O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) desestimou um recurso contra a censura imposta na França a um vídeo que incentiva mulheres grávidas de pessoas com síndrome de Down a não abortar.

O caso remonta a 2014 e se refere ao vídeo intitulado “Querida futura mãe” que mostra a resposta a uma carta de uma mulher que dizia: “Estou esperando um bebê. E acabei de descobrir que ele tem síndrome de Down. Estou muito assustada. Que tipo de vida meu filho terá?”.

A resposta a esta pergunta foi ilustrada com imagens de crianças com síndrome de Down de toda a Europa que falam de como suas vidas são complexas como a de muitos, mas com ajuda e esforço, podem ser plenas e felizes.

“Às vezes será difícil. Muito difícil. Quase impossível. Mas não é igual para todas as mães? Querida futura mamãe, seu filho pode ser feliz como eu. E você também será feliz”, dizem as pessoas com síndrome de Down no vídeo.

O vídeo foi transmitido em 2014 e, posteriormente, a autoridade reguladora audiovisual da França escreveu às televisões para se abster no futuro de fazê-lo novamente como "uma mensagem de interesse geral", segundo a lei francesa.

Por isso, o vídeo não pode ser veiculado como publicidade, mas dentro de um programa "enquadrado e contextualizado".

Em mensagem divulgada em julho de 2014, esta autoridade considerou que o vídeo “apresenta um ponto de vista positivo” sobre as pessoas com síndrome de Down. No entanto, defendeu sua posição de censura porque o vídeo "poderia perturbar a consciência de mulheres que, em conformidade com a lei, tomaram diferentes opções de vida pessoal", referindo-se assim às mães que abortaram seus filhos por terem síndrome de Down.

O TEDH decidiu desestimar os recursos interpostos em defesa da liberdade de expressão alegando que “os requerentes não podem alegar ser vítimas no sentido do artigo 34º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos” (CEDH).

Este artigo prevê a possibilidade das demandas de pessoas físicas, organizações não governamentais ou grupos particulares "que se considerem vítimas de uma violação" dos direitos reconhecidos pela Convenção.

Assim determina o tribunal porque afirma que o artigo “não autoriza denúncias em abstrato” e que a actio popularis [ação popular] não é reconhecida, uma vez que a pessoa que apresenta a denúncia deve demonstrar que “sofreu os efeitos diretos”.

O Tribunal não leva em conta que um dos demandantes é Ines de Pracomptal, uma das meninas que participa do vídeo e, portanto, diretamente afetada.

A outra entidade recorrente é a Fundação Jérôme Lejeune, que através de comunicado recorda que o vídeo foi transmitido nas principais redes nacionais em nove países, foi apresentado na ONU e recebeu vários Leões de Ouro no Festival Internacional de Criatividade.

“Nenhuma autoridade administrativa estrangeira o censurou”, destaca a fundação. Recorda ainda que “apenas duas denúncias” desencadearam esta situação.

“Ao permitir uma diferença de tratamento para pessoas com síndrome de Down, a França constitui uma exceção que a CEDH parece apoiar ao se recusar a decidir sobre o mérito”, diz a Fundação Jérôme Lejeune.

Como a sentença do Tribunal de Estrasburgo impede a criação de uma jurisprudência sobre a questão válida para toda a Europa, a Fundação Jérôme Lejeune pede à autoridade audiovisual francesa que reconsidere a sua decisão "para pôr fim a esta discriminação, especialmente porque o contexto atual favorece amplamente a inclusão de pessoas com síndrome de Down".

“Uma criança com síndrome de Down não pode mostrar felicidade, uma menina com uma burca pode”

O diretor gerente de Down Espanha, Agustín Matía, lamentou que a decisão do TEDH "não tenha entrado no mérito da questão, o que é uma má notícia para todos".

Para Matía, embora o assunto seja limitado à França, afeta “a liberdade de expressão das pessoas com síndrome de Down” para estar presentes no debate público “sobre o nascimento de pessoas com síndrome de Down”.

Matía destaca que “na Down Espanha insistimos muito na importância de preservar o princípio da informação neutra, equilibrada, verdadeira e que obedeça à realidade às mães de crianças com síndrome de Down”.

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Matías se mostra preocupado com “o viés eugênico” e a “discriminação por causa da deficiência” presente “especialmente nos protocolos médicos”, não apenas antes, mas “também no momento do nascimento”.

O bispo de Orihuela-Alicante, dom José Ignacio Munilla, publicou uma mensagem irônica no Twitter após a notícia. “Como era isso? ¡Egalité fraternité, liberté!”, escreveu, aludindo aos pilares proclamados pela Revolução Francesa: igualdade, fraternidade e liberdade.

 

Juan Manuel Góngora, padre espanhol da diocese de Almería, resumiu sua opinião sobre a sentença do TEDH com: "A Europa dos burocratas está morta".  

 

Outras vozes anônimas se juntaram às críticas à decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, divulgando o vídeo em questão e compartilhando imagens de membros da família com síndrome de Down.

Estas imagens são acompanhadas de mensagens como "são felizes e fazem felizes aqueles que os conhecem, mesmo que seja um estorvo para o tribunal de Estrasburgo", "que a felicidade percorra o mundo" ou "uma criança com Down não pode mostrar felicidade, uma menina com burca pode”.