O escritor espanhol Diego Blanco, especialista na obra de J. R. R. Tolkien, diz que a série "O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder" que a Amazon estreia hoje (1º) tirou o fundamento católico que o autor deu à obra.

“Tolkien era profundamente católico. Se não se entende isso, não se entende nada”, diz Blanco.

A crítica de Blanco está baseada na análise dos trailers e entrevistas que foram publicados para a divulgação da série que custará aproximadamente um bilhão de dólares por temporada.

Blanco é o autor de Um Caminho Inesperado, livro em que revela o que chama de "parábola" de "O Senhor dos Anéis". Para ele, a história que será narrada na série "foi inventada, não é de Tolkien". Até porque a Amazon não comprou os direitos de todo esse universo. Eles só podem criar novas histórias baseadas no mundo mitológico criado por Tolkien.

"De quatro notas de Tolkien" sobre uma das eras de sua mitologia, na Amazon "retiram os 95% restantes, que é inventado", disse Blanco à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI. Dos 23 personagens centrais da série, apenas oito são de Tolkien, diz Blanco.

Diego Blanco alerta para uma clara "arrogância" por parte da Amazon, porque entende que os roteiros têm "muito pouco respeito pela obra original". Assim, ele adverte que o resultado será uma "aberração" ao "colocar a ideologia woke nos mundos de Tolkien".

A palavra woke, que pode ser traduzida para o português como "acordado", é um termo que inicialmente identificava aqueles que eram considerados socialmente conscientes do racismo nos EUA. No entanto, seu significado se expandiu e abrange outros campos ideológicos, como o esquerdismo político, a ideologia de gênero, o lobby LGBT e o feminismo radical.

Blanco diz que os criadores de "O Senhor dos Anéis: os Anéis do Poder" também apresentam "seu trabalho como a história que Tolkien nunca escreveu".

Por trás dessa transgressão dos fundamentos da mitologia com raízes cristãs, Blanco considera que existe a filosofia da desconstrução da linguagem e das grandes histórias, de tal forma que "os maus são apresentados como bons incompreendidos", desfigurando assim o bem e o mal.

Influência do cardeal Newman em "O Senhor dos Anéis"

A identidade católica de Tolkien vem da conversão de sua mãe da Igreja Batista ao catolicismo "que lhe custou a vida".

Na Inglaterra do final do século XIX e início do século XX, uma viúva católica, repudiada por sua família, estava condenada a uma morte social que, neste caso, logo se tornou física também.

A mãe de Tolkien morreu quando o futuro escritor tinha apenas 12 anos. Antes de morrer, deixou seus filhos sob a custódia do padre Francis Xavier Morgan, padre de origem espanhola ligado ao oratório de são Felipe Neri em Birmingham fundado pelo cardeal John Henry Newman.

A influência do cardeal Newman foi decisiva para que Tolkien decidisse criar um universo mitológico com raízes católicas.

“O cardeal Newman defendia, em relação aos mitos, que há duas revelações. Uma, aquela contida na Bíblia. E outra, para chegar aos gentios, através da natureza, que se refletiu ao longo da história através dos mitos”, explica Blanco.

Newman defendia que “a mitologia bem compreendida prefigura o Evangelho”, explica Blanco.

Assim Tolkien entendeu a necessidade de criar uma mitologia para a Inglaterra não-católica e começa a escrever o "Silmarillion", onde se desenvolve a criação de um mundo com um único deus no qual o anjo mais belo se rebela.

A ideia de fundo é "narrar de forma mitológica para atingir o coração das pessoas sem forçar as pessoas", diz Blanco através da narração de "uma batalha profunda e espiritual que Tolkien sempre defendeu". Para Blanco "não há dúvida de que 'O Senhor dos Anéis' é uma obra profundamente católica".

A confissão do próprio Tolkien

O padre Robert Murray, jesuíta e amigo pessoal da família de Tolkien e que desempenhou um papel importante em sua conversão ao catolicismo, teve o privilégio de manter uma estreita amizade com o escritor, lendo e corrigindo alguns dos manuscritos de "O Senhor dos Anéis" e mantendo uma abundante correspondência sobre o assunto.

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Em uma dessas cartas, a 142, Tolkien detalha ao padre Murray que "O Senhor dos Anéis" é uma obra católica em sua fundação, sem lugar a dúvidas: "O Senhor dos Anéis é, obviamente, uma obra fundamentalmente religiosa e católica; de forma inconsciente ao princípio, mas logo tive consciência disso na revisão”, disse Tolkien.

A questão sobre essa "inconsciência" inicial gerou polêmica entre os estudiosos de sua obra. No entanto, Blanco esclarece que a revisão a que se refere "começou um ano" depois de começar a escrever sua obra mais reconhecida, na qual investiu mais de uma década.

Para Blanco, Tolkien também construiu sua mitologia com uma intenção clara: “Que ela pudesse entrar na Rússia soviética e em terras de perseguição”, já que ele sabia bem de parte do padre Morgan, de origem espanhola, o que aconteceu durante a Segunda República Espanhola e a subsequente Guerra Civil contra os católicos. “Ele sabia o que a vitória do comunismo poderia significar”, acrescenta

O perigo hoje para a intenção que deu origem à obra de Tolkien está na direção que o dono da Amazon, Jeff Bezos, deu ao projeto da nova série. “Não podemos esquecer que em 2021 ele deixou a gestão executiva da Amazon para se concentrar nesta série e foi ele quem decidiu pagar abortos para todos os seus funcionários nos EUA”, lembra Blanco.

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