse.

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