Em um ensaio de 2018 publicado após a sua morte, o papa Bento XVI disse que uma compreensão protestante da Eucaristia e fortes apelos à intercomunhão são frequentemente encontrados juntos.

 

Ao comentar a situação atual da vida eucarística na Igreja Católica, o papa disse: “Um processo de grande impacto é o desaparecimento quase completo do sacramento da penitência”.

 

“Há também o entendimento da Comunhão como meramente ‘uma ceia’. Em tal situação de protestantização muito avançada da compreensão da Eucaristia, a intercomunhão parece natural”, acrescentou.

 

O ensaio de Bento XVI sobre a Eucaristia faz parte de uma série de textos que o papa escreveu após renunciar em 2013. Os ensaios, cartas e reflexões foram reunidos em um único volume, “O que é o cristianismo?”, publicado na Itália em janeiro.

 

Segundo o jornalista italiano Sandro Magister, Bento XVI providenciou para que os escritos fossem publicados após sua morte.

 

A revista italiana L'Espresso publicou um trecho de um dos ensaios, um texto de 17 páginas sobre “o significado da Comunhão”, concluído em junho de 2018, quando a Igreja na Alemanha discutia a intercomunhão: se cônjuges protestantes de católicos poderiam receber a Eucaristia na missa.

 

Em seu ensaio, Bento XVI relembrou outros momentos da história da Alemanha em que houve apelos à intercomunhão e disse que hoje, às vezes, esses mesmos apelos se baseiam mais em forças externas do que no desejo de unidade em Cristo.

 

“Especialmente durante os anos de guerra, no campo evangélico desenvolveu-se uma divisão entre o Terceiro Reich e os que eram chamado de 'deutsche Christen', cristãos-alemães, de um lado, e a 'bekennende Kirche', a Igreja confessante, de outro”, disse Bento XVI.

 

“A divisão levou a um novo acordo entre os cristãos evangélicos e a Igreja Católica. Um resultado foi um impulso em favor da Comunhão eucarística comum entre as confissões. Nesta situação cresceu o desejo de um único corpo do Senhor que hoje, porém, corre o risco de perder o seu forte fundamento religioso e, numa Igreja exteriorizada, é determinado mais pelas forças políticas e sociais do que pela busca interior do Senhor”, disse o papa.

 

Bento XVI descreveu outra ocasião, logo após a reunificação da Alemanha, quando um ato eucarístico, beber do cálice, foi usado “como um ato essencialmente político no qual se manifestou a unidade de todos os alemães”.

 

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“Pensando nisso, ainda hoje sinto de novo com grande força o estranhamento da fé que veio disso. E quando os presidentes da República Federal da Alemanha, que ao mesmo tempo eram presidentes dos sínodos de sua Igreja, clamaram regularmente em voz alta pela Comunhão eucarística interconfessional, vejo como a demanda por um pão e cálice comuns pode servir a outros propósitos”, disse.

 

Bento XVI também notou um crescente apoio, a partir da exegese protestante, à opinião de que as refeições de Jesus com os pecadores prepararam o caminho para a Última Ceia, na qual ele instituiu a Eucaristia.

Argumenta-se que a Última Ceia, então, só é entendida com base nas outras refeições de Jesus no Novo Testamento, “mas não é assim”, disse o papa alemão.

“A oferta do corpo e do sangue de Jesus Cristo não tem relação direta com as refeições com os pecadores”, disse Bento XVI, acrescentando que “Jesus celebrou a Páscoa com sua família, ou seja, com os apóstolos, que se tornaram a sua nova família."

“Assim, ele cumpriu um preceito segundo o qual os peregrinos que iam a Jerusalém poderiam se reunir em grupos chamados 'chaburot'. Os cristãos continuaram essa tradição. Eles são sua 'chaburah', sua família, que ele formou a partir de sua companhia de peregrinos que percorrem com ele a estrada do Evangelho através da terra da história”, disse Bento XVI.

“Assim, a celebração da Eucaristia na Igreja antiga estava desde o início ligada à comunidade dos crentes e, com isso, a condições estritas de acesso”, disse o papa.

No ensaio, Bento XVI também comentou a linguagem usada por católicos e protestantes.

“Nas comunidades eclesiais surgidas da Reforma, as celebrações do sacramento são chamadas de 'Ceia'”, disse.

“Na Igreja Católica a celebração do sacramento do corpo e sangue de Cristo é chamada 'Eucaristia'. Esta não é uma distinção casual, puramente linguística. Na distinção das denominações, ao contrário, manifesta-se uma profunda diferença ligada à compreensão do próprio sacramento”, disse o papa.

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