O general Enrique Gorostieta, principal líder dos cristeros durante a guerra contra o governo laicista e anticlerical do México no início do século XX, expressava sua “fé cega em Deus” nas cartas dirigidas à sua esposa. María Teresa Pérez Gorostieta, neta do general, tem as cartas que sua avó Gertrudis Lasaga Sepúlveda deixou ao morrer, em 1984, “embrulhadas em um xale, para minha mãe”. Durante muito tempo achava-se que o general Gorostieta era maçom e agnóstico, por causa do historiador franco-mexicano Jean Meyer autor do livro La Cristiada, sobre a guerra dos cristeros. Recentemente, Meyer admitiu seu erro em um artigo no jornal mexicano El Universal.

“Tenho uma fé cega em Deus e espero que isso seja bom. E acredito em você também. Tenho certeza de que você não esquecerá todas as minhas instruções e se cuidará, cuidará dos passarinhos, até que eu possa ir logo para aí e lhe ajudar com tanto trabalho e tanta dor. Eu não tive novidades e estive tão bem que não sofri nenhuma dor de cabeça. Só estou atribulado pela ausência de vocês e rogando a Deus para que me dê forças nesta última provação”, diz uma das cartas de Gorostieta.

Em outra carta, o general escreveu: “Assim, minha esposa idolatrada, com a prática destes valores que estão ao nosso alcance, tolerância, confiança, sacrifício, conformidade, respeito e amor aos filhos, sobre a inabalável base do profundo amor que Deus nos deu um ao outro, conseguimos o que temos”.

Em outro trecho, encoraja a sua esposa a que “enquanto durar esta insurreição, não perca a fé, permaneça tranquila, porque disso depende o meu sucesso. Reza, não se esqueça das minhas recomendações”.

As tensões entre a Igreja e o Estado detonaram a Guerra Cristera, em meados do século XIX, durante o governo de Benito Juárez. Ele promulgou as Leis de Reforma, tirando muitas propriedades da Igreja Católica no México.

O conflito se agravou com a Constituição de 1917, que ignorava os direitos da Igreja e sua personalidade jurídica, limitava o número de sacerdotes e determinava restrições importantes ao culto público.

Quando Plutarco Elias Calles chegou ao poder, promulgou a lei de tolerância de cultos, conhecida como “Lei Calles”, em 1926, tornando efetivos os artigos constitucionais contra a Igreja. Sacerdotes foram proibidos de andar pela rua vestidos com batina, religiosos foram proibidos de congregar-se e a religião deixou de ser ensinada nas escolas.

A Lei Calles determinou, em 31 de julho de 1926, a suspensão dos cultos nos templos. O governo fechou igrejas, perseguiu e prendeu sacerdotes e líderes leigos. A ação violenta do Estado fez com que muitos católicos, em diversas cidades do país, de forma espontânea e sem uma organização central, decidissem tomar o caminho das armas contra o governo mexicano.

A Guerra Cristera terminou oficialmente em 21 de junho de 1929, com a assinatura de acordos entre o arcebispo mexicano Leopoldo Ruiz e Flores, delegado apostólico do papa Pio XI, e o então presidente do país, Emilio Portes Gil. No entanto, contrariando os acordos, autoridades continuaram perseguindo e assassinando oficiais e soldados cristeros durante os anos seguintes.

Só em 1992, a Igreja Católica voltou a ter personalidade jurídica no México, após uma reforma da Constituição do país.

A neta do general cristero declarou ter se sentido magoada na sua adolescência, quando ouvia dizer que seu avô tinha sido ateu. “Minha avó estava viva e sofria com isso”, declarou.

“Quando estudei a carreira de direito, isso me importou menos”, afirmou. Ela disse que se orgulhava do avô “porque ele defendeu o direito à liberdade”. “Embora dissessem que ele não acreditava” em Deus, “seu mérito era reconhecido”, acrescentou. Mas “quando me aproximei mais da Igreja, foi justo na época em que li as cartas e isso, bom, para mim foi explosivo porque não só era um mérito civil, como homem honrado, mas um mérito diante de Deus, como homem espiritual. Como família dele, tínhamos sangue de mártir. Imagina isso!”.

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