Dois padres do Patriarcado de Lisboa, Portugal, publicaram “uma nova síntese” dos relatórios diocesanos do Sínodo da Sinodalidade, após a publicação do relatório da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) em agosto. “Pareceu-nos que, por razões que não sabemos, esse relatório não corresponde ao que estava nas sínteses diocesanas”, disseram os padres Duarte da Cunha e Ricardo Figueiredo. Segundo eles, “a forma e o conteúdo da síntese nacional causaram perplexidade” e “muitos católicos não se reviram no resultado”.

A fase diocesana foi a primeira de três fases em que o Sínodo da Sinodalide convocado pelo papa Francisco se desdobra. Depois de ouvidass as dioceses de todo o mundo, as conferências nacionais de bispos prepararam relatórios que serão consolidados e enviados à Santa Sé. Em outrubro do ano que vem, os bispos se reúnem no vaticano para a terceira e principal parte do sínodo.

“Conscientes da dificuldade que existe em sintetizar 21 relatórios em poucas páginas, decidimos, mesmo assim, tentar fazer uma nova síntese que faça justiça aos conteúdos que foram apresentados por todas as dioceses”, disseram os padres. Segundo eles, este relatório “foi enviado a todos os bispos da Conferência Episcopal Portuguesa”.

Os padres Cunha e Figueiredo chamaram a atenção para a pequena participação no processo sinodal. Segundo eles as sínteses diocesanas mostram que o número de participantes “é diminuto em relação ao número de católicos, representantes, em média, a partir do que se pode apurar, uma participação de 1,14% dos católicos”. Entre algumas razões para este resultado, citaram “o desinteresse dos párocos, o desinteresse e desmotivação dos leigos, a situação pandêmica, a dificuldade em relação à compreensão das perguntas, a dispersão em que muitas comunidades vivem”.

Para eles, há “sinais tímidos da participação de pessoas que habitualmente não participam da vida eclesial”. Entretanto, “nos resultados não se assinalam quais as propostas de mudança das pessoas que habitualmente caminham numa comunidade cristã e quais são as propostas de quem não participa da vida eclesial”.

Os padres Cunha e Figueiredo disseram que foi possível verificar em várias sínteses “a importância do ambiente orante em que foram convidados a fazer a reflexão sinodal”. “Isto mostra como o caminho sinodal não é um estudo sociológico, mas deve ser uma meditação à luz da fé que leve ao discernimento do que hoje nos é pedido como Igreja ser e fazer”, declararam.

Sobre a apresentação dos resultados, os sacerdotes observaram que há um “desconhecimento sobre a natureza e os objetivos de um processo sinodal”. “No âmbito de um sínodo para a sinodalidade, reconheceu-se que há falta de formação neste sentido, falta de prática e muitas vezes confusão, confundindo-se caminhar e trabalhar em conjunto com simples recolha de opiniões”, disseram.

Para os sacerdotes, “mais do que um ‘estudo de opinião’ sobre como se vê a Igreja, esta caminhada sinodal sinalizou a necessidade de se renovar o compromisso concreto com a missão evangelizadora da Igreja”.

Segundo eles, “a vida espiritual foi reconhecida como um elemento fundamental na vida dos cristãos e de toda a Igreja”, sendo que as celebrações litúrgicas, principalmente a Eucaristia, “ocupam um lugar central na vida das comunidades cristãs”. Mas, “sente-se a necessidade de renovar essa centralidade e de aprofundar o significado da Liturgia”.

As sínteses diocesanas mostraram como recorrente “a necessidade da conversão pessoal de todos, dos pastores e dos leigos”, disseram os padres do patriarcado. Para eles, “esta caminhada sinodal indicou como necessária a renovação da vida espiritual dos católicos, de tal forma que estejam mais disponíveis para acolher a vontade de Deus, mais atentos a viver a vocação universal à santidade, mais solícitos em atender às necessidades dos irmãos”.

Segundo eles, outro ponto presente nas sínteses diocesanas é a “grande importância da missão caritativa da Igreja”. Entretanto, ressaltaram, “esta não é apenas uma extensão da responsabilidade estatal de socorrer aos mais necessitados, mas deve envolver todos os fiéis, fazendo emergir a fecundidade da fé na caridade”.

Padre Cunha e padre Figueiredo destacaram ainda das sínteses diocesanas o reconhecimento do “papel importante que a Igreja ainda exerce no contexto da sociedade civil”, sendo solicitada muitas vezes para “determinadas celebrações que são de caráter sacramental, como os batismos e os matrimônios, mas hoje muitas vezes apenas entendidos como eventos sociais”.

“Reconhecendo que há um grande contraste entre aquilo que a Igreja vive nestas celebrações e o que a larga maioria das pessoas entende, torna-se necessário tomar estes momentos como oportunidade de encontro e de evangelização: além de cuidar de aspetos formais, cuidar da preparação pessoal das famílias, sendo próximo e testemunhando a pertinência da Palavra de Deus para a vida das pessoas”, disseram.

