O papa Francisco reestruturou a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) por meio de um motu proprio publicado na segunda-feira, dia 14 de fevereiro.

Foi o 48º motu proprio de Francisco desde sua eleição em 2013, confirmando que é a maneira favorita do papa de fazer mudanças.

Desde o início do pontificado, o papa considerava mudanças na CDF.

Em sua primeira entrevista, concedida à revista jesuíta La Civiltà Cattolica em 2013, Francisco disse: “É impressionante ver as denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Creio que os casos devem ser estudados pelas Conferências Episcopais locais, às quais pode chegar uma válida ajuda de Roma. De fato, os casos tratam-se melhor no local”.

Na mesma entrevista, o papa disse que “os ensinamentos, tanto dogmáticos como morais, não são todos equivalentes. Uma pastoral missionária não está obcecada pela transmissão desarticulada de uma multiplicidade de doutrinas a impor insistentemente”.

“O anúncio de carácter missionário concentra-se no essencial, no necessário, que é também aquilo que mais apaixona e atrai, aquilo que faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús. Devemos, pois, encontrar um novo equilíbrio; de outro modo, mesmo o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder o frescor e o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, profunda, irradiante. É desta proposta que vêm depois as consequências morais.”

Antes da reforma, a CDF tinha quatro gabinetes: disciplinar, doutrinal e matrimonial. O quarto, segundo o anuário pontifício de 2021, tinha a "tarefa de acompanhar, o assunto das relações com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), a aplicação do motu proprio Summorum Pontificum, a vida dos institutos sob a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei e, em termos gerais, as coisas relacionadas com a antiga liturgia, conhecida como a 'forma extraordinária do Rito Romano'”.

A quarta seção perdeu sua razão de ser após a publicação do motu proprio Traditionis custodes, que revogou as disposições estabelecidas por Bento XVI para o uso da forma extraordinária. O rito antigo já não é considerado uma “forma extraordinária” do rito romano.

A quarta seção foi criada depois que o papa Francisco fechou a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei em 2019. A comissão foi criada dentro da CDF precisamente para supervisionar as relações com a FSSPX. O fechamento da comissão também ocorreu com um motu proprio.

A sessão matrimonial está fechada agora, enquanto a congregação se reestrutura em duas seções distintas, com dois secretários. Tudo indica que um deles será o atual subsecretário, padre Matteo Visioli, que deveria ser promovido depois que o arcebispo Giacomo Morandi, que serviu como secretário da CDF desde 2017, foi nomeado bispo de Reggio Emilia em janeiro.

O outro secretário provavelmente será o teólogo Armando Matteo, muito estimado pelo papa. Francisco criou para Matteo o cargo de subsecretário adjunto na CDF. Matteo foi recebido em audiência privada pelo papa Francisco em 21 de janeiro, pouco antes do discurso pronunciado pelo papa aos participantes da assembleia plenária da CDF.

Doutrina e disciplina

Com duas seções, o perfil da administração da CDF parece ter se fortalecido, com uma estrutura mais hierárquica e uma divisão mais precisa de competências, embora seja verdade que os quatro gabinetes, trabalhando em sincronia, mostravam verdadeira colegialidade em suas decisões e geravam especialistas em temas específicos.

Acima de tudo, o tema doutrinal nunca foi descurado nas decisões. Corre-se agora o risco de que o elemento disciplinar prevaleça sobre o doutrinário, porque será uma seção separada, com autonomia para a tomada de decisões e, portanto, não necessariamente chamada a discutir amplamente suas escolhas. Muitos comentaristas destacaram que, com a reforma, o papa fortaleceu o tratamento canônico dos abusos sexuais do clero ao criar a seção disciplinar.

Como já foi dito, o gabinete disciplinar já existia. Com as reformas desejadas, primeiro por João Paulo II e depois por Bento XVI, a CDF tornou-se um ponto de referência essencial para lidar com os abusos. A novidade, então, é que o corpo disciplinar é uma seção e não apenas um gabinete.

Quanto aos delicta graviora – os crimes mais graves, incluindo o abuso sexual – havia um problema na gestão dos casos. Em 2014, o papa Francisco estabeleceu uma estrutura dentro da CDF para examinar os recursos de delicta graviora, que foi definida em 2018.

Essa estrutura ou colégio tem 11 membros e é coordenada pelo arcebispo Charles J. Scicluna, secretário adjunto da CDF.

A secção disciplinar terá agora mais autonomia, provavelmente em termos orçamentários. Isso sugere, talvez, que para lidar com a maioria dos casos, a seção criará comissões ad hoc, com membros internos e externos, deixando para trás o trabalho colegial que sempre caracterizou a congregação.

Com o motu proprio de segunda-feira, a CDF adquire centralidade e autonomia, mas o resultado é que precisará de ajuda para a gestão dos casos. Por isso, é provável que busque o apoio das Igrejas locais ou comissões externas, colocando em prática o princípio da descentralização de que o papa fala desde 2013.

Antigamente, a CDF era conhecida como "A Suprema" porque tinha a ver com fé. Até o papa são Paulo VI, a congregação era tão importante que o próprio papa era o prefeito; e em algum momento correu o boato de que o papa Francisco queria voltar a esse costume.

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Também é possível que dom Scicluna, que até agora manteve seu cargo de arcebispo de Malta, seja nomeado novo prefeito da CDF em substituição ao cardeal Luis Ladaria, de 77 anos.

Da mesma forma, o arcebispo americano e dominicano, dom Augustine Di Noia, atualmente secretário adjunto da CDF, se aposentará. O arcebispo tem 78 anos, três a mais que a idade de aposentadoria dos bispos.

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