“No primeiro dia em que chegamos, estava tendo uma festa em um bar na lateral da nossa casa, com bebida, drogas, cheio de jovens. Eu peguei o rosário e fui rezar na porta da casa. Um rapaz veio da festa e perguntou se eu era o novo padre. Respondi que sim e ele perguntou: ‘Você veio cortar nossa vibe?’. Disse: ‘Não, viemos dar algo novo para essa comunidade’. Ele perguntou sobre o que eu iria pregar na igreja. Respondi: ‘Vou pregar sobre o amor, sobre realidades que passam do tempo para a eternidade, falar de Cristo, como nós o encontramos e dar às pessoas a oportunidade de conhecer Jesus Cristo’. Ele falou: ‘Muito bem, padre, gostei’. Isso, no dia de são João Paulo II”. Assim foi a chegada da Comunidade Católica Shalom a Nova York, nos Estados Unidos, no ano passado, no relato do missionário padre Cristiano Pinheiro.

Padre Cristiano contou à ACI Digital sobre a chegada da Shalom à diocese do Brooklyn, a realidade que encontraram, os principais desafios e como a missão está atualmente, um ano depois. 

Naquele dia 22 de outubro de 2020, a comunidade teve seu primeiro contato com a realidade local por meio da iniciativa do rapaz que saiu da festa para questionar o sacerdote.  Após a conversa, “o jovem disse: ‘Padre, venha conhecer seus vizinhos’”. Em seguida, puxou o sacerdote e outros missionários que estavam com ele para o bar. “Fomos para o meio da festa, eu entrando naquela escuridão, conversando com eles. Um deles me disse que já tinha bebido sete cervejas, mas a meta dele era doze. Eu olhei nos olhos dele e disse: ‘Meu filho, não se machuque’. Os olhos dele se encheram de lágrimas e ele me abraçou”, recordou padre Cristiano.

“Encontramos um mundo feroz que não perdia tempo na pandemia para devorar as pessoas. Então, nós também não queríamos perder tempo e, desde o começo, abrimos nossa casa para as pessoas encontrarem algo novo”, disse padre Cristiano, destacando o quanto foi “significativo” que “um jovem veio à nossa porta e nos puxou para fora”.

Segundo o sacerdote, o desejo de fundar uma missão em Nova York era algo que já fazia parte da Comunidade Shalom. “Uma das nossas metas é sempre estar abertos e priorizar a evangelização de grandes metrópoles, nosso carisma é muito urbano, pois temos prioridade muito grande na evangelização dos jovens. Assim como são Paulo queria evangelizar Roma na sua época, porque de Roma, o centro do império, o Evangelho iria se difundir para o mundo, nós precisávamos – pelo menos no mundo ocidental – chegar a uma grande metrópole como Nova York. Esse era um sonho no coração de nosso fundador, o Moysés [Azevedo], e no nosso”, relatou.

Na época, padre Cristiano Pinheiro estava em Roma, Itália, onde trabalhava na assistência internacional da comunidade, responsável por novas fundações. “Eu estava tentando conversar com o cardeal de Nova York, mas uma brasileira que morava em Nova York há muitos anos perguntou por que não tentávamos a diocese do Brooklyn, que é na mesma cidade e tem muito mais jovens. Fizemos contato com o bispo do Brooklyn, que foi muito receptivo”.

Após um ano e meio de discernimento, veio o pedido oficial do bispo dom Nicholas DiMarzio, para uma fundação da Shalom em Williamsburg, Brooklyn.  Cinco missionários empreenderam esta tarefa, três brasileiros, uma francesa e uma americana-mexicana, na igreja de San Damian Mission.

Padre Cristiano recordou que a previsão inicial era que chegassem a Nova York na Páscoa de 2020. Mas, não foi possível por causa das medidas impostas devido à pandemia de covi-19. “Só fomos chegar mesmo no dia 22 de outubro de 2020, festa de são João Paulo II, que é o santo diante do qual nosso fundador ofertou a vida dele, quando o papa João Paulo II visitou o Brasil, em 1980. Também foi um papa missionário, que visitou Nova York. Isso é muito significativo, porque é um santo caro para o carisma Shalom e que pisou nesta terra”, disse.

