Padre Danilo Neto, pároco da paróquia Imaculado Coração de Maria, em Nerópolis (GO), tirou seus paramentos e abandonou a missa na noite de domingo (6), após uma discussão por motivos políticos com fiéis. Um vídeo da ocasião em que o sacerdote deixa a igreja viralizou nas redes sociais. Embora a cena não deixe claro em que momento da celebração o fato ocorreu e o contexto da discussão, o canonista Emanuel de Oliveira Costa Junior chamou a atenção para o simbolismo que o gesto do padre poderia representar. “Pelo que eu entendo, aquilo foi quase que um abandono de ministério”, disse à ACI Digital.

Segundo a imprensa local, o fato teria ocorrido depois que padre Neto teria pedido que quem votou em Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente do Brasil na votação do dia 30 de outubro, se retirassem da Igreja. Então, uma fiel teria se levantado e começado a discutir com o padre.

No vídeo, é possível ver o momento em que o sacerdote diz: “É? Então beleza. Vocês não precisam de padre. Então, estou deixando a paróquia”. Ele, então, retira a casula e a estola, joga sobre o ambão e sai da igreja.

Após a repercussão do fato, ontem (7), padre Danilo Netto publicou um story em seu Instagram se pronunciando sobre o caso. “Já havia tempo que eu vinha alertando a comunidade sobre o mal do comunismo, a maioria nunca gostava. Ontem em minhas homilias não falei em nada de política. Mas quando fui celebrar a última missa havia um grupo de jovens em frente à igreja, marginais que estavam vendendo droga. Eu os questionei e eles disseram: ‘Faz o L, padre’”, contou, referindo-se à expressão e símbolo usados durante a campanha de Lula à presidência.

O sacerdote disse que ficou “com muita raiva”. “Já cheguei na Igreja dizendo: ‘Gente, tá (sic) errado, será que vocês não veem isso? Tá (sic) errado’”. Segundo ele, “uma mulher saiu do fundo gritando um monte de coisa, disse que não precisava de padre. Outra também esses dias disse que não precisava de doutrina”.

“Aí eu deixei tudo porque não tenha mais estrutura. Se eu não posso pregar a verdade então pra que ser padre?”

Canonistas comentam o caso

Em entrevista à ACI Digital, o presidente da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese de Goiânia (UNIJUC), o canonista Emanuel de Oliveira Costa Junior, afirmou que o gesto do sacerdote foi “muito simbólico”, “principalmente na parte de retirar os paramentos dele e deixá-los no altar”. “Pelo que eu entendo, aquilo foi quase que um abandono de ministério. Pelo que vi, simbolicamente foi o que ele fez”, disse.

Segundo o canonista, “o Código de Direito Canônico não vai especificar esta situação, porque é uma situação muito particular, não é algo que acontece todo dia. A lei não determina coisas tão específicas, são coisas gerais, essas coisas específicas ficam para resoluções específicas conforme os princípios da lei”.

Em nota, a diocese de Anápolis, à qual pertence a paróquia de Nerópolis, lamentou o ocorrido e afirmou que “o bispo diocesano, ao tomar conhecimento do fato, está acompanhando pessoalmente a situação e tomará as devidas providências”. Além disso, reiterou “a posição não partidária da Igreja” e repudiou “qualquer ato de intolerância”. Por fim, pediu orações “pelo sacerdote e pela comunidade”.

O também canonista Ricardo Gaiotti afirmou à ACI Digital que, “primeiramente é preciso entender mais os fatos que motivaram o padre a tomar tal atitude, por isso, não se pode fazer nenhum juízo prévio, é necessária uma investigação canônica”.

No entanto, com o que mostram as cenas do vídeo e “sem saber detalhes do ato”, destacou algumas questões sobre as quais se pode refletir, “de forma geral”. Primeiramente, a “proteção da liturgia”, que “faz parte dos direitos decorrentes da direito fundamental da liberdade religiosa”, prevista na Constituição Federal. “Ninguém possui o direito de interromper, atrapalhar, proibir o exercício de uma liturgia, isto é uma violação ao direito fundamental da liberdade religiosa. Quanto mais se tratando de um fiel”, disse.

Gaiotti disse ainda que “tanto os fiéis quanto os sacerdotes possuem direitos e obrigações”.

O canonista destacou o cânone 898 do Código de Direito Canônico, que diz: “Os fiéis tenham na máxima honra a santíssima Eucaristia, participando ativamente na celebração do augustíssimo Sacrifício, recebendo devotíssima e frequentemente esse sacramento e prestando-lhe culto com suprema adoração; os pastores de almas, explicando a doutrina sobre esse sacramento, instruam diligentemente os fiéis sobre essa obrigação”. Citou ainda o parágrafo do cânone 899, que determina que “a celebração eucarística se ordene de tal maneira que todos os participantes recebam os muitos frutos, para cuja obtenção Cristo Senhor instituiu o Sacrifício eucarístico”.

“Ou seja, todos os fiéis precisam ter a máxima honra à santíssima Eucaristia, principalmente, participando ativamente na celebração do augustíssimo Sacrifício. Parece que muitos têm perdido a noção do significado real deste sacramento”, declarou.

Por fim, Gaiotti falou sobre a homilia, “que não pode ser um meio de instrumentalização política”. “O conteúdo da homilia deve ser as verdades e os mistérios da fé e as normas da vida cristã”, afirmou, citando, por exemplo, o cânone 528, segundo o qual: “O pároco tem a obrigação de fazer com que a palavra de Deus seja integralmente anunciada aos que vivem na paróquia; cuide, portanto, que os fiéis sejam instruídos nas verdades da fé, principalmente através da homilia”.

Para o canonista, “não é novidade que estamos vivendo no Brasil um tempo de instrumentalização da fé” e “inúmeras vezes, infelizmente, ministros sagrados utilizam da liturgia, ou de sua autoridade para o exercício de uma militância política”. Por outro lado, destacou, “nos temas em que se referem a verdades e os mistérios de fé, bem como das normas da vida cristã, eles devem utilizar da homilia para instruir corretamente os fiéis, e para isso, podem e devem condenar atos contrários a fé cristã, como o aborto, por exemplo”.

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