Em janeiro, o arcebispo de Luxemburgo Jean-Claude cardeal Hollerich, relator geral do Sínodo sobre a Sinodalidade, afirmou que as reformas propostas na vida da Igreja “precisam de uma base estável”.

Mas apenas uma semana depois, o bispo deixou claro que os católicos deveriam se afastar dele ao buscar qualquer tipo de base doutrinária firme.

Em uma entrevista à agência de notícias católica alemã KNA, o cardeal Hollerich afirmou que o ensino da Igreja relacionado à homossexualidade “é falso”, porque o “fundamento sociológico-científico desse ensino não é mais correto”.

Para deixar claro, o cardeal respondia a uma pergunta bastante mal formulada sobre a Igreja considerar a homossexualidade um pecado – deixando pouco claro o que exatamente se queria dizer com “homossexualidade”. Embora a Igreja afirme que as atrações pelo mesmo sexo são “intrinsecamente desordenadas”, na medida em que não direcionam as faculdades sexuais a seu fim próprio, a Igreja também é bastante clara ao dizer que experimentar essas atrações em si não é pecaminoso. É a escolha de agir de acordo com elas que constitui um pecado.

O cardeal Hollerich, porém, não esclareceu a questão. Ele mergulhou de cabeça, usando a sugestão como uma oportunidade para dizer que a doutrina da Igreja relacionada a atos homossexuais – e, por extensão, a doutrina de que a sexualidade humana é ordenada ao amor conjugal entre marido e mulher, uma imagem da vida trinitária – é fundamentalmente errado.

A declaração foi chocante: um exemplo de um líder proeminente da Igreja criticando abertamente uma doutrina moral que tem sido mantida pela Igreja quod sempre, quod ubique, quod ab omnibus (sempre, em todos os lugares, por todos), tomando o partido da cultura secularizada num tópico controverso sobre o ensino ortodoxo.

Mas talvez ainda mais preocupante do que o conteúdo específico da visão do cardeal Hollerich seja a lógica subjacente relacionada à doutrina e ao desenvolvimento da Igreja que a motivou, uma preocupação amplificada pelo papel significativo que o bispo deve desempenhar no sínodo.

Em sua análise, o cardeal Hollerich não estava apenas atacando um conjunto discreto de doutrinas morais e antropológicas. Em vez disso, ele estava minando a própria noção de integridade doutrinária, desestabilizando a totalidade do corpo de ensinamentos da Igreja e questionando a capacidade da Igreja de ensinar qualquer coisa com autoridade, de comunicar qualquer coisa sobre a Revelação Divina com precisão.

O cardeal Hollerich afirmou que a proibição da Igreja de atos homossexuais (e por extensão, toda a sua compreensão da moralidade sexual) estava inicialmente enraizada em fatos científicos e sociológicos que agora sabe-se que são incorretos ou não são mais relevantes. Ele afirma, por exemplo, que a sodomia foi proibida tanto por causa de uma embriologia falha que sustentava que o esperma de um homem continha toda a prole humana, tornando atos do mesmo sexo semelhantes ao infanticídio, quanto porque estava associado a rituais pagãos. Nenhum do dois elementos é relevante hoje e, portanto, o ensino deve ser descartado.

O problema dessa tese é que a doutrina moral da Igreja relacionada à sexualidade não é produto da ciência antiga nem de tabus sociológicos. Sua fonte é a Revelação Divina.

Está contido no relato da criação encontrado em Gênesis, afirmado nas epístolas de Paulo, e é baseado no ensino de Cristo sobre o casamento, conforme está nos Evangelhos. A compreensão fundamental da Igreja Católica sobre a moralidade sexual foi transmitida pelos apóstolos no depósito da fé. Foi recebida e depois desenvolvida pela Igreja nas gerações subsequentes e tem sido reiteradamente afirmada pelo magistério da Igreja. Mais recentemente, e de forma abrangente, pelo papa são João Paulo II em sua articulação da teologia do corpo. A doutrina é consistente com a lei natural e tem sido considerada verdadeira em vários cenários científicos e sociológicos.

 

A jogada do cardeal Hollerich não é completamente desconhecido para os católicos. Os defensores do aborto já usaram um tipo de lógica semelhante para questionar a proibição moral da Igreja. Por exemplo, a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, disse várias vezes que a especulação de são Tomás de Aquino de que a infusão da alma ocorre várias semanas depois da concepção prova que a Igreja não tem uma posição doutrinária válida sobre o aborto. Só que isso é falso. São Tomás aceitou a proibição moral da Igreja, mesmo ao usar as categorias científicas disponíveis para ele na tentativa de entender o porquê da doutrina da Igreja.

Na verdade, são João Paulo II criticou esse tipo de lógica quando observou que “as discussões científicas e filosóficas sobre o momento preciso da infusão da alma espiritual nunca deram origem a qualquer hesitação sobre a condenação moral do aborto”. O mesmo tipo de crítica pode ser aplicado à análise do cardeal Hollerich.

Certamente, o ensino da Igreja sobre moralidade sexual se desenvolveu, e as ênfases até mudaram. Em certo sentido, a doutrina da Igreja mudou. Mas esse sentido é limitado e particular. Quaisquer que sejam as mudanças ou desenvolvimentos ocorridos, eles ocorreram de maneira consistente com o entendimento fundamental da Igreja sobre a moralidade sexual. A mudança ocorre no nível de expressão ou ênfase ou mesmo extensão, mas não nos fatos essenciais.