Quando chegaram a Nova York, “as igrejas estavam reabrindo, com 25% da capacidade de ocupação”. Segundo o sacerdote, os missionários estavam “assustados, mas confiantes”. Começaram a realizar “housewarming party (festas de boas-vindas), com fogueiras, karaokê. Queríamos mostrar para o povo quem éramos e fazer com que tivessem coragem de voltar a socializar. Encontramos pessoas isoladas, com medo de retornar para a igreja, mas que viram uma oportunidade de voltar”.

Segundo o missionário, a comunidade está presente “em um bairro que é a maior concentração de millenials na cidade de Nova York”. Ao conhecer essas pessoas, encontraram “jovens que são muito feridos na área da afetividade, que querem muito ser amados”. “Nós os acolhemos e damos amor”, afirmou.

“Nova York é uma grande e solitária cidade, é muito difícil encontrar famílias. Então, acabamos nos tornando a família dessas pessoas. Isso é muito importante, porque Nova York é uma cidade de uma grande aglomeração de várias pessoas solitárias, de vários ‘eus’. E nós precisamos ser uma família para eles”, disse.

Para chegar a esses jovens, a Comunidade Shalom realiza diversas atividades, como festas culturais, evangelização na rua, noite de louvor, concerto. Padre Cristiano recordou que a Comunidade Shalom “nasceu de uma lanchonete para evangelizar” e foi a mesma estratégia que usaram em Nova York. “O Brooklyn é uma encruzilhada de nações, então, começamos a fazer festas nacionais, com comida típica, música típica. Muitas pessoas começaram a vir. O Santíssimo Sacramento estava exposto ao lado na igreja. Essa é a inspiração da comunidade Shalom, vamos comendo um pouquinho e começamos a anunciar Jesus Cristo e convidar: ‘Você quer que eu reze por você? Quer ir à capela para eu lhe mostrar algo diferente?’”.

A partir dessas experiências, jovens se aproximaram e passaram a se envolver com a comunidade. “Depois desse primeiro momento, é preciso realizar o que chamamos de crescer na graça. Na comunidade, dizemos que vamos pescar para depois tratar o peixe para que ele se torne alimento para outros. O peixe pescado vai se tornar um pescador também”. Assim, a pessoa é convidada a fazer parte de um grupo de oração, tem um acompanhamento pessoal com um missionário e recebe um estudo bíblico para rezar todos os dias. “Mandamos mensagem no grupo de WhatsApp motivando para a oração pessoal diária, o grupo de oração semanal e o acompanhamento mensal. Assim, a pessoa cresce na graça”, contou. Atualmente, segundo padre Cristiano, os cinco missionários realizam o acompanhamento pessoal de mais de 45 jovens.

Passado mais de um ano, padre Cristiano vê os frutos da missão. “Há exatamente um ano, estávamos planejando 2021, cinco missionários trancados dentro de uma sala, escutando Deus e sonhando o que seria. Neste ano, no nosso planejamento estratégico, somos os missionários, novos missionários, quatro vocacionados e pessoas que já participam da obra, engajados, comprometidos e pensando conosco como 2022 deve ser. Isso já é um sinal de que nós não estamos sós, Deus está formando um povo”, afirmou.

De modo particular, o sacerdote também diz ver os frutos em sua própria vida e vocação. “Há 20 anos sou missionário da Comunidade Shalom, seis como padre. Morei em Roma muitos anos e sempre trabalhei pela evangelização. Mas, aqui, eu me sinto missionário 24 horas por dia”. O sacerdote lembrou uma ocasião em que foi chamado para dar a unção dos enfermos a um homem de quase 90 anos que estava internado. “Cheguei ao hospital e o homem era polonês. Uma das poucas frases que eu sei em polonês é ‘Jesus, eu confio em ti’, que santa Faustina dizia. Coloquei minha mão na testa dele e disse essa frase em polonês três vezes. Quando disse pela terceira vez, ele morreu. A esposa dele me abraçou e disse: ‘Padre, ele está correndo para o céu’. Das pessoas ao redor, muitos eram ateus. Os médicos falaram: ‘Ele estava só esperando a bênção de Deus’”.

“Eu entendi que, na minha vida aqui, eu me tornei um porteiro da porta do céu. Se o povo está fora, vamos colocar para dentro. Eu me sinto 24 horas por dia responsável por colocar pessoas para dentro da porta do céu”, concluiu.

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