A embaixada da China na França tuitou uma charge política com mensagem aparentemente anticatólica no dia da visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan.  

A imagem, criada por Wuheqilin, artista e propagandista chinês, mostra uma mulher emaciada, encapuzada, semelhante a uma bruxa, coroada de estrelas, como a Virgem Maria, pulando a janela de uma creche, tentando tirar um bebê do berço.

Um homem musculoso segurando um martelo, símbolo óbvio do comunismo, observa a cena.

A mulher retrata a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, como indica o texto que acompanha a imagem, com as hashtags #Taiwan e #Pelosivisit.

O tuíte também inclui a legenda da imagem em chinês: "Maria, a ladra de bebês".

 

Pelosi é a católica de mais alto escalão na política americana, depois do presidente Joe Biden.

Sua visita de terça-feira (2) à ilha de Taiwan representou a visita de mais alto nível de um político dos EUA em décadas à ilha que reivindica abrigar a verdadeira China e se recusa a reconhecer o governo de Pequim. A China comunista considera Taiwan apenas uma província rebelde do país.

O governo nacionalista chinês derrotado pelos comunistas de Mao Zedong em 1949, fugiram para Taiwan e desde então o impasse persiste. Até a década de 1970, os EUA reconheciam Taiwan como o governo legítimo da China.

Um texto em inglês na parte superior da imagem tuitada diz: "Ninguém gosta de guerra, mas nenhum pai permitiria que alguém roubasse seu filho". A imagem também mostra um mapa da China na parede, e uma foto de uma rã na cabeça do bebê.

Num artigo de opinião para UCA News, o teólogo e antropólogo cultural Michel Chambon disse que existe um precedente para a imagem de uma rã, que é usada na China como um insulto para se referir ao povo de Taiwan.

Ele também disse que a caricatura representa Pelosi como "uma bruxa que quer roubar Taiwan de sua pátria".

Benedict Rogers, um britânico defensor dos direitos humanos que estuda a situação da China, disse que a imagem é "chocantemente grosseira, sacrílega e profundamente ofensiva para os católicos e muitos cristãos de outras tradições ao redor do mundo".

“É um exemplo do regime do Partido Comunista Chinês em sua forma mais brutal, depravada, repugnante e desumana”, disse Rogers, falando à CNA, agência em inglês do grupo ACI.

"Isso indica o que aqueles de nós que acompanhamos a China sabemos há muito tempo: a total hostilidade do regime do Partido Comunista Chinês em relação à religião", disse ele.

“Nos últimos anos, vimos uma intensificação da perseguição aos cristãos, incluindo os católicos, e uma severa repressão à liberdade religiosa como um todo”, acrescentou.

Michel Chambon disse que a Santa Sé continua sendo uma das únicas entidades de "importância global" que mantém relações diplomáticas com Taiwan.

“Para os propagandistas chineses com síndromes de perseguição, fundir a política americana com o catolicismo global é um passo fácil”, escreveu Chambon no UCA News.

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O embaixador chinês na França, Lu Shaye, se referiu à visita de Pelosi como uma “provocação desnecessária”, dizendo que, uma vez que a China atinja seu objetivo declarado de estabelecer o controle sobre Taiwan, começará um processo de “reeducação” da população da ilha, segundo informou Newsweek.

Isso parece implicar um processo semelhante ao que está ocorrendo agora em Xinjiang, no qual milhões de muçulmanos uigures foram presos nos últimos anos em campos de “reeducação” e assimilados à força à cultura chinesa.

A China vem fazendo exercícios militares nesta semana, inclusive com o lançamento de mísseis de grande porte no mar ao redor de Taiwan, por ocasião da visita de Pelosi.

Chambon disse que a imagem tuitada "não é apenas ofensiva, mas indica um possível retorno à ideologia comunista inicial que poderia prejudicar muitos".

Ele explicou que outro significado que pode ser dado à imagem pode remontar a um "mito" propagado pelo governo na década de 1950, de que "orfanatos católicos eram fábricas para roubar e matar bebês chineses".

O Partido Comunista Chinês atualmente no poder é oficialmente ateu, e os fiéis de todas as religiões enfrentam perseguição na China há anos.

A Igreja Católica na China está dividida entre a Igreja Católica “subterrânea”, que é perseguida, e a Associação Católica Patriótica Chinesa, controlada pelo governo.

Em 2018, a Santa Sé assinou um acordo provisório com a China sobre a nomeação de bispos. O objetivo seria unir a Igreja "oficial" e a fiel a Roma. Apesar do acordo, a perseguição à Igreja clandestina continuou e, segundo alguns, se intensificou.

O bispo emérito de Hong Kong, cardeal Joseph Zen, de 90 anos, um crítico do acordo Santa Sé-China, enfrentará um julgamento em setembro junto com outros quatro importantes defensores da democracia.

Os EUA não têm relações diplomáticas com Taiwan, mas têm o que seu Departamento de Estado chama de "um sólido relacionamento não oficial", incluindo laços comerciais.

Durante anos, os EUA operaram sob uma "política de uma só China" para evitar irritar o governo chinês. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, disse que a visita não é um sinal de que a política do país em relação a Taiwan mudou.

Rogers, que é um forte crítico do acordo de 2018 da Santa Sé com a China sobre a nomeação de bispos, opinou que a clara animosidade do governo chinês em relação ao catolicismo, conhecida há muito tempo, mas totalmente exibida na caricatura, dá "mais uma razão para a Santa Sé repensar sua relação com Pequim”.

O papa Francisco disse que espera que o acordo da Santa Sé com a China sobre a nomeação de bispos católicos seja renovado para um segundo período de dois anos em outubro de 2022.

“À medida que o prazo para renovar o acordo com Pequim se aproxima, o Vaticano deve considerar a suspensão do acordo à luz do genocídio dos uigures, o desmantelamento das liberdades de Hong Kong, a prisão do cardeal de Hong Kong, de 90 anos, Joseph Zen, a severa perseguição aos cristãos na China e agora este flagrante insulto aos católicos em todo o mundo”, disse Rogers à CNA.

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