Neuer Anfang (novo começo), movimento leigo de católicos alemães, cunhou o termo “cisma sujo” para descrever o que consideram o pior resultado possível do Caminho Sinodal Alemão, processo de discussão de bispos e alguns leigos que já propôs a mudança da doutrina sexual da Igreja, a ordenação de mulheres e o fim do celibato sacerdotal.

Depois que os bispos alemães recusaram em novembro passado um pedido da Santa Sé de uma “moratória” no Caminho Sinodal Alemão, o Neuer Anfang teme que decisões heterodoxas do Caminho Sinodal se tornem norma em toda a Alemanha sem que a Santa Sé intervenha. Bispos heterodoxos ainda governariam canonicamente a maior parte das dioceses da Alemanha, e ideias que violam a fé universal seriam apresentadas como autêntico ensinamento da Igreja e fiéis católicos alemães enfrentariam repressão.

“Na verdade, haveria dois magistérios: o católico romano, que é forçado a existir em um nicho na Alemanha, e o muito presente magistério 'diferentemente católico' do Caminho Sinodal Alemão, que é promovido pela mídia secular e eclesial”, disse o grupo em uma coletiva com jornalistas católicos americanos no início da semana. “Diferentemente católico” foi a expressão usada pelo bispo de Limburg, dom Georg Bätzing, presidente da conferência dos bispos alemães, sobre o resultado do Caminho Sinodal Alemão.

O cisma sujo criaria condições em que os fiéis católicos alemães sentiriam o dever de “deixar a igreja”, entendida como corpo eclesial publicamente reconhecido, “para permanecer na Igreja”.

Mesmo que as proposições do Caminho Sinodal sejam tecnicamente não-obrigatórias, os membros da Neuer Anfang esperam que haja uma “implementação de fato” generalizada na maioria das dioceses da Alemanha.

Alguns bispos alemães, como o bispo Bätzing, vão implementar as propostas heterodoxas do Caminho Sinodal em suas dioceses porque acreditam que estão corretas. De fato, depois que uma medida para promover uma visão heterodoxa da sexualidade humana não conseguiu o apoio necessário de dois terços do episcopado da Alemanha na assembléia do Caminho Sinodal Alemão de setembro de 2022, o bispo Bätzing disse à mídia que o texto rejeitado seria uma “realidade” em sua diocese de Limburgo. O disse saber que vários outros bispos fariam o mesmo.

A maioria dos bispos alemães provavelmente vai aceitar as proposições do Caminho Sinodal não por razões ideológicas, mas porque não resistirão à pressão.

A pressão vem da mídia secular, mas talvez mais de dentro das instituições oficiais da Igreja alemã, incluindo a mídia católica e as equipes de escolas católicas e chancelarias diocesanas.

Em parte porque esses setores são enriquecidos pelo kirchensteuer , ou "imposto da igreja" cobrado pelo governo, a Igreja Católica na Alemanha emprega quase 800 mil pessoas. Segundo Bernhard Meuser, membro do Neuer Anfang, que falou na coletiva de imprensa, muitos desses funcionários da Igreja não acreditam na doutrina da Igreja Católica, nem participam da vida sacramental da fé.

Esses “funcionários assalariados da igreja”, como Meuser os descreveu, dominam o Zentralkomitee (Comitê central) dos católicos alemães que controla a participação dos leigos no Caminho Sinodal Alemão. Meuser diz que esse grupo se aproveitou da fraqueza do episcopado alemão após seu fracasso em abordar adequadamente a crise dos abusos sexuais para “iniciar uma luta brutal pelo poder por meios políticos”.

Meuser, que é um sobrevivente de abuso sexual clerical, rejeitou as alegações de que as mudanças propostas pelo Caminho Sinodal Alemão sejam necessárias para abordar as causas do abuso .

Birgit Kelle, porta-voz do Neuer Anfang, disse que a maior pressão sobre a assembleia sinodal e nas dioceses locais vem da #OutInChurch, um grupo de defesa de funcionários e ativistas eclesiais LGBT que, segundo Kelle, “quer continuar a trabalhar para a Igreja e, ao mesmo tempo, ter seu comportamento sexual imoral validado”.

“Estamos falando de uma aquisição hostil da Igreja Católica pelo lobby LGBT sob o pretexto de um debate sinodal”, diz Kelle, que espera que a pressão sobre os bispos aumente nos próximos meses, à medida que o processo sinodal for sendo concluído.

Kelle acrescenta que medidas para “cortar qualquer resistência pela raiz” já estão nos textos propostos pelo Caminho Sinodal Alemão. Um dos textos do Caminho Sinodal Alemão diz que, quem não aceita a visão heterodoxa da sexualidade e do sacerdócio, “não deve poder ocupar cargos de responsabilidade e liderança”. Se implementada, esta medida se aplicaria a bispos e professores de seminários.

A fim de impor sua nova visão da sexualidade e do sacerdócio, o documento pede cooperação com “agências antidiscriminatórias estatais e da sociedade civil”, permitindo efetivamente que o Estado alemão policie o ensino e as políticas dentro da vida da Igreja na Alemanha.

Da mesma forma, uma nova lei trabalhista da igreja aprovada pelos bispos alemães em novembro também poderia ser usada como arma para impedir o ensino autêntico da antropologia e sexualidade católicas e punir aqueles que o fizerem. Já adotada em 14 das 27 dioceses, de acordo com Kelle, a estrutura legal afirma efetivamente que a moralidade pessoal e o estilo de vida sexual não podem ser considerados ao determinar a adequação para ter um emprego na Igreja.

Neuer Anfang caracteriza o episcopado como praticamente incapaz de resistir às decisões do Caminho Sinodal Alemão por uma mudança heterodoxa sem a intervenção direta de Roma, algo afirmado pelo testemunho de um delegado do Caminho Sinodal Alemão.

“O silêncio predominante dos bispos provavelmente remonta a essa percepção de terem se enredado em uma situação que, no estado atual das coisas, não pode mais ser corrigida por eles. É um silêncio inquieto, um silêncio cheio de terror”, diz o delegado sob condição de anonimato.

Para o Neuer Anfang, os católicos fiéis ao magistério e à Igreja universal seriam forçados a “retirar-se de seu ambiente eclesial concreto (paróquia, diocese)” para formar “uma espécie de 'Igreja subterrânea' através de canais não oficiais e relações pessoais.”

Da mesma forma, a participação no ministério da Igreja reconhecido publicamente, incluindo o sacerdócio, “não seria mais uma opção para os fiéis católicos”. Sacerdotes e religiosos que desejam permanecer fiéis à Igreja universal “se encontrariam em uma armadilha existencial”, presos entre a fidelidade à verdade católica e a obediência aos seus superiores legítimos. E a Igreja como instituição na vida alemã se tornaria “sem forma”, sem identidade clara e incapaz de evangelizar, pois sua relevância continuaria a afundar “nas profundezas do abismo”.

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Mas Neuer Anfang prevê que um “cisma sujo” teria um efeito prejudicial muito além das fronteiras da Alemanha.

“As doenças na parte alemã do Corpo de Cristo se espalhariam como um abscesso ao longo de fendas anatômicas… até que o abscesso se tornasse uma doença sistêmica da Igreja universal”, diz o grupo.

A discussão durante o briefing levantou preocupações sobre a influência que o Caminho Sinodal Alemão, que o teólogo Martin Brüske descreve como “uma síntese intrigante de apostasia e cisma”, poderia ter no Sínodo da Igreja universal sobre a sinodalidade convocado pelo papa Francisco e já em curso. As contribuições financeiras significativas da Igreja Católica na Alemanha em todo o mundo poderiam impedir a oposição global à doutrina errônea do Caminho Sinodal Alemão que estão sendo empurrados para a Igreja em geral.

Por exemplo, dois autores alemães publicaram um artigo em 20 de janeiro na revista católica britânica The Tablet sobre como o processo sinodal alemão poderia contribuir para a “transformação” na Igreja universal.

Neuer Anfang reconhece que bons frutos poderiam surgir em um clima de apostasia e perseguição na Alemanha, como aconteceu em outros períodos históricos de grave desafio dentro da Igreja. Redes de “pessoas afins”, fiéis à Igreja universal poderiam se formar, levando “das ruínas a uma nova intensidade da Igreja”, e os católicos alemães seriam levados a optar por praticar sua fé com força renovada, em oposição à cultura convencional.

Mas o grupo também deixa claro que, embora Deus possa tirar o bem do mal, seria melhor resistir a esse mal.

“Um ‘cisma sujo’ é a pior opção possível e, ao mesmo tempo, a mais provável se Roma não intervier de forma clara”, afirma o movimento leigo.

Neuer Anfang considerou dois outros resultados possíveis do Caminho Sinodal Alemão: reconciliação e cisma formal.

 

A reconciliação exigiria que Roma agisse “de forma resoluta”, por exemplo, exigindo uma profissão de fé e juramento de fidelidade para todos os que ocupam cargos de pastoreio e ensino, ordenando uma visita geral à Igreja Católica na Alemanha, ou depondo todos os bispos do cargo e apenas restabelecendo aqueles que se submetem a Roma.

No entanto, embora a reconciliação seja claramente o resultado mais desejável, Neuer Anfang diz que é “dificil de imaginar em termos humanos” neste momento, dada a paralisia demonstrada pelo episcopado alemão ao longo do processo, e a nenhuma garantia de que Roma responderá com determinação suficiente.

O grupo também considerou a possibilidade de um cisma formal, o que exigiria que Roma agisse de forma decisiva se os bispos alemães rejeitarem uma exigência de unidade com a Igreja universal. Neuer Anfang diz que as consequências negativas de tal movimento seriam “drásticas”, com cada diocese precisando determinar se será “com Roma ou contra Roma”, e o início de uma deliberação confusa de qual corpo eclesial seria oficialmente reconhecido como a “Igreja Católica” sob a lei alemã.

Mesmo assim, o grupo sustenta que um cisma formalmente estabelecido seria a “solução mais direta” para “esclarecer a situação da Igreja particular alemã”.

“Em todo caso, um cisma formal pelo corte bem traçado leva a uma purificação interna da Igreja, a uma rejeição do modelo de Igreja Popular e a um aguçamento do perfil eclesiástico de ambas as partes, o que deixaria em evidência opções visíveis entre as quais se deve decidir”, diz Neuer Anfang.

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