O papa Francisco teve hoje (2) um encontro de oração com os sacerdotes, seminaristas, diáconos, religiosas e consagrados  na Catedral Nossa Senhora do Congo em Kinshasa. 

A seguir, o discurso completo do papa Francisco:

Queridos irmãos sacerdotes, diáconos e seminaristas,

Amados consagrados e consagradas, boa tarde e uma santa festa!

Estou feliz por me encontrar convosco precisamente hoje, na festa da Apresentação do Senhor, dia em que rezamos de modo especial pela vida consagrada.

Todos nós, como Simeão, esperamos a luz do Senhor para iluminar as trevas da nossa vida; e, mais ainda, todos desejamos viver a mesma experiência que ele teve no Templo de Jerusalém: tomar Jesus nos braços. Tomá-Lo nos braços para O podermos ter diante dos olhos e sobre o coração.

Assim, colocando Jesus no centro, muda a perspectiva da nossa vida e, mesmo no meio das dificuldades e canseiras, sentimo-nos envolvidos pela sua luz, consolados pelo seu Espírito, encorajados pela sua Palavra, sustentados pelo seu amor.

Digo isto pensando nas palavras de boas-vindas pronunciadas pelo Cardeal Ambongo, que agradeço; falou de «enormes desafios» a enfrentar para viver o compromisso sacerdotal e religioso nesta terra, marcada por «condições difíceis e muitas vezes perigosas», por tanto sofrimento.

E contudo, como recordava, há também tanta alegria com o serviço ao Evangelho e são numerosas as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Aqui vemos a abundância da graça de Deus, que opera precisamente na fraqueza (cf. 2 Cor 12, 9) e vos torna capazes, juntamente com os fiéis leigos, de gerar esperança nas situações frequentemente dolorosas do vosso povo.

A certeza que nos acompanha, mesmo nas dificuldades, é-nos dada pela fidelidade de Deus. Diz Ele mediante o profeta Isaías: «Vou abrir um caminho no deserto e fazer correr rios na estepe» (43, 19).

Pensei propor-vos algumas reflexões justamente a partir destas palavras de Isaías: Deus abre caminhos nos nossos desertos e nós, ministros ordenados e pessoas consagradas, somos chamados a ser sinal desta promessa e realizá-la na história do Povo santo de Deus.

Mas, em concreto, a que é que somos chamados? A servir o povo como testemunhas do amor de Deus. Isaías ajuda-nos a compreender como fazê-lo.

Pela boca do profeta, o Senhor vem ter com o seu povo num momento dramático, quando os israelitas foram deportados para Babilónia e reduzidos à escravidão. Movido pela compaixão, Deus quer consolá-los.

De fato, esta parte da obra de Isaías é conhecida como o «Livro da Consolação», porque o Senhor dirige ao seu povo palavras de esperança e promessas de salvação. Começa por recordar o vínculo de amor que O une ao seu povo: «Nada temas, porque Eu te resgatei, e te chamei pelo teu nome; tu és Meu. Se tiveres de atravessar as águas, estarei contigo, e os rios não te submergirão. Se caminhares pelo fogo, não te queimarás, e as chamas não te consumirão» (43, 1-2).

Assim o Senhor revela-Se como Deus da compaixão e garante que nunca nos deixará sozinhos, que estará sempre ao nosso lado como refúgio e força nas dificuldades. Deus é compassivo. Os três nomes de Deus são misericórdia, compaixão e ternura. É um deus compassivo, misericordioso e terno.

 

 

Queridos sacerdotes e diáconos, consagradas e consagrados, seminaristas: por vosso intermédio, também hoje o Senhor quer ungir o seu povo com o óleo da consolação e da esperança.

Sois chamados a fazer-vos eco desta promessa de Deus, a recordar que Ele nos plasmou e a Ele pertencemos, a animar o caminho da comunidade e a acompanhá-la na fé ao encontro d’Aquele que já caminha ao nosso lado.

Deus não permite que as águas nos submerjam, nem que o fogo nos queime. Sintamo-nos portadores deste anúncio no meio das tribulações do povo. Isto é ser servidores do povo: padres, irmãs, missionários que experimentaram a alegria do encontro libertador com Jesus e oferecem-na aos outros.

Lembremo-nos disto: o sacerdócio e a vida consagrada tornam-se áridos, se os vivemos para «nos servirmos» do povo em vez de «servi-lo». Não se trata de uma profissão para ganhar ou ter uma posição social, nem para colocar em situação confortável a família de origem, mas é a missão de ser sinais da presença de Cristo, do seu amor incondicional, do perdão com que nos quer reconciliar, da compaixão com que deseja cuidar dos pobres.

