Uma investigação baseada em fontes seculares e da Igreja na Polônia refuta a acusação do jornalista holandês Ekke Overbeek de que o papa são João Paulo II encobriu abusos sexuais quando era arcebispo de Cracóvia, entre 1964 e 1978.

Overbeek, que vive na Polônia, publicou na sexta-feira (2) artigo dizendo ter encontrado “casos específicos de padres na arquidiocese de Cracóvia, onde o futuro papa era arcebispo, que abusavam de crianças. O futuro papa sabia disso e ainda assim os transferiu, o que levou a novas vítimas”.

Overbeek refere-se ao padre Eugeniusz Surgent e "muitos outros" que Karol Wojtyla teria "encoberto".

O serviço noticioso NOS da Holanda, que publicou as declarações de Overbeek, diz que ele teria investigado durante três anos em "arquivos poloneses".

"Quase todos os documentos que foram coletados diretamente sobre Wojtyla foram destruídos. Mas ele é mencionado com muita frequência em outros documentos que sobreviveram, e se os colocamos todos juntos, são peças de um quebra-cabeças que formam a imagem de como lidou com isso”, diz Overbeek. Ele não revela a que arquivos se refere.

Uma investigação jornalística desmente as acusações

Tomasz Krzyżak e Piotr Litka do jornal Rzeczpospolita (República) publicaram uma investigação que responde às acusações de Overbeek e concluiu o contrário: São João Paulo II não encobriu abusos e foi firme ao lidar com esses casos quando era arcebispo de Cracóvia,.

Um primeiro ponto levantado pelos jornalistas poloneses é que Surgent não era da arquidiocese de Cracóvia, mas da diocese de Lubaczów.

Mesmo assim, o então cardeal Wojtyla também tomou algumas decisões a respeito dele e "parece ter demonstrado de forma bastante convincente que agiu dentro do âmbito de suas competências e deixou a última palavra sobre uma eventual punição ao padre ao seu ordinário, o bispo de Lubaczów”.

Os jornalistas dizem que “sobre o fato de Surgent trabalhar em outras duas dioceses, o então arcebispo metropolitano de Cracóvia nada pôde fazer”.

Os jornalistas referem-se então a um caso paradigmático da firmeza do então cardeal Wojtyla: o do padre Józef Loranc, acusado de ter abusado de algumas meninas.

“A falta de medidas punitivas do tribunal eclesiástico não anula o crime nem cancela a culpa”, escreveu o cardeal Wojtyla a Loranc numa carta em 1971, depois que ele foi libertado da prisão.

Para Krzyżak e Litka, "esta conduta" do futuro são João Paulo II "difere significativamente da prática, então comum, de clemência para com aqueles que cometeram tais crimes".

No caso de Loranc, que sempre foi sacerdote da arquidiocese de Cracóvia até sua morte em 1992, “o cardeal Wojtyla tomou decisões imediatas, de acordo com o direito canônico. E embora pouco a pouco revogasse as penas canônicas e mostrasse ampla misericórdia, ele sempre permaneceu vigilante”.

Quando o cardeal Wojtyla soube do caso em 1970, ele mandou Loranc para junto de sua mãe para aguardar sua decisão.

Numa carta, o futuro são João Paulo II disse que Loranc foi "suspenso e não pode exercer nenhuma função sacerdotal" e "deve residir por um certo período no mosteiro e fazer exercícios espirituais e receber ajuda".

Os jornalistas dizem que "nesse momento Wojtyla tomou todas as decisões necessárias: afastamento rápido do padre da paróquia, suspensão até que o assunto seja esclarecido e obrigação de residir em um mosteiro", onde foi preso pelas autoridades civis.

O caso não chegou à Santa Sé porque na época não existia a disposição que ordena ao agora Dicastério para a Doutrina da Fé, então Congregação para a Doutrina da Fé, julgar os casos de abusos, que só foi estabelecida em 2001.

Embora pouco a pouco tenha recebido a permissão para celebrar a missa, Loranc não pôde voltar “à missão canônica de catequizar crianças e jovens”, nem ao ministério da confissão.

Fontes da investigação dos jornalistas do Rzeczpospolita

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Embora alguns arquivos em Cracóvia não possam ser abertos até 2042, os jornalistas Krzyżak e Litka consultaram os arquivos do Instituto de Memória Nacional IPN Kr 07 /4342; os fascículos de controle de investigação IPN Ka 230/9130, que têm a ver com o padre Józef Loranc.

Eles também revisaram os catálogos das igrejas e do clero da arquidiocese de Cracóvia: os anuários de 1958, 1962, 1967, 1972, 1977, 1983, 1989, 1991, 1992 e 1994.

As notificações da Cúria de Cracóvia de 1957 a 1979; e os elencos do clero na Polônia publicados pelo Instituto Estatístico da Igreja Católica na Polônia em 1975, 1980, 1985, 1991, 1994.

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