Como observou são John Henry Newman, as expressões doutrinárias da Igreja mudam ou se desenvolvem para que possam permanecer as mesmas no nível de princípio, como uma árvore pode perder suas folhas no outono para poder permanecer viva durante o inverno. Os princípios doutrinários só podem ser expressos nas palavras humanas e nos recursos culturais de uma determinada época, incluindo suas categorias científicas. Mas enquanto essas expressões e categorias podem mudar e até precisar ser substituídas, o princípio doutrinário, aquela verdade divina que as palavras humanas podem expressar sem nunca esgotar, não pode.

Essa é a compreensão da doutrina e seu desenvolvimento proposta por Newman, cujas ideias sobre o tema foram incorporadas à constituição dogmática do Concílio Vaticano II sobre a revelação divina, Dei Verbum. Ela é coerente com as contribuições para a teologia dogmática apresentadas por pensadores católicos do século XX, como Maurice Blondel, Yves Congar e o cardeal Avery Dulles.

Mas é a compreensão da doutrina sustentada pelo Cardeal Hollerich? Ele mesmo dá razões para duvidar.

É muito revelador que, em suas breves observações sobre o assunto, o cardeal Hollerich não tenha dado nenhuma indicação sobre qual seja o princípio ou o núcleo do ensinamento da Igreja sobre a sexualidade humana. Ele simplesmente afirmou que, por causa de fatores científicos e sociológicos, a compreensão de 2 mil anos da Igreja sobre a sexualidade humana – que está entrelaçada com quase todos os outros aspectos da fé, incluindo nossa compreensão de Deus, criados como somos à Sua imagem e semelhança, e da Igreja, que são Paulo descreveu aos Efésios com imagens do casamento – está errada. Errada não em sua expressão, mas em princípio, a ponto de exigir uma revisão de Grund, palavra alemã que o cardeal Hollerich usou que significa uma revisão dos próprios fundamentos e bases da doutrina.

Blondel critica esse tipo de historicismo por fornecer uma “explicação mecânica” reducionista do desenvolvimento doutrinário da Igreja, que substitui a realidade espiritual da vida da Igreja por uma sucessão de fatos históricos mais consistente com a evolução cega do que com um desenvolvimento orgânico. Como escreveu Blondel: “A verdade do cristianismo não se encontra em uma ideia extraída de um fato analisado isoladamente, nem na interpretação fragmentária dos sucessivos momentos da história, mas na visão e apreciação do todo, nas realidades concretas, na pessoa de Cristo e da Igreja que a prolonga”.

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O cardeal Hollerich prefere sua análise de fatos isolados ao testemunho da vida da Igreja. Na perspectiva adotada por ele é difícil ver as doutrinas da Igreja como pouco mais do que normas positivas, sem base nem contato com a verdade divina e objetiva. Em vez disso, a doutrina pode ser revista por completo com base em critérios profundamente ambíguos e antinomianos que definem se ela contribui ou não para a “autenticidade”.

Essa, na verdade, é a abordagem de Terrence Tilley, autor do livro Inventing Catholic Tradition. Tilley é um influente teólogo que detém, por ironia cruel, a cátedra de teologia na Universidade Fordham cujo nome homenageia o cardeal Avery Dulles. A compreensão de Tilley da tradição e do desenvolvimento doutrinário é antitética ao próprio cardeal Dulles e, de fato, ao entendimento ortodoxo da Igreja. Mas as ideias de Tilley e afins são difundidas entre certos acadêmicos católicos, jornalistas e, aparentemente, cardeais.

Essas mesmas figuras criticaram outros católicos por verem o Sínodo sobre a Sinodalidade com hesitação, se não preocupação. Mas com uma figura como o cardeal Hollerich numa posição tão importante, tendo, de fato, poder de supervisão e influência sobre toda a direção do sínodo e o resumo de suas conclusões, essas preocupações provavelmente só aumentaram.

Alguns podem dizer que o cardeal Hollerich fez seus comentários meramente como um teólogo individual, uma opinião pessoal que não compromete necessariamente sua capacidade de desempenhar um papel de liderança e imparcialidade no Sínodo sobre a Sinodalidade. Mas o cardeal Joseph Ratzinger já estabeleceu a abordagem correta que um teólogo deve adotar quando solicitado a servir a Igreja em alguma função doutrinária oficial, deixando de lado seu próprio trabalho especulativo quando assumiu o cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

O cardeal Hollerich não é apenas o relator geral do sínodo, ele é o presidente da conferência episcopal da União Europeia. Com essas responsabilidades, suas palavras não podem ser tomadas como opinião privada, mas sim como a maneira como ele entende a doutrina da Igreja e como ele pretende moldar essa doutrina. O cardeal Hollerich diz que essa revisão do fundamento da doutrina sexual da Igreja deve ser feita para que a Igreja não “perca o contato” com a civilização atual. Ele parece disposto a sacrificar o próprio Evangelho pela relevância mundana continuada. É um exemplo atual do “Hans Esperto”, personagem folclórico alemão que o cardeal Ratzinger usou para ilustrar a tentação da Igreja de entregar lentamente seu tesouro - a verdade e a vida que Cristo nos transmitiu através das gerações – em troca de conforto.

Já sugeri que se adicionasse “ativismo” à lista de perigos que o Santo Padre identificou como ameaça ao sínodo. À luz da alarmante revelação do cardeal Hollerich, sugiro acrescentar outra: descontinuidade, ou mesmo desestabilização.

Os católicos que genuinamente desejam que o sínodo seja um período frutífero de discernimento comunitário devem considerar como o papel do cardeal Hollerich no processo, ou no mínimo o fato de suas declarações heterodoxas sobre moralidade sexual não terem sido corrigidas, ameaçam esse objetivo. Tomar medidas decisivas para resolver a confusão que os comentários e a liderança do cardeal Hollerich no sínodo causaram ajudaria muito a restaurar a confiança no processo. Deixar de fazer alguma coisa provavelmente fará o oposto.

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