O cardeal Eugène Tisserant foi nomeado "Justo entre as Nações" pelo Centro Yad Vashem de Memória do Holocausto, em Jerusalém. O título homenageia quem, não sendo judeu, ajuda os judeus. O cardeal foi blibliotecário e arquivista da Santa Sé e decano do Colégio dos Cardeais por mais de 20 anos falava dez línguas, aconselhou vários papas, e ocupou posições-chave no Vaticano.

O Yad Vashem destacou o papel do cardeal Tisserant na ajuda a Miron Lerner, filho de imigrantes judeus em Paris em 1927, que ficou órfão em 1937 com a sua irmã Rivka.

Em 1941, os irmãos foram para a Itália com outros refugiados judeus. Lerner encontrou ajuda do padre Pierre-Marie Benoît e outros que faziam parte da Delasem, a Delegação para a Assistência aos Imigrantes Judeus, composta por italianos que salvavam judeus da perseguição nazista. O padre e os seus colaboradores trabalharam a partir do mosteiro franciscano dos Capuchinhos na Via Sicilia em Roma. Crê-se que o padre Benoît ajudou a salvar cerca de 4 mil judeus e foi homenageado pelo Yad Vashem em 1966.

Benoît foi denunciado e ele foi forçado a fugir de Roma, enquanto Lerner se escondia no mosteiro. Depois de outro sacerdote escrever ao cardeal Tisserant sobre a situação de Lerner, o cardeal encontrou-se com ele fora do Vaticano.

Quando Lerner disse ao cardeal que ele era judeu, o cardeal respondeu: "Isso é irrelevante. O que posso fazer por você?".

Tisserant prontamente conectou Lerner com outro clérigo que ajudou o rapaz a encontrar refúgio com o embaixador François De Vial, um diplomata francês junto à Santa Sé.

Mais tarde, Tisserant escondeu Lerner em um pequeno mosteiro no Vaticano. Passado um mês, no início de 1944, o cardeal voltou a transferir Lerner para um mosteiro perto da Igreja de São Luís dos Franceses em Roma. O padre André Bouquin foi reitor desse mosteiro, onde Lerner ficou até Roma ser libertada pelas forças aliadas no verão de 1944. Mais tarde, ele relataria que o clero nunca o pressionou a converter-se, mas "as freiras eram insuportáveis". Lerner, finalmente pôde reunir-se com a sua irmã em Paris.

O Centro Yad Vashem declarou tanto De Vial como Bouquin "Justos entre as nações" ao lado do cardeal Tisserant.

Tisserant foi ordenado padre na Diocese de Nancy, no nordeste de França, em 1907, aos 23 anos de idade.

Tisserant serviu no Exército Francês na Primeira Guerra Mundial. Depois de servir na Biblioteca do Vaticano como bibliotecário assistente, curador e prefeito, Pio XI nomeou-o Secretário da Congregação para as Igrejas Orientais e elevou-o a cardeal em 1936, aos 52 anos de idade.

O Cardeal Eugenio Pacelli, então Secretário de Estado do Vaticano que viria a ser Pio XII, consagrou-o bispo nesse ano. Em breve se tornaria presidente da Pontifícia Comissão Bíblica, cargo que ocuparia durante mais de 30 anos.

O serviço de Tisserant na Santa Sé incluiu o período da Segunda Guerra Mundial, quando os judeus sofreram perseguição sob os nazis e os seus aliados em toda a Europa.

Em 1939, leis raciais promulgadas na Itália resultaram no despedimento de Guido Mendes, o chefe de um hospital judeu em Roma. Tisserant concedeu a Mendes uma Medalha de Honra da Congregação das Igrejas Orientais, "em claro desafio ao governo", disse Yad Vashem. O cardeal trabalhou então para obter certificados de imigração para Mendes e a sua família.

O cardeal procurou obter um visto brasileiro para o rabino Nathan Cassuto, e para isso se correspondeu com o Cardeal Luigi Maglione, o primeiro Secretário de Estado do Venerável Pio XII.

Ele ajudou o linguista judeu, e escritor antifascista, Giorgio Levi, a mudar-se para os Estados Unidos, onde passou a guerra como professor na Universidade da Pensilvânia.

Enquanto visitava os EUA nos anos 30, Tisserant conheceu Cesare Verona, um vendedor de máquinas de escrever Remington do Norte de Itália, numa viagem de negócios. Verona procurou a ajuda do cardeal durante a Segunda Guerra Mundial, e o cardeal o escondeu em sua casa com outra família judaica. A esposa de Verona, Eugénie Crémieux, ficou escondida num mosteiro, por iniciativa de Tisserant.

Numa carta ao cardeal após a guerra, Verona disse-lhe que sua assistência "veio do céu".

Tisserant continuou a servir a Igreja muito depois da guerra. Durante muitos anos ele foi um dos poucos não-italianos na Cúria Romana.

De 1957 a 1971, Tisserant serviu como bibliotecário e arquivista da Biblioteca do Vaticano e do Arquivo Secreto do Vaticano. Foi-lhe creditado o mérito de modernizar as práticas da biblioteca.

Foi eleito membro da Academia Francesa em 1961 e recebeu titulos honoríficos de universidades americanas como Princeton, Fordham e Duquesne.

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Em 1960, São João XXIII nomeou-o Grão-Mestre dos Cavaleiros do Santo Sepulcro. Durante o Concílio Vaticano II, Tisserant foi presidente do Conselho da Presidência, um órgão chave de liderança.

O cardeal foi decano do Colégio dos Cardeais desde 1951 até à sua morte, mais de trinta anos depois.

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