“Eu entendo que vocês gostariam que Cuba fosse o modelo de um socialismo de sucesso e funcional, mas mentiria se disser que é assim”, disse o padre Alberto Reyes Pías, da arquidiocese de Camagüey, Cuba. “Sei que é difícil ver os sonhos acabarem, e sei quão difícil pode ser superar o desejo obstinado de querer que o que não é, seja”, escreveu o padre numa coluna compartilhada nas redes sociais na segunda-feira, 4 de outubro.

“O modelo cubano foi um fracasso e, humildemente, quero pedir à esquerda que aceite isso, porque enquanto vocês se negam a assumir e se alegram em seguir dizendo a um morto: ‘vamos, que você pode’, meu povo sofre, meu povo padece”, continuou o padre.

Cuba vive sob um regime comunista desde a tomada do poder por Fidel Castro em 1959. Castro deixou a chefia do governo em 2011, sendo sucedido por seu irmão Raúl Castro. Em 2019, Raúl passou o poder a Miguel Días-Canel. Em 11 de julho, houve em várias cidades de Cuba os maiores protestos contra o regime comunista da história do país. O governo de Días-Canel respondeu com violência e cerca de 5 mil prisões.

A ilha foi “para a esquerda, tanto a europeia como a latino-americana, o sonho e o ideal do que nunca existiu: um socialismo de sucesso, um país marxista-leninista feliz e próspero, onde o povo se sente confortável e protegido, onde não há injustiças ou misérias, onde os humildes se sentem amparados e seguros, orgulhosos de seus líderes e confiantes no futuro feliz e brilhante de seus filhos”, disse o padre. “Isso é o que através de uma propaganda bem elaborada pediram que vissem, e isso é o que vocês se esforçam para ver”.

No entanto, na realidade, é “uma vida semelhante à das nações em guerra, onde tudo se torna uma odisseia desgastante: a comida, os medicamentos, o transporte, o estudo, as condições de trabalho”, disse o padre Reyes. “Sofremos com o medo de nos expressarmos livremente e com a vulnerabilidade diante de um sistema judicial que condena e não admite defesa. Sofremos com a incerteza de um modelo social em que praticamente não temos controle sobre nosso presente ou futuro. Sofremos a morte dos nossos sonhos, a síndrome da fuga e o mar infinito como a nossa única esperança”.

Reyes escreveu que gostaria de “dizer o contrário”, mas isso seria “zombaria da minha parte, convidá-los a viver uma ilusão, linda e cheia de esperança, como toda ilusão, mas falsa e vazia”.

“E assim como eu me recuso a zombar de vocês, peço-lhes a mesma coisa para o meu povo. Por favor, deixem de zombar do meu povo, deixem de defender maleficamente uma realidade maravilhosa que não existe. Respeitem-se e assumam que Cuba não é o que vocês gostariam que fosse, e que 62 anos é tempo mais do que suficiente para demonstrar que nunca será”, afirmou.

Dirigindo-se aos leitores, disse-lhes que se acham que “o marxismo-leninismo é a solução para os problemas deste mundo, têm todo o direito de buscar aí as soluções, eu os respeitarei, mas não aplaudam o fracasso do socialismo na minha terra com discursos de orgulho fingido”.

"E se não querem dizer claramente que fracassamos, pelo menos guardem silêncio, aprendam a calar, que também pode ser uma opção digna”, acrescentou.

Por fim Reyes disse que os cidadãos cubanos “continuaremos tentando construir uma Cuba onde possamos viver na verdade e na liberdade, lembrando, de vez em quando, Oscar Wilde quando disse: 'Estamos todos na lama, mas alguns de nós olhamos as estrelas'”.

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