Fomos chamados para oferecer a vida pelos irmãos e irmãs, levando-lhes Jesus, o único que sara as feridas do coração.

Para vivermos assim a nossa vocação, nunca faltarão desafios a enfrentar, nem tentações a vencer. Quero deter-me brevemente nestas três: a mediocridade espiritual, a comodidade mundana, a superficialidade.

Antes de mais nada, vencer a mediocridade espiritual. E como? A Apresentação do Senhor, designada no Oriente cristão como «festa do encontro», recorda-nos a prioridade da nossa vida: o encontro com o Senhor, especialmente na oração pessoal, porque a relação com Ele é o fundamento do nosso agir.

Não esqueçamos que o segredo de tudo é a oração, porque o ministério e o apostolado não são, primariamente, obra nossa nem dependem apenas dos meios humanos. Dir-me-eis: É verdade! Mas os compromissos, as urgências pastorais, as canseiras apostólicas, o cansaço fazem-nos correr o risco de ficar sem tempo e sem energias suficientes para a oração.

Quero, por isso, compartilhar alguns conselhos: em primeiro lugar, mantenhamo-nos fiéis a certos ritmos litúrgicos da oração que cadenciam o dia, desde a Missa até à Liturgia das Horas. A Celebração Eucarística diária é o coração pulsante da vida sacerdotal e religiosa.

A Liturgia das Horas permite-nos rezar com a Igreja e de o fazermos de forma regular: nunca a descuidemos! E não descuremos também a Confissão: sempre precisamos de ser perdoados, para poder dar misericórdia.

Outro conselho: como se sabe, não podemos limitar-nos à recitação ritual das orações, mas é preciso reservar diariamente um tempo intenso de oração, para comunicar de coração a coração com o Senhor: um momento prolongado de adoração, de meditação da Palavra, a reza do Santo Terço; um encontro íntimo com Aquele que amamos acima de todas as coisas. Além disso, quando estamos em plena atividade, podemos também recorrer à oração do coração, a breves «jaculatórias», palavras de louvor, de agradecimento e de invocação que se hão de repetir ao Senhor onde quer que nos encontremos.

A oração tira-nos a nós do centro, abre-nos a Deus, levanta-nos porque nos coloca nas mãos d’Ele. Cria em nós o espaço para experimentarmos a proximidade de Deus, para que a sua Palavra se torne familiar a nós e, por nosso intermédio, a todos quantos encontramos. Sem oração, não se vai longe… Por fim, para superar a mediocridade espiritual, nunca nos cansemos de invocar Nossa Senhora, a nossa Mãe, e d’Ela aprender a contemplar e seguir Jesus.

O segundo desafio é vencer a tentação da comodidade mundana, duma vida cômoda na qual seja possível organizar mais ou menos todas as coisas e continuar em frente por inércia, procurando o nosso conforto e arrastando-nos sem entusiasmo.

Mas, assim, perde-se o coração da missão, que é sair do espaço do eu e encaminhar-se para os irmãos e irmãs exercendo, em nome de Deus, a arte da proximidade. Há um grande risco associado à mundanidade, especialmente num contexto de pobreza e sofrimento: aproveitar-se da função que temos para satisfazer as nossas carências e comodidades.

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É triste quando nos fechamos em nós mesmos, tornando-nos frios burocratas do espírito. Então, em vez de servir o Evangelho, preocupamo-nos em administrar as finanças e realizar qualquer negócio que nos traga vantagem.

Irmãos e irmãs, isto é escandaloso, quando acontece na vida dum padre ou dum religioso, que deveria ser modelo de sobriedade e liberdade interior. Ao contrário, como é belo manter-se transparente nas intenções e livre de compromissos com o dinheiro, abraçando alegremente a pobreza evangélica e trabalhando junto dos pobres!

E como é belo ser luminoso vivendo o celibato como sinal de total disponibilidade para o Reino de Deus! Não suceda que em nós se encontrem, bem enraizados, aqueles vícios que queremos extirpar nos outros e na sociedade. Por favor, vigiemos sobre a comodidade mundana.

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Finalmente, o terceiro desafio é vencer a tentação da superficialidade. Se o Povo de Deus espera ser alcançado e consolado pela Palavra do Senhor, tem necessidade de padres e religiosos preparados, formados, apaixonados pelo Evangelho.

Foi-nos colocado um dom nas mãos e, da nossa parte, seria presunçoso pensar que podemos viver a missão para a qual Deus nos chamou sem trabalharmos diariamente sobre nós mesmos e sem nos formarmos de forma adequada tanto na vida espiritual como na preparação teológica.

As pessoas não precisam de funcionários do sagrado nem de doutores afastados do povo. Somos chamados a entrar no coração do mistério cristão, aprofundar a sua doutrina, estudar e meditar a Palavra de Deus; e, ao mesmo tempo, permanecer abertos às inquietações do nosso tempo, às questões cada vez mais complexas da nossa época, para poder compreender a vida e as exigências das pessoas, para compreender como tomá-las pela mão e acompanhá-las.

Por isso, a formação do clero não é facultativa. Digo isto aos seminaristas, mas vale para todos: a formação é um caminho a percorrer sempre ao longo de toda a vida. Se chama formação permanente.

Os desafios de que vos falei, temos de os enfrentar se quisermos servir o povo como testemunhas do amor de Deus, porque só é eficaz o serviço se passar através do testemunho. Não vos esqueçais desta palavra: o testemunho. De fato o Senhor, depois de pronunciar palavras de consolação, acrescenta: «Quem dentre eles anunciou isto, trazendo aos nossos ouvidos acontecimentos antigos? (…) As minhas testemunhas sois vós» (Is 43, 9.10).

Testemunhas. Para ser bons sacerdotes, diáconos e pessoas consagradas não bastam as palavras e as intenções: antes de tudo, é a própria vida que fala. Queridos irmãos e irmãs, vendo-vos, dou graças a Deus, porque sois sinais da presença de Jesus que passa pelas estradas deste país e toca a vida do povo, as feridas da sua carne. Mas continua a haver necessidade de jovens que Lhe digam «sim», de outros sacerdotes e religiosos que deixem, com a própria vida, transparecer a sua beleza.

Nos vossos testemunhos, lembrastes-me como é difícil viver a missão numa terra tão rica de belezas naturais e recursos, mas ferida pela exploração, a corrupção, a violência e a injustiça. Mas falastes também da parábola do bom samaritano: é Jesus que passa ao longo das nossas estradas, especialmente através da sua Igreja, detém-Se e cuida das feridas dos oprimidos.

Caríssimos, este é precisamente o ministério a que sois chamados: mostrar proximidade e consolação, como uma luz sempre acesa no meio de tanta escuridão. E, para ser irmãos e irmãs de todos, começai por sê-lo entre vós: testemunhas de fraternidade, nunca em guerra; testemunhas de paz, aprendendo a superar até as particularidades das culturas e das proveniências étnicas, porque, como afirmou Bento XVI aos sacerdotes africanos, «o vosso testemunho de vida pacífica, ultrapassando fronteiras tribais e raciais, pode tocar os corações» (Exort. ap. pós-sinodal Africæ munus, 108).

Como diz um provérbio, «o vento não quebra o que sabe curvar-se». A história de muitos povos deste continente foi, infelizmente, vergada e chagada por feridas e violências e, por isso, se há um desejo que sobe do coração, é não ter de o fazer mais, não mais ter de submeter-se à prepotência do mais forte, não mais dever curvar a cabeça sob o jugo da injustiça.

Mas podemos acolher as palavras do provérbio principalmente em sentido positivo: há um curvar-se que não é sinônimo de fraqueza mas de fortaleza; então significa ser flexível, superando a rigidez; significa cultivar uma humanidade dócil, que não se feche no ódio e no rancor; significa estar disponível para se deixar mudar, sem se fechar nas próprias ideias e posições.

Se nos curvarmos humildemente diante de Deus, Ele faz-nos semelhantes a Si, obreiros de misericórdia. Quando permanecemos dóceis nas mãos de Deus, Ele molda-nos e faz de nós pessoas reconciliadas, que sabem abrir-se e dialogar, acolher e perdoar, lançar rios de paz nas estepes áridas da violência.

Deste modo, quando soprarem impetuosos os ventos dos conflitos e das divisões, tais pessoas não podem ser quebradas, porque estão repletas do amor de Deus. Sede vós também assim: dóceis ao Deus da misericórdia, nunca quebrados pelos ventos das divisões.

De coração vos agradeço, irmãos e irmãs, pelo que sois e fazeis, pelo testemunho que dais à Igreja e ao mundo. Não desanimeis; há necessidade de vós! Sois preciosos, importantes: vo-lo digo em nome da Igreja inteira. Espero que sejais sempre canais da consolação do Senhor e testemunhas jubilosas do Evangelho, profecia de paz nas espirais da violência, discípulos do Amor prontos a cuidar das feridas dos pobres e atribulados.

De novo, obrigado pelo vosso serviço e zelo pastoral. Abençoo-vos e levo-vos no coração. E vós, por favor, rezai sempre por mim.