“Não vou descansar até que a história seja totalmente esclarecida” disse uma das mulheres que acusam o padre jesuíta esloveno e artista plástico Marko Rupnik, de 68 anos, de abusos.

A denunciante fazia parte da Comunidade Loyola, instituto de vida religiosa para mulheres funado no início dos anos 90 pelo padre Rupnik e a irmã Ivanka Hosta, em Ljubljana, Eslovênia. A mulher, que pediu para se manter anônima, diz conhecer ao menos três outras vítimas.

O jesuíta era capelão da comunidade e é acusado de ter abusado de pelo menos nove mulheres da comunidade. Uma delas teria tentado se suicidar por causa dos abusos.

Em 1993, Rupnik deixou a Comunidade Loyola e foi para Roma junto com várias das religiosas. Lá, ele criou o Centro Aletti, dedicado à promoção da arte religiosa e sua conexão com a espiritualidade inaciana.

Em 2020, ex-membros da Comunidade Loyola recorreram à Santa Sé para denunciar abusos da época em que o padre Rupnik havia sido o capelão.

A Santa Sé nomeou então o bispo auxiliar de Roma, dom Daniele Libanori, também jesuíta, como comissário apostólico.

A denunciante disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, que o padre e artista “era muito amigo da fundadora, irmã Ivanka Hosta, e de toda a comunidade, tinha um caráter carismático e muito solene”.

“Ele era uma presença permanente na Comunidade Loyola. Como parte de sua missão na época, ele dava exercícios espirituais, especialmente para os jovens”, contou.

“As reuniões para os exercícios espirituais aconteciam fora da Comunidade e podiam durar até três ou quatro dias, e nessas reuniões uma das irmãs às vezes o acompanhava”.

Sobre as objeções morais em relação ao ocorrido, disse que “naqueles anos eu não era consciente de que estava acontecendo o que está surgindo hoje”.

"É evidente que agora tenho essas objeções, por isso eu não vou descansar até que a história seja completamente esclarecida", disse ela.

A mulher disse que o padre Marko Rupnik “saiu da Comunidade Loyola em 1993, o que aconteceu depois não sabemos”.

Ela contou à ACI Prensa que foi recebida no Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que trata dos casos que se referem a congregações religiosas, como os jesuítas.

“Eles foram muito amáveis, conversamos por duas horas, mas a situação é a que vemos hoje, totalmente pendente, especialmente no que diz respeito ao futuro da Comunidade Loyola”, disse.

Por fim, falou sobre o fato de que o padre Rupnik teria confessado sacramentalmente uma das mulheres abusadas sexualmente por ele, por isso poderia ter incorrido na excomunhão automática, conhecida no direito da Igreja Católica como latae sententiae.

“Nem sequer sabemos se é calúnia. Eu poderia saber se eu fosse o sujeito confessado, mas nesse caso não poderia responder porque existe o sigilo sacramental”, concluiu.

Em carta enviada no ano passado ao papa Francisco, a mulher disse que "por causa da recusa em ouvir tanto o sofrimento de muitas irmãs quanto a voz da Igreja através dos pastores que pedem uma profunda refundação, senti pessoalmente a necessidade de me distanciar e pedi exclaustração”, isto é, o fim de sua relação com a comunidade religiosa.

Ela falou ao papa Francisco na carta sobre viver 30 anos “em um contexto de tensão constante, confronto entre irmãs, despersonalização progressiva a ponto de não reconhecer nenhum sentido na vida comunitária”.

“A comunidade em seus inícios também esteve marcada por abusos de consciência, mas também emocionais e supostamente sexuais por parte do padre Marko Rupnik”, diz a carta.

Ela disse que a responsabilidade do padre Rupnik “nunca foi totalmente esclarecida, pelo contrário, foi praticamente acobertada e não denunciada pelos diretamente envolvidos, nem pela irmã Ivanka, que tinha conhecimento disso”.

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A mulher contou ao papa Francisco que as vítimas eram “meninas frágeis por causa de sua cultura e suas histórias pessoais muito complexas e dolorosas, que podem mais facilmente ficar presas em relações de dependência e submissão absoluta”.

Pediu ainda, "a partir da dolorosa experiência e situação em que se encontra a Comunidade de Loyola, que sejam utilizados todos os meios para devolver a voz, a dignidade e a liberdade de consciência a estas e a todas as outras, muitas, vítimas destes novos movimentos e comunidades religiosas”.

“Ao longo dos anos, vários membros da Comunidade Loyola obscureceram o significado profético da vida religiosa, tornando a comunidade um lugar de ausência de comunhão, verdade, vida, criatividade e esterilidade”, denunciou.

Marko Rupnik fundou, em Roma, o Ateliê de Arte Espiritual Aletti, responsável por muitas obras de arte sacra pelo mundo.

Em 1996, são João Paulo II o encarregou da reforma do mosaico da Capela da Redemptoris Mater, no Palácio Apostólico do Vaticano.

O padre jesuíta foi o autor do logotipo para o Jubileu da Misericórdia convocado pelo papa Francisco, de 8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016. Também foi encarregado de criar a imagem oficial do X Encontro Mundial das Famílias (EMF) que aconteceu em Roma de 22 a 26 de junho de 2022.

Na Itália, Rupnik projetou a rampa e a cripta da igreja inferior de são Pio de Pietrelcina, em San Giovanni Rotondo, onde milhares de fiéis católicos veneram o santo com os estigmas.

O ateliê de Rupnik é responsável pelo altar-mor do Santuário da Santíssima Trindade em Fátima, Portugal, que fica em frente ao local das aparições de Nossa Senhora.

O Centro Aletti, dirigido por Rupnik, também renovou a capela principal do edifício da Conferência Episcopal Espanhola, em Madri. Rupnik decorou a sacristia maior, a sala capitular e a capela do Santíssimo Sacramento da catedral de Santa Maria a Real de Almudena, também em Madri.

No Brasil, Rupnik fez os mosaicos das fachadas da basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP), cuja primeira parte foi inaugurada em março último. O jesuíta recebeu o título de doutor honoris causa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná em cerimônia do dia 30 de novembro último.

O Santuário da Santa Casa de Loreto, Itália, tem programado que o padre Marko Rupnik pregue Exercícios Espirituais de 13 a 17 de fevereiro de 2023, mas o padre Rupnik tem que se abster de participar de eventos públicos por causa das acusações de abuso. Ele não pode confessar, ser diretor espiritual, nem pregar.

Dom Libanori disse à ACI Prensa em 9 de dezembro que "normalmente, o programa de retiros espirituais é elaborado com ao menos um ano de antecedência”.

“Eu realmente não acho que os organizadores pudessem ter imaginado o que foi tornado público nestes dias", disse Libanori. "Também não sei se, após os eventos que surgiram e foram tornados públicos, o curso planejado será mantido ou se o padre Rupnik será substituído".

Libanori disse ainda que o comissionamento da Comunidade Loyola não foi mantido em segredo: "O comissionamento da Comunidade Loyola foi tornado público no foro apropriado, ou seja, a Igreja. Eu mesmo informei devidamente a todos os bispos em cujas dioceses existe uma casa do Instituto".

As perguntas que permanecem em aberto no caso do padre Marko Rupnik poderiam ser respondidas pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, disse recentemente à ACI Prensa o padre jesuíta Hans Zollner. "É óbvio que o Dicastério para a Doutrina da Fé tem que responder".

Para Zollner, a Companhia de Jesus "disse o que podia dizer e, pelo que vejo, as explicações sobre a que chegaram com a sentença devem ser dadas pelo dicastério".

“Eles que determinaram que os fatos prescreveram. A Companhia de Jesus não pode fazer isso, é competência do dicastério”, disse.

“Isso é segundo a minha opinião, porque não sou um especialista, mas o dicastério deve responder”, concluiu o padre Zollner. As cartas enviadas ao papa Francisco em 2021 ainda não receberam uma resposta.

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