“Após longa estiagem banhada de lágrimas e preces dos romeiros e romeiras do Patriarca do Nordeste, acompanhadas de incompreensões, perseguições e calúnias, podemos enfim gritar aos quatro ventos: Deus é fiel, justo e misericordioso”, disse o bispo emérito de Crato (CE), dom Fernando Panico sobre a autorização da santa Sé para abertura do processo de beatificação de padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço” como é conhecido por seus admiradores.

O agora servo de Deus padre Cícero morreu aos 90 anos, em 1934, suspenso da ordem sacerdotal, sob acusação de manipulação da crença popular, por causa de um caso que ainda hoje é chamado “milagre da hóstia”.

O “milagre” teria acontecido em 1889, quando uma hóstia teria sangrado na boca de Maria de Araújo, após receber a comunhão das mãos de padre Cícero. O fato teria se repetido em público outras vezes. A notícia logo se espalhou e o fato passou atrair muitas pessoas a Juazeiro. Padre Cícero foi chamado ao palácio episcopal e após investigação a igreja não aceitou o milagre, decidindo puni-lo. Em 1894, foi suspenso da ordem, acusado de manipulação da crença popular pela Santa Sé.

Proibido de celebrar missa e inconformado com a situação, padre Cícero foi ao Vaticano, em 1898, pedir revogação da pena ao papa Leão XIII. Saiu de lá com a vitória, mas o bispo não aceitou e pediu revisão do resultado.

A partir de 1911, o padre Cícero passou a se envolver diretamente com a política. Neste ano, com a emancipação de Juazeiro, foi nomeado o primeiro prefeito do município. Mais tarde, foi eleito também para outros cargos políticos e participou da Sedição de Juazeiro, em 1914, junto com grandes coronéis, contra a intervenção do governo federal no Estado.

Nesta época, por causa do chamado “milagre da hóstia” muitas pessoas já peregrinavam a Juazeiro, com romarias cada vez maiores.

Diante disso, em 1916, a Santa Sé declara que Cícero estaria excomungado por ainda alimentar o fanatismo. Mas, por causa da saúde dele, que já se encontrava com seus 72 anos, o bispo de Crato, dom Quintino Rodrigues, evitou que a excomunhão fosse aplicada e exigiu dele uma retratação pública. Então, a Santa Sé reviu a pena e, apesar de não decretar a excomunhão, manteve suspensa a ordem sacerdotal de Cícero.

Em 2001, a diocese de Crato constituiu uma comissão a fim de preparar uma revisão histórica sobre a causa de padre Cícero. Dom Fernando Panico, que esteve à frente da diocese de 2001 a 2016, foi responsável pelo início dos estudos. Após cinco anos de trabalho, em 30 de maio de 2006, uma petição foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé com a assinatura de 254 bispos brasileiros pedindo um gesto concreto de reconhecimento das ações pastorais e apostólicas de padre Cícero no desenvolvimento da região. Em 2014, a Secretaria de Estado da Santa Sé enviou à diocese de Crato uma carta de reconciliação de padre Cícero com a Igreja católica.

No sábado (20), o bispo de Crato, dom Magnus Henrique Lopes, anunciou ao final da tradicional missa em sufrágio da alma de padre Cícero, em Juazeiro do Norte (CE), que a Santa Sé autorizou a abertura do processo de beatificação de padre Cícero Romão Batista.

Em mensagem aos diocesanos de Crato e aos romeiros de padre Cícero, dom Fernando Panico afirmou que seu coração se encheu “de alegria” com a notícia de que a Santa Sé autorizou a abertura do processo de beatificação de padre Cícero. O bispo emérito recordou as palavras do próprio padre Cícero, ao afirmar que “Deus nunca deixou trabalho sem recompensa, nem lágrima sem consolação”.

Dom Panico recordou que, após receber a carta da Santa Sé sobre a reconciliação de padre Cícero com a Igreja, foi a Roma pessoalmente agradecer ao papa Francisco, que lhe manifestou o desejo de “fazer mais por essa causa”. “Para a Igreja Católica, o testemunho do servo de Deus padre Cícero é algo muito grande que vai impactar enormemente na vida pastoral, não só do nordeste brasileiro, mas de todo Brasil. O povo fiel de Deus, bispos e clero brasileiro por diversas vezes, nos manifestos de suas reuniões pediam a canonização do padre Cícero”, afirmou.

O bispo emérito de Crato agradeceu às pessoas que colaboraram com o processo de reconciliação de padre Cícero e ao atual bispo diocesano, dom Magnus Henrique, por seu trabalho pela abertura do processo de beatificação de padre Cícero. Também agradeceu aos romeiros. Para ele, sem a “fidelidade, confiança e resistência” dos romeiros, “não teríamos chegado aqui”.

Ao se dirigir ao atual bispo de Crato, dom Fernando Panico também afirmou que “não podemos esquecer a beata Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo”, que recebeu a comunhão de padre Cícero e a hóstia teria sangrado na boca dela. “Espero que o senhor abrace também essa próxima missão: uma missão difícil, mas tenho a convicção de que não podemos separar Padre Cícero da Beata Maria de Araújo, como não podemos separá-los dos Romeiros e das Romeiras. Esse tripé sustenta as grandes manifestações de fé que se veem em Juazeiro do Norte”, disse dom Panico.

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