Ainda neste contexto da sociedade civil, disseram que “não se deixou de mostrar alguma preocupação a respeito da imagem da Igreja católica que é veiculada, através de notícias de escândalos, como os abusos de menores ou a corrupção”. Por isso, declararam, “reconhece-se com dor o que isto implica, o compromisso por reconhecer os erros e purificar o interior da Igreja”.

Os padres destacaram também as citações aos jovens. Segundo eles, “especialmente na senda da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, surgem nas sínteses diocesanas várias referências ao papel dos jovens na Igreja. Reconhece-se que há muitos jovens para quem a Igreja não tem relevância, mas também se reconhece no interior da Igreja muitas experiências em que estes são os protagonistas e pretendem fazer caminho de vida cristã”.

Outros pontos que, segundo os sacerdotes, apareceram nas sínteses diocesanas são os religiosos e as famílias. “As comunidades religiosas de consagrados, tanto masculinas como femininas, foram reconhecidas como importantíssimas na vida eclesial”, tanto pela oração como pela ação. Por isso, afirmaram, “há uma necessidade de cuidar das vocações à vida religiosa, mostrar a sua beleza e a pertinência da sua missão na Igreja”.

Já em relação às famílias, as sínteses reconheceram o seu “papel particular” na “vivência da fé cristã”, pois é nelas que “se nasce para a fé e se aprende a participar na vida da Igreja”. Mas, os padres destacaram que aparece “como um grande desafio” a “proposta de uma vivência mais autêntica da doutrina e da moral católicas no seio das famílias, nomeadamente a respeito das questões da sexualidade conjugal”.

“Nas sínteses diocesanas, reconhece-se que, muitas vezes, se torna difícil o acolhimento dos que vivem uma vida moral a partir de outros valores”, disseram os padres. Segundo eles, aparecem “várias participações que apelam a um maior acolhimento”. Mas, ressaltaram que “este parece ser, antes de mais, uma necessidade de cordialidade e amabilidade, na linha do que o papa Francisco tem dito, e não a necessidade de mudar a doutrina ou de reinventar a pessoa humana, pois Jesus, que é a plena revelação de Deus, também é a plena revelação do homem”. “Trata-se do acolhimento de pessoas concretas, a partir do qual se começa a caminhar em conjunto rumo à santidade”, acrescentaram.

Os dois padres do Patriarcado de Lisboa disseram ainda que as sínteses diocesanas reconheceram “o papel importante da figura do sacerdote na vida da Igreja”. Mas, encontraram “aspectos contraditórios” nos textos. “Por um lado, pede-se que os padres estejam mais presentes na vida das pessoas, que se possam dedicar totalmente ao cuidado espiritual dos cristãos, que preparem melhor as homilias e que não estejam sobrecarregados com questões de gestão; por outro lado, pede-se que se repense o celibato como opção necessária para a ordenação, o que implicaria menos tempo para a vida pastoral, além de secundarizar a dimensão de consagração total do sacerdote”.

“É necessário fazer emergir a beleza da vocação sacerdotal e ajudar a que ela seja considerada pelos jovens: num tempo em que tantas vezes o sacerdócio aparece ligado a muitas realidades negativas, é preciso reforçar a necessidade da santificação dos sacerdotes para mostrar o sacerdócio como caminho feliz de santificação e o celibato como identificação com Cristo”, disseram.

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Outro ponto que, segundo eles, as sínteses diocesanas apresentam é “a necessidade de reforçar o papel das mulheres na Igreja”. “Contudo, reconhece-se também o seu papel fundamental na vida das famílias, das paróquias e da sociedade. Sente-se necessidade de maior envolvimento nos processos de decisão e gestão”, disseram.

Para os dois padres, “diversas sínteses chamam a atenção para a necessidade de formação na Igreja”. Segundo eles, alguns desses documentos “dizem que seria importante uma melhor adequação do anúncio da fé às necessidades do ser humano. Outras há em que são feitas diversas propostas que, por vezes, ignoram a antropologia, a moral ou outros aspetos da doutrina católica, como, por exemplo, o pedido de admissão à comunhão sacramental de divorciados recasados, a aceitação das uniões entre pessoas do mesmo sexo, a ordenação de mulheres, etc., o que desde logo sinaliza a necessidade de formação”.

Ainda em relação à formação, disseram que chamou a atenção “a necessidade de um esforço para, com a graça de Deus, se conseguir ter maior coerência entre o que se ensina e o que se vive”.

Os padres Cunha e Figueiredo concluíram que “torna-se necessário ultrapassar uma visão unicamente institucional e sociológica da Igreja, para, sem as negar, se chegar à sua perspectiva teológica e teologal”.

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