O papa Francisco celebrou hoje (25), solenidade da conversão de são Paulo, as segundas vésperas na basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma, Itália. Com a celebração, o papa concluiu a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

A seguir, o texto completo da homilia do papa Francisco:

Acabamos de ouvir a Palavra de Deus que acompanhou esta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. São palavras fortes, tão fortes que poderiam parecer inoportunas no meio desta alegria que temos de nos encontrar como irmãos e irmãs em Cristo para celebrar uma solene liturgia em seu louvor. Hoje, quando já não faltam notícias tristes e preocupantes, de bom grado dispensaríamos «censuras sociais» da Escritura. Mas, se prestamos ouvidos às inquietações deste tempo em que vivemos, com maior razão deveríamos interessar-nos por aquilo que faz sofrer o Senhor, por Quem vivemos; e se nos reunimos em seu nome, a única possibilidade que nos resta é colocar no centro a sua Palavra. Esta é profética: de facto Deus, pela voz de Isaías, adverte-nos, convidando à mudança. Advertência e mudança são as duas palavras à volta das quais vos quero oferecer algumas ideias nesta tarde.

1. Advertência. Voltemos a escutar algumas das palavras divinas: «Ao pisardes o meu santuário, (…) não Me ofereçais mais dons inúteis. (…) Quando levantais as vossas mãos, afasto de vós os meus olhos; podeis multiplicar as vossas preces, que Eu não as atendo» (Is 1, 12.13.15). O que é que suscita a indignação do Senhor, a ponto de censurar com tons assim indignados o povo que tanto ama? O texto revela-nos dois motivos. Em primeiro lugar, censura o facto de que aquilo que se faz em seu nome, no seu templo, não é o que Ele quer: não deseja incenso nem ofertas, mas que se socorra o oprimido, seja feita justiça ao órfão, seja defendida a causa da viúva (cf. 1, 17). Na sociedade do tempo do profeta, encontrava-se difusa a tendência – infelizmente sempre atual – de considerar abençoados por Deus os ricos e quantos faziam muitas ofertas, e desprezar os pobres. Mas isto é compreender mal o Senhor, que proclama felizes os pobres (cf. Lc 6, 20) e, na parábola do juízo final, identifica-Se com os famintos, os sedentos, os forasteiros, os necessitados, os doentes, os presos (cf. Mt 25, 35-36). Temos aqui o primeiro motivo de indignação: Deus sofre quando nós, que nos dizemos seus fiéis, antepomos a nossa visão à d’Ele, seguimos os critérios da terra em vez dos do Céu, contentando-nos com um ritualismo exterior e permanecendo indiferentes face àqueles que mais Lhe estão a peito. Assim Deus sofre, poderíamos dizer, com tal indiferença resultante do mal-entendido.

Além disso, há um segundo motivo, mais grave, que ofende o Altíssimo: a violência sacrílega. Diz Ele: «As festas e as solenidades são-Me insuportáveis. (…) É que as vossas mãos estão cheias de sangue. (…) Tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas ações» (Is 1, 13.15.16). O Senhor está «irritado» com a violência cometida contra o templo de Deus que é o homem, enquanto Ele é honrado nos templos construídos pelo homem. Podemos imaginar com quanto sofrimento assistirá Ele a guerras e ações violentas empreendidas por quem se professa cristão! Vem-me à mente aquele episódio em que um santo protestou contra a crueldade do rei indo ter com ele, na Quaresma, para lhe oferecer carne, uma oferta que o soberano, em nome da sua religiosidade, recusou indignado. Então o homem de Deus perguntou-lhe por que tinha escrúpulos em comer carne animal, quando não hesitava em condenar à morte filhos de Deus.

Irmãos e irmãs, esta advertência do Senhor dá-nos muito que pensar, como cristãos e como Confissões cristãs. Quero reiterar que «hoje, com o desenvolvimento da espiritualidade e da teologia, não temos desculpas. Todavia ainda há aqueles que parecem sentir-se encorajados ou pelo menos autorizados pela sua fé a defender várias formas de nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos àqueles que são diferentes. A fé, com o humanismo que inspira, deve manter vivo um sentido crítico perante estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a insinuar-se» (Francisco, Enc. Fratelli tutti, 86). Se quisermos, a exemplo do Apóstolo Paulo, que a graça de Deus em nós não seja estéril (cf. 1 Cor 15, 10), devemos opor-nos à guerra, à violência e à injustiça onde quer que se insinuem. O tema desta Semana de Oração foi escolhido por um grupo de fiéis do Minesota, conscientes das injustiças perpetradas no passado contra as populações indígenas e, nos nosso dias, contra os afro-americanos. Frente às várias formas de desprezo e racismo, perante tal indiferença resultante do mal-entendido e a violência sacrílega, a Palavra de Deus adverte-nos: «Aprendei a fazer o bem, procurai o que é justo» (Is 1, 17). De facto, não basta denunciar, é preciso também renunciar ao mal, passar do mal ao bem. Vemos assim que a advertência tem em vista a nossa mudança.

2. Mudança. Diagnosticados os erros, o Senhor pede para lhes pormos remédio dizendo por meio do profeta: «Lavai-vos, purificai-vos (...). Cessai de fazer o mal» (1, 16). E, sabendo-nos oprimidos e como que paralisados por tantas faltas, promete que será Ele próprio a lavar os nossos pecados: «Vinde agora, entendamo-nos – diz o Senhor. Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve. Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã» (1, 18). Queridos amigos, não somos capazes de nos libertar sozinhos dos nossos mal-entendidos sobre Deus nem da violência que se aninha dentro de nós. Sem Deus, sem a sua graça, não saramos do nosso pecado. A sua graça é a fonte da nossa mudança. No-lo recorda a vida do Apóstolo Paulo, cuja conversão hoje celebramos. Sozinhos não conseguimos, mas com Deus tudo é possível; sozinhos não conseguimos, mas juntos é possível. Na realidade, o Senhor pede conjuntamente aos seus para se converterem. A conversão – palavra tão repetida, mas nem sempre fácil de compreender – é pedida ao povo, tem uma dinâmica comunitária, eclesial. Por isso acreditamos que também a nossa conversão ecuménica progredirá na medida em que nos reconhecermos carecidos da graça, necessitados da mesma misericórdia: reconhecendo que todos dependemos de Deus em tudo, com a ajuda d’Ele sentir-nos-emos e seremos verdadeiramente «um só» (Jo 17, 21), seremos irmãos a sério.

É bom abrirmo-nos juntos, no sinal da graça do Espírito, a esta mudança de perspetiva, descobrindo que «todos os fiéis espalhados pelo orbe comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo, de maneira que “aquele que vive em Roma – como escrevia S. João Crisóstomo – sabe que os indianos são membros seus”» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 13; cf. S. João Crisóstomo, in Johannum homiliae 65, 1). Neste caminho de comunhão, agradeço por tantos cristãos de várias comunidades e tradições estarem a acompanhar, com participação e interesse, o percurso sinodal da Igreja católica, que espero se torne cada vez mais ecuménico. Mas não esqueçamos que este caminhar juntos e reconhecer-nos em comunhão uns com os outros no Espírito Santo implica uma mudança, um crescimento que só se pode verificar, como escreveu Bento XVI, «a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspetiva de Jesus Cristo. O seu amigo é meu amigo» (Enc. Deus caritas est, 18).

Que o Apóstolo Paulo nos ajude a mudar, a converter-nos; nos obtenha um pouco da sua invicta coragem. Pois, no nosso caminho, é fácil pormo-nos a trabalhar para o próprio grupo em vez de o fazer pelo Reino de Deus, impacientarmo-nos, perdermos a esperança daquele dia em que «todos os cristãos se congreguem numa única celebração da Eucaristia e unidade de uma única Igreja. Esta unidade, desde o início, Cristo a concedeu à sua Igreja» (Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Unitatis redintegratio, 4). Ora com os olhos postos precisamente naquele dia, coloquemos a nossa confiança em Jesus, nossa Páscoa e nossa paz: enquanto O invocamos e adoramos, Ele atua. E conforta-nos o que Ele disse a Paulo, podendo ouvi-lo dirigido a cada um de nós: «Basta-te a minha graça» (2 Cor 12, 9).

Queridos amigos, quis partilhar com espírito fraterno estes pensamentos suscitados em mim pela Palavra, para que, advertidos por Deus, mudemos pela sua graça e cresçamos, juntos, na oração, no serviço, no diálogo e no trabalho para aquela unidade plena que Cristo deseja. Agora quero agradecer-vos de coração… Expresso o meu reconhecimento a Sua Eminência o Metropolita Polykarpos, Representante do Patriarcado Ecuménico, a Sua Graça Ian Ernest, Representante pessoal em Roma do Arcebispo de Cantuária, e aos Representantes das outras Comunidades cristãs presentes. Exprimo viva solidariedade aos membros do Conselho Pan-Ucraniano das Igrejas e das Organizações religiosas. Saúdo os estudantes ortodoxos e ortodoxos orientais bolseiros do Comité para a Colaboração Cultural com as Igrejas Ortodoxas do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e os do Instituto Ecuménico de Bossey do Conselho Ecuménico das Igrejas. Uma saudação amiga também a Frére Alois e aos irmãos de Taizé, empenhados na preparação da Vigília ecuménica de oração que precederá a abertura da próxima sessão do Sínodo dos Bispos. Caminhemos, todos juntos, pela via que o Senhor nos propôs: a da unidade